Reflexões Trabalhistas

O transporte de passageiros pela Uber e a questão do vínculo de emprego

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29 de dezembro de 2017, 7h05

Todos sabemos que só existe contrato individual de trabalho quando estão presentes os requisitos dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. E, mais do que isso, uma vez configurada a relação de trabalho com tais características, há contrato de trabalho a despeito da vontade expressa das partes contratantes, como dispõe o artigo 442 da CLT, ao afirmar que o contrato individual de trabalho corresponde à relação de emprego.

Por consequência, igualmente em sentido contrário, não adianta o prestador de serviços pretender o reconhecimento da existência de contrato de trabalho se sua atividade for prestada com autonomia, que é a antítese da subordinação hierárquica, característica essencial ao contrato de trabalho, já que “o empregador admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”, conforme o artigo 2º da CLT.

Nesse sentido, há de se esclarecer que todas as atividades podem ser desenvolvidas por empregados ou por profissionais autônomos, distinguindo-se o tipo prestação de serviço exatamente pelas características do vínculo desenvolvido entre prestador e tomador de serviços.

Assim, caso tomador e prestador pretendam celebrar um contrato de trabalho válido, é necessário que cuidem para que no desenvolvimento da relação profissional caracterizem-se os requisitos legais necessários. Ao contrário, caso não desejem um contrato de trabalho, mas uma relação autônoma de trabalho, igualmente será necessário cuidar para que não se verifiquem os requisitos dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, como a subordinação hierárquica, por exemplo, sob pena de caracterizar-se o vínculo, a despeito da vontade das partes.

É fato que certas atividades são preponderantemente desenvolvidas por empregados, enquanto que outras, por prestadores autônomos. Neste último caso, encontram-se os médicos, advogados, corretores, exemplificativamente, enquanto que comerciários e industriários normalmente prestam serviços como empregados. Não obstante, todas essas atividades podem ser desenvolvidas por empregados ou autônomos, dependendo da forma como o trabalho for prestado.

O que importa para a caracterização da atividade do prestador de serviços, como empregado ou autônomo, à luz do Direito do Trabalho, é o modo pelo qual o trabalho é desenvolvido e não a simples forma escolhida pelos contratantes, como já vimos.

Assim, embora identifiquemos certas atividades como típicas de empregados e outras como típicas de autônomo, para o correto enquadramento jurídico será sempre necessário o exame das características da prestação, como já referido.

Exemplo concreto desse fato encontramos no recente acórdão da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Processo 10015742520165020026), como noticia o site da corte.

A notícia revela que um motorista que trabalhava para a empresa Uber em São Paulo teve seu pedido de vínculo empregatício negado em decisão de 2º grau do TRT-2. O acórdão, proferido pelos magistrados da 8ª Turma, foi o primeiro envolvendo o aplicativo de transporte privado nessa jurisdição.

A notícia revela ainda que o reclamante havia recorrido da sentença de 1º grau por ter tido seu pedido negado. No acórdão, de relatoria da desembargadora Sueli Tomé da Ponte, o colegiado confirmou a decisão de origem, por unanimidade de votos, negando provimento ao pedido do trabalhador.

Assevera a notícia que afirmou a fundamentação da decisão “com base nos depoimentos do trabalhador e das testemunhas de ambas as partes no processo, foram afastadas a subordinação, a pessoalidade e a habitualidade no caso em questão. Isso ficou claro pelo fato de o motorista não ser obrigado a cumprir jornada mínima, poder recusar viagens sem sofrer penalidades, poder cadastrar outra pessoa para dirigir seu veículo, entre outros itens. Dessa forma, foi considerado trabalhador autônomo”.

Como afirmado, o essencial para a fixar a natureza do vínculo entre prestador e tomador de serviços são as características da prestação de serviço, que, no exemplo acima, resultou pela prestação autônoma de serviços, excluindo a existência de contrato individual de trabalho.

O exemplo é esclarecedor, pois demonstra que a conclusão de que houve trabalho autônomo não decorreu da atividade em si desenvolvida, mas do modo como o serviço foi prestado.

Nada obsta, contudo, que em outro processo venhamos a ter outro motorista da Uber que demonstre trabalhar de forma subordinada e com a presença dos requisitos que configuram o contrato de trabalho, hipótese em que este será reconhecido.

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