Consultor Jurídico

A tutela jurisdicional de urgência em matéria ambiental

30 de dezembro de 2017, 7h00

Por Álvaro Luiz Valery Mirra

imprimir

Spacca
O tema da tutela jurisdicional tem sido objeto de estudos e discussões na doutrina do Direito Processual coletivo e do Direito Ambiental, pela relevância que assume, cada vez mais, a proteção do meio ambiente pela via do exercício da jurisdição.

Diversas são as modalidades de tutelas jurisdicionais passíveis de serem obtidas pela via do processo coletivo ambiental. Tomando por base a coincidência que se espera entre o resultado do exercício da jurisdição no processo coletivo ambiental e a satisfação do Direito Ambiental que é pretendida no caso concreto, as tutelas jurisdicionais em tema de meio ambiente são, em termos gerais, a tutela jurisdicional preventiva stricto sensu, a tutela jurisdicional de precaução, a tutela jurisdicional de cessação de atividades e omissões lesivas ao meio ambiente e a tutela reparatória de danos ambientais[1].

Todas elas estão organizadas, normalmente, para serem concedidas no processo judicial ao final da fase de conhecimento, após realização de cognição plena e exauriente, sob o império do contraditório.

Todavia, em tema de proteção do meio ambiente, existem inúmeras situações em relação às quais não se pode aguardar todo o conhecimento judicial, com ampla discussão da causa em contraditório, para que o amparo de Estado-juiz seja prestado. São frequentes, efetivamente, as situações urgentes que demandam pronta e imediata intervenção judicial, a fim de se evitarem a consumação ou o agravamento de danos e degradações ambientais, a superveniência de riscos de danos graves ou irreversíveis ao meio ambiente e à saúde e segurança da população e o início ou a continuação de atividades efetiva ou potencialmente lesivas. Nesses casos, a demora — normal ou patológica — de todo o trâmite processual pode levar à inefetividade da tutela jurisdicional ao final concedida, frustrando os resultados que dela se esperam sob a ótica da preservação da qualidade ambiental[2].

De uma maneira geral, para a prestação de amparo às urgências específicas de determinadas situações concretas e o combate aos males que o transcurso do tempo e a duração do processo podem acarretar, dispõem os sistemas processuais da denominada tutela jurisdicional de urgência[3], fundada, não raro, como no Direito brasileiro, na garantia constitucional da tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva (artigo 5º, XXXV, da CF)[4].

A tutela de urgência é uma modalidade de tutela jurisdicional que vem adquirindo importância crescente, já que sem ela a máquina judiciária, em não poucas ocasiões, funcionaria inutilmente[5]. Evidencia-se, assim, em inúmeros casos, a necessidade de providências imediatas que sejam capazes de remediar, para o que aqui interessa, riscos e perigos de ilícitos e danos ambientais.

No Direito Processual coletivo brasileiro, a tutela de urgência pode ter natureza cautelar e natureza antecipatória[6]. A tutela de urgência cautelar apresenta feição conservativa e destina-se a assegurar o resultado útil do pleito principal e do direito material por intermédio deste veiculado, apresentando inequívoca relevância em matéria ambiental[7].

Mas é sobretudo a tutela antecipada que desperta maior interesse no tema, já que ela satisfaz, desde logo, de maneira adiantada, o direito material, permitindo, de pronto, em caráter provisório, a imediata tutela preventiva (stricto sensu ou de precaução), de cessação de atividades ou omissões lesivas ou reparatória de violações do direito ao meio ambiente.

De fato, é por intermédio da tutela antecipada que se alcançam, de maneira verdadeiramente efetiva, na fase de conhecimento, a prevenção de danos e degradações ambientais que estão na iminência de se consumar; a prevenção e a cessação de atividades efetiva ou potencialmente lesivas ao meio ambiente prestes a se iniciar ou já iniciadas; a prevenção e a cessação de riscos graves ou irreversíveis ao meio ambiente e à saúde e segurança da população; a reparação de danos à qualidade ambiental; a impugnação de atos administrativos e legislativos contrários aos princípios e normas legais e constitucionais de defesa do meio ambiente.

Ou seja: é pela via da tutela antecipada que, nas situações de urgência, se obtém a pronta realização do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ou a outorga adiantada de algum benefício que o exercício desse direito é capaz de proporcionar, a fim de que a demora inevitável do curso do processo não comprometa a tutela jurisdicional final almejada.

Observe-se que, diante da natureza difusa e indisponível do direito ao meio ambiente e do caráter frequentemente grave e irreversível das degradações ambientais, a tutela de urgência antecipada em assuntos de meio ambiente constitui, não raro, a tutela padrão nas demandas coletivas, à qual se deve dar preferência como forma adequada de amparo a ser concedido com o exercício da jurisdição[8].

Da mesma forma que qualquer outra tutela jurisdicional de idêntica natureza, a tutela de urgência antecipada para a proteção do meio ambiente é uma tutela fundada em cognição sumária (não exauriente) feita à base de juízo de verossimilhança ou de plausibilidade (não de certeza) e ostenta eficácia eminentemente provisória (não definitiva)[9], mostrando-se, assim, passível de adaptação ou revogação em função de modificações na situação fática que ensejou o seu deferimento. Ademais, tem como requisitos próprios e específicos o fumus boni iuris (probabilidade dos fatos alegados e do direito afirmado, nos casos de tutela preventiva stricto sensu e de tutela reparatória; credibilidade dos fatos alegados e plausibilidade do direito afirmado, na hipótese de tutela de precaução) e o periculum in mora (risco de ineficácia do provimento, se este somente for concedido ao final)[10]. Por fim, a tutela de urgência antecipada em tema de meio ambiente pode ser concedida em caráter liminar e inaudita altera parte — sempre que a urgência específica da medida não recomendar a espera da citação e a manifestação do demandado ou a ciência por parte deste último a respeito da providência solicitada trouxer o risco de torná-la ineficaz — ou no curso do processo, uma vez instaurado o contraditório.

