Opinião

Juiz Sergio Moro, de forma inconstitucional, escolheu julgar ex-presidente Lula

Autor

  • Afranio Silva Jardim

    é mestre e livre-docente em Direito Processual Penal pela Uerj professor associado de Direito Processual da Uerj (aposentado) procurador de Justiça (aposentado) do MP-RJ.

28 de dezembro de 2017, 10h36

Lanço aqui um desafio para os leigos em Direito e para qualquer procurador da República sobre a alegada existência de conexão que prorrogue a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar crimes que teriam sido praticados em São Paulo, todos da competência da Justiça Estadual. Vamos lá:

Que hipótese de conexão do artigo 76 do Código de Processo Penal existe entre o crime de lavagem de dinheiro, praticado pelo doleiro Alberto Youssef, através do Posto Lava Jato, sito no Paraná, e os crimes atribuídos ao ex-presidente Lula, que teriam sido praticados em São Paulo?

Código de Processo Penal.

Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

Art. 76. A competência será determinada pela conexão:

I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;

II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;

III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

O juiz Sergio Moro não diz, não explica, não demonstra. Ele apenas assevera que os processos contra o ex-presidente Lula são da sua competência, porque conexos com aquele processo originário e outros mais. Meras afirmações, genéricas e abstratas.

A Constituição da República dispõe, expressamente, em seu artigo 5, inciso LIII, que "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente".

Trata-se pois de incompetência absoluta, que acarreta nulidade absoluta de todo o processo, na medida em que estamos diante de um direito fundamental tutelado pela Constituição Federal.

Ressalto que a prevenção é critério de fixação da competência entre órgãos jurisdicionais que sejam todos já genuinamente competentes. A prevenção não é critério de modificação da competência!

Como uma incompetência tão flagrante e acintosa pode perdurar em um país sério?

Note-se que aqui sequer estamos pondo em questão a própria competência (ou incompetência) do juiz Sergio Moro para aqueles processos originários, que teriam "atraído" os demais crimes para a 13ª Vara Federal de Curitiba.

De qualquer forma, é importante notar, tendo em vista o artigo 109 da Constituição Federal, que:

a) A Petrobras é uma sociedade empresária de direito privado (economia mista);

b) A competência da Justiça Federal é prevista, taxativamente, na Constituição Federal, que leva em consideração o titular do bem jurídico violado pelo delito e não a qualidade do seu sujeito ativo. Aqui, o importante é o bem jurídico atingido pelo crime, e não a qualidade do autor do delito.

c) A prevenção não é fator de modificação ou prorrogação de competência, mas sim de fixação entre foros ou juízos igualmente competentes.

Relevante salientar ainda que, no processo penal, a conexão ou continência se dá entre infrações penais e não entre processos.

Ademais, importa ressaltar que a conexão pode modificar a competência de foro ou juízo, mas não a competência de justiça, prevista na própria Constituição Federal. O Código de Processo Penal não pode ampliar e nem derrogar a competência prevista na Lei Maior, salvo quando ela expressamente o admite, como nos crimes eleitorais, pois ela menciona expressamente os “crimes eleitorais e comuns conexos”.

Por derradeiro, a conexão pode modificar a competência, como acima dito, para que haja unidade de processo e julgamento, evitando dispersão da prova e sentença contraditórias. ("Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo: …")

No caso em tela, que contradição poderia haver entre a sentença do caso originário do doleiro e a sentença relativa ao triplex do ex-presidente Lula? Fica aqui mais um desafio: apontem uma possível contradição entre as duas sentenças.

De qualquer sorte, se um dos processos já foi julgado, não haverá por que modificar a competência originária, pois não haverá mais possibilidade de um só processo e uma só sentença.

Neste caso, diz a lei que eventual unificação e soma de penas se fará no juízo das execuções penais. Vejam o que diz o artigo 82: “Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas)”.

Saliento, mais uma vez, que a prevenção é critério de fixação da competência entre órgãos jurisdicionais que já sejam todos genuinamente competentes. Vale dizer, a prevenção não modifica a competência, mas “desempata” entre foros ou juízos igualmente competentes.

Assim, se um determinado órgão jurisdicional pratica uma medida cautelar sem competência para tal, ele não passa a ser competente para as infrações conexas. A sua incompetência originária não é sanada, mas sim ampliada.

A toda evidência, a regra do artigo 70 do Codigo de Processo Penal está sendo desconsiderada de forma absurda. Tal dispositivo legal é expresso ao dizer, de forma cogente, que a competência de foro é fixada pelo lugar em que se consumou a infração penal e, no caso de tentativa, pelo lugar em que foi praticado o último ato de execução.

Destarte, não havendo conexão entre infrações praticadas em foros distintos ou não havendo mais a possibilidade de um só processo e um só julgamento, não há justificativa para a modificação da competência do foro originário.

Desta forma, verifica-se que o ex-presidente Lula não está sendo julgado por um órgão jurisdicional competente. Na realidade, o juiz Sergio Moro escolheu o seu réu e, com o auxílio entusiasta do Ministério Público Federal, foi buscar um determinado contexto insólito para “pinçar” acusações contra o seu “queridinho réu”.

Vale dizer, a garantia do “juiz natural” foi totalmente postergada. Por isso, muito antes da sentença condenatória, todos sabiam que o ex-presidente Lula seria condenado por seu algoz!

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  • Brave

    é professor associado da Uerj (mestrado e doutorado), mestre e livre-docente em Direito Processual Penal pela mesma instituição. Também é procurador de Justiça aposentado.

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