Retrospectiva 2017

HCs, reforma trabalhista e outras leis impactaram Direito Desportivo

Autor

  • Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga

    é advogado Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa Professor CBF Academy; Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo; Presidente da Comissão de Direito Desportivo do IAB; Secretário Geral da Comissão de Direito Desportivo do Conselho Federal da OAB.

27 de dezembro de 2017, 10h40

A cada ano aumenta o número de decisões judiciais envolvendo clubes e atletas que são noticiadas pela imprensa. Neste ano de 2017 não foi diferente!

A quantidade de processos ajuizados em face de clubes de futebol em trâmite perante a Justiça do Trabalho não é elevada (cerca de 3.037 processos), porém a grande maioria das decisões é destacada pelos veículos de comunicação dos próprios tribunais e pela imprensa.

Os valores envolvidos e a notoriedade dos reclamantes podem explicar este fenômeno. Nada obstante o recesso desportivo, o ano de 2017 começou agitado em razão do imbróglio envolvendo o atleta Riascos e o Cruzeiro de Belo Horizonte.

No final do ano de 2016 o atleta colombiano obteve liminar em Habeas Corpus impetrado no Tribunal Superior do Trabalho que permitia ao jogador atuar para qualquer clube que desejasse (HC 26452-66.2016.5.00.0000).

Todavia, por força de uma decisão obtida em Mandado de Segurança impetrado pelo clube, o atleta deveria depositar em juízo o valor de aproximadamente R$ 2 milhões para ser transferido (MS 27658-18.2016.5.00.0000).

Tal fato fez com que as partes chegassem a uma composição, sendo que, em fevereiro de 2017, o atacante foi negociado com o Millionarios da Colômbia. É de se destacar que a quantidade de Habeas Corpus que vêm sendo impetrados no TST com o fito de assegurar “liberdade de locomoção” de atletas é preocupante e merece atenção. Isto porque o remédio heroico tem sido banalizado nessas situações e pode comprometer, de forma drástica, o equilíbrio desportivo.

Insta ressaltar que, na primeira vez em que houve deferimento de liminar envolvendo atleta e clube (caso Oscar), a situação era completamente diferente das que se sucederam, pois naquele caso o atleta estava vinculado há mais de um ano a um determinado clube e foi compelido a rescindir e a retornar para o clube que o revelara.

Nos casos atuais, a concessão das liminares é feita sob a alegação de cerceio da liberdade de locomoção do atleta, jogando por terra a finalidade da cláusula indenizatória desportiva, ou seja, devida quando há rescisão antecipada do contrato de trabalho por culpa do atleta.

Além disso, não se pode perder de vista que o referido instituto veio amenizar as perdas sofridas pelos clubes após a extinção do “passe” ocorrido a partir da Lei 9.615/1998, em razão da decisão proferida no Caso Bosman em 1995.

A previsão de pagamento da referida cláusula se justifica em razão da especificidade da atividade do atleta profissional, sendo que esta que não vem sendo observada.

Em abril de 2017 foi a vez do jogador Marcelinho Paraíba obter liminar em Habeas Corpus na mais alta corte trabalhista (HC 5451-88.2017.5.00.0000). Um dos fundamentos da decisão foi a idade do atleta que contava com 41 anos.

Nada obstante o fato de atuar pelo Lages de Santa Catarina e ter ajuizado a sua demanda em Campina Grande, na Paraíba, houve o deferimento da medida liminar que autorizava o atleta a exercer “livremente” a sua profissão.

Em novembro de 2017 o atleta Zeca do Santos — antes mesmo da audiência inicial na cidade paulista — obteve liminar a seu favor para se desvincular do clube (HC 1000326-25.2017.5.00.0000).

Tais decisões merecem reflexão, na medida em que afetam gravemente o equilíbrio desportivo e podem ser prejudiciais para o próprio atleta que passará a desempenhar sua atividade por força de liminares precárias que podem ser reconsideradas ou até mesmo cassadas a qualquer tempo.

Não há dúvidas de que o atleta tem a liberdade para exercer livremente a sua profissão. Contudo, se o jogador pretender se vincular a outra agremiação desportiva antes do prazo, deverá pagar o valor da cláusula indenizatória.

Não foi apenas a questão relacionada à dissolução do vínculo de emprego desportivo que foi analisada pelo Poder Judiciário trabalhista.

No mês de dezembro, foi divulgada decisão na qual a SBDI-I do TST deu provimento a recurso de embargos do Clube Atlético Paranaense para reconhecer a validade do contrato de cessão de imagem entabulado entre o clube e o jogador Luis Francisco Grando (o Chico) e a declarar a natureza indenizatória da rubrica.

No caso em destaque (E-RR 406-17.2012.5.09.0651), a Turma do TST não havia conhecido do recurso de revista do clube sob o fundamento de que “a renda auferida pelo atleta profissional de futebol pelo uso comercial de sua imagem por parte do clube que o emprega não se afigura passível de ser excluída da definição de salário”.

Além disso, o acórdão turmário asseverou que o direito de imagem seria uma forma de remuneração do atleta, devida pela participação nos eventos desportivos disputados pela entidade, bem como decorreria da exploração financeira da figura do jogador. Por essas razões o direito de imagem possuiria natureza jurídica salarial e integraria a remuneração com todos os reflexos legais.

É importante ressaltar que nos casos em que há fraude no contrato de cessão do uso de imagem é reconhecida a natureza salarial do valor auferido. Contudo, a fraude não pode ser presumida e deve ser robustamente comprovada.

Diante destes elementos constantes na decisão da turma, a SDI-I fez valer a autoridade do art. 87-A da Lei Pelé para reconhecer a validade do contrato entabulado entre as partes e afirmar a natureza civil da parcela, sob o fundamento no qual “o contrato de cessão do direito de exploração da imagem de atleta profissional ostenta natureza civil e, a despeito de caminhar em paralelo, não se confunde com o contrato especial de trabalho firmado com a entidade de prática desportiva”.

Por essa razão, os valores percebidos pelo atleta pela cessão de sua imagem não se confundem com a prestação pecuniária a ele devida na condição de empregado (art. 457 da CLT) e por este motivo não constituem salário.

Reforma trabalhista e o Direito Desportivo
O contrato de trabalho desportivo é uma formalidade exigida pela Lei Pelé, razão pela qual a Justiça do Trabalho, por força do que dispõe a Constituição Federal, será a competente para dirimir conflitos de natureza trabalhista envolvendo atleta e clube.

O ano de 2017 será marcado pela reforma trabalhista, que poderá causar impactos na relação empregatícia existente entre clube e atleta, se consistindo em uma realidade que passou a fazer parte da vida de todos os brasileiros a partir de 11 de novembro de 2017.

As alterações introduzidas pela Lei 13.467/2017 provocaram mudanças no direito material (individual e coletivo) do trabalho, Direito Processual do Trabalho e algumas regras de Direito Administrativo e com apenas três dias de vigência houve alteração na lei em razão da publicação da Medida Provisória 808.

O § 4º do art. 28 da Lei Pelé é categórico ao estabelecer que se aplicam ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes da Lei Geral do Desporto, razão pela qual a legislação trabalhista é aplicada apenas de forma subsidiária, mas será permitida desde que não haja conflito com a legislação especial.

A reforma trabalhista incluiu no art. 442-B a possibilidade de contratação do trabalhador autônomo, ocasião na qual, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º da CLT.

Todavia, enquanto a Lei Geral do Desporto, que é mais específica, não autorizar a contratação do atleta autônomo em modalidades coletivas, a contratação desse tipo de trabalhador somente será autorizada nas modalidades individuais.

Muitos atletas recebem baixos salários, conforme mostram dados recentemente veiculados pela mídia. Dos 30.784 jogadores registrados no Brasil, 82% recebem, no máximo, 2 salários mínimos, enquanto que o salário médio base do brasileiro é de 3,3 salários mínimos. Além disso, apenas 2% dos jogadores recebem mais do que R$ 12,4 mil por mês.

Todavia, essa minoria de jogadores, que representam os 2% acima descritos, possuem, pelo menos em tese, discernimento suficiente para transacionar e efetuar concessões recíprocas.

Não podemos perder de vista a nova redação que foi inserida no parágrafo único do artigo 444 da CLT, que fala da livre estipulação contratual pelas partes, aplicando as hipóteses previstas no art. 611-A da CLT, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Tal dispositivo guarda plena e total compatibilidade com a lex sportiva, na medida em que não há qualquer disposição em sentido contrário na lei especial.

Portanto, se o atleta cumprir os requisitos objetivos constantes na previsão legal (portar diploma de nível superior e receber salário mensal igual ou superior ao dobro do limite dos benefícios do RGP), poderá estipular condições com o seu empregador que irão se sobrepor à lei, desde que não sejam disposições ilícitas que são mencionadas de forma exaustiva no artigo 611-B.

Na medida em que o contrato de trabalho do atleta é um contrato especial e obrigatoriamente por escrito, tais disposições deverão constar de forma expressa no documento.

Outro aspecto diz respeito à admissão de treinadores e equipe técnica que poderão ser contratados através de pessoa jurídica. Interessante notar que a Lei 8.650/1993 se refere ao treinador como “empregado”, prevendo, requisitos de validade do contrato e prazo de duração, enquanto que o projeto de lei que tramita no Senado Federal substitui a palavra “empregador” por “contratante”, de modo a permitir que o treinador possa celebrar contrato de prestação de serviços com a entidade de prática desportiva, não sendo, obrigatoriamente empregado nos termos dos artigos 2º e 3º da CLT.

Essa possibilidade é muito mais perspicaz e alinhada com a mudança de paradigma provocada pela Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista), que permitiu o reconhecimento e a validade de outras formas de contratação, principalmente quando o contratado for portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Além disso, mediante a celebração de um contrato de prestação de serviços entre a entidade de prática desportiva (clube) e a empresa do treinador, poderia haver, inclusive, a contratação de todo o staff que acompanha o técnico, como, por exemplo, auxiliares técnicos, preparador de goleiros e etc.

Dessa forma, o