Ressalve-se, porém, que, embora situada no contexto geral da tutela de urgência, a tutela antecipada em matéria ambiental apresenta uma peculiaridade importante que precisa ser discriminada, dadas as características das variadas tutelas admissíveis — tutela preventiva stricto sensu, tutela de precaução, tutela de cessação de atividades ou omissões lesivas e tutela reparatória.

Com efeito, como a tutela preventiva stricto sensu, incluída, aqui igualmente, a tutela de cessação de atividades ou omissões lesivas, e a tutela de reparatória nem sempre supõem certeza absoluta, podendo ser concedidas, mesmo ao término do processo, com base em juízos de probabilidade, e como a tutela de precaução, que também implica, frequentemente, a cessação de atividades ou omissões potencialmente lesivas, é, por definição, tutela direcionada a situações de incerteza insuperável, subordinando-se a juízos de mera credibilidade ou plausibilidade, não se deve excluir a possibilidade de que o julgamento da causa, em função das circunstâncias do caso concreto, acabe por se basear na mesma convicção de verossimilhança/probabilidade (tutelas preventiva stricto sensu e reparatória) ou de credibilidade/plausibilidade (tutela de precaução) que autorizou o deferimento da tutela antecipada[11].

Por outras palavras, pode acontecer que, mesmo em nível de cognição exauriente, após o aprofundamento da prova sob o império do contraditório, a certeza suficiente para a concessão definitiva das tutelas preventiva stricto sensu e reparatória corresponda, na essência, à mesma certeza relativa, fundada na verossimilhança ou na probabilidade, que autorizou a concessão da tutela antecipada; do mesmo modo que, no âmbito da cognição exauriente feita para a outorga de tutela final de precaução, a convicção se dê com base em idêntico juízo de credibilidade ou de plausibilidade que, no plano da cognição sumária, ensejou a tutela antecipada[12].

Isso tudo significa que, em não raras ocasiões, uma vez concedida a tutela de urgência antecipada — preventiva stricto sensu, de precaução ou reparatória —, o desenvolvimento ulterior do processo, preservado sempre o debate contraditório da causa, destinar-se-á, no final das contas, menos à demonstração cabal dos fatos alegados e à verificação da incidência do direito afirmado e mais ao simples controle da legalidade da providência adiantada, à luz da defesa apresentada, para fins de confirmação ou não[13].

Eis aqui, portanto, uma das principais características do processo civil destinado à proteção de direitos coletivos e difusos, como o direito ao meio ambiente, dadas, inclusive, a fundamentalidade e a indisponibilidade deste, em que a tutela de urgência, em conformidade com a doutrina de Vittorio Denti, é tida como a tutela “ordinária”. Nesse sentido, como observa o eminente processualista, o processo organiza-se em vista da pronta e imediata intervenção do juiz para a defesa desses direitos, destinando-se as fases sucessivas do procedimento ao mero controle de legalidade das medidas de urgência concedidas[14].


[1] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Tutelas jurisdicionais de prevenção e de precaução no processo coletivo ambiental. Revista do Advogado: Direito Ambiental, n. 133, março/2017, p. 09 e seguintes.
[2] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente. São Paulo: Letras Jurídicas, 2011, p. 454.
[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001, v. 1, p. 160-161; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 25; DENTI, Vittorio. La giustizia civile. Bologna: Il Mulino, 2004, p. 135-137. No novo CPC, arts. 300 e seguintes.
[4] WATANABE, Kazuo. Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer (arts. 273 e 461 do CPC). In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 20; BEDAQUE, José Roberto dos Santos, op. cit., p. 25; MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação de tutela. 9ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006, p. 166-174.
[5] DENTI, Vittorio. Le azioni a tutela di interessi collettivi. Rivista di Diritto Processuale. Padova, n. 4, p. 547.
[6] No novo CPC, artigos 300 a 310.
[7] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, cit., p. 455-456.
[8] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, cit., p. 457.
[9] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, cit., v. 1, p. 162; WATANABE, Kazuo, op. cit., p. 30; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Processo Civil Ambiental. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008, p. 100-105.
[10] Sobre esses aspectos todos, ver MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, cit., p. 458; Tutelas jurisdicionais de prevenção e de precaução no processo coletivo ambiental, cit., p. 10-14.
[11] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, cit., p. 458-459.
[12] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, cit., p. 458-459. Em termos gerais, no processo civil, sobre a convicção de verossimilhança preponderante, própria da antecipação de tutela, como regra capaz de guiar o magistrado igualmente na decisão final, dadas as peculiaridades da espécie e em virtude, notadamente, da dificuldade da prova de determinados fatos e da natureza do direito material discutido, ver MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit., p. 212.
[13] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, cit., p. 459.
[14] DENTI, Vittorio. Le azioni a tutela di interessi collettivi, cit., p. 548.