Benefício questionado

Incluir multas em indulto natalino é inconstitucional, diz Raquel Dodge

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28 de dezembro de 2017, 11h22

O decreto presidencial que concedeu indulto de Natal e comutação de penas fere a Constituição Federal ao prever a possibilidade de  exonerar o acusado de penas patrimoniais e não apenas das relativas à prisão, além de permitir a paralisação de processos e recursos em andamento.

Esse foi um dos argumentos apresentados pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em ação na qual pede que o Supremo Tribunal Federal suspenda, liminarmente, parte do decreto assinado pelo presidente Michel Temer no dia 21 de dezembro.

Rosinei Coutinho/SCO/STF
Chefe do Poder Executivo não tem poder ilimitado de conceder indulto, diz Dodge.
Rosinei Coutinho/SCO/STF

Na ação, a PGR pede a concessão de liminar para suspender, de forma imediata, os artigos 8º, 10 e 11, além de parte dos artigos 1º e 2º do decreto. A ADI foi distribuída ao ministro Roberto Barroso, porém, como o STF está em recesso, a liminar deverá ser analisada pela presidente da corte, ministra Carmem Lúcia.

Prerrogativa do presidente da República, o decreto de indulto permite que o Estado conceda benefícios ou perdoe a pena de condenados que atendam a alguns critérios, como o cumprimento parcial da pena, por exemplo. No caso do Decreto 9.246, contestado na ADI, a lista de exigências inclui o cumprimento mínimo de um quinto da punição para os não reincidentes e de um terço para os reincidentes. Na edição anterior do decreto era preciso comprovar o cumprimento de,  no mínimo, 25% da sanção prisional imposta na sentença judicial.

Na avaliação da procuradora-geral, ao estabelecer que o condenado tenha cumprido um quinto da pena, o decreto viola, entre os outros princípios, o da separação dos poderes, da individualização da pena, da vedação constitucional para que o Poder Executivo legisle sobre direito penal. “O chefe do Poder Executivo não tem poder ilimitado de conceder indulto. Se o tivesse, aniquilaria as condenações criminais, subordinaria o Poder Judiciário, restabeleceria o arbítrio e extinguiria os mais basilares princípios que constituem a República Constitucional Brasileira”, pontua um dos trechos do documento.

Ao detalhar a inconstitucionalidade na previsão de o indulto incluir a remissão de multas, a ADI enfatiza que tanto o Código Penal quanto a jurisprudência do STF entendem que a pena de multa tem natureza fiscal e perdoá-la seria uma forma de renúncia de receita pelo poder público. “Em um cenário de declarada crise orçamentária e de repulsa à corrupção sistêmica, o Decreto 9.246/17 passa uma mensagem diversa e incongruente com a Constituição, que estabelece o dever de zelar pela moralidade administrativa, pelo patrimônio público e pelo interesse da coletividade”, enfatiza.

Em relação ao artigo 11 da norma, que prevê a possibilidade da concessão do benefício mesmo quando ainda há recursos em andamento, a PGR sustenta que a medida desrespeita o Poder Judiciário ao transformar o processo penal em algo menor. Além disso, a norma estende a possibilidade de indulto a pessoas que estejam respondendo a outro processo, mesmo que ele tenha como objeto a prática de crimes como tortura, terrorismo ou de caráter hediondo. Isso contraria o artigo 5º XLII da Constituição Federal, que veda o indulto para esses crimes. 

Ao frisar que o atual decreto já foi classificado como o “mais generoso” entre as normas editadas nas últimas duas décadas, a PGR avalia que ele será causa de impunidade de crimes graves como os apurados no âmbito da "lava jato" e de outras operações de combate à “corrupção sistêmica” registrada no país. Como exemplo, Dodge cita que, com base no decreto, uma pessoa condenada a oito ano e um mês de reclusão não ficaria sequer um ano presa.  E conclui: “a Constituição restará desprestigiada, a sociedade restará descrente em suas instituições e o infrator, o transgressor da norma penal, será o único beneficiado”.

A possibilidade de concessão do indulto a condenados pelos chamados crimes do colarinho branco, como lavagem de dinheiro e corrupção, já era uma preocupação do Ministério Público Federal.

No dia 21 de novembro, os coordenadores das quatro Câmaras de Coordenação e Revisão do MPF com atribuição em matéria criminal encaminharam ao Ministério da Justiça uma nota técnica em que se posicionavam contra a concessão de indulto para condenados por crimes contra a administração pública. O texto já afirmava que, agindo assim, o país poderia apresentar sinais contraditórios, pois “ao mesmo tempo que busca endurecer a persecução de tais crimes, abranda o cumprimento da pena imposta”.

O MPF também defendeu que os condenados por corrupção só poderiam ser candidatos a progressão de regime mediante a reparação do dano causado ou a devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais, conforme previsto no Código Penal. Com informações da Assessoria de Imprensa da PGR.

Clique aqui para ler o pedido da PGR.

ADI 5.874

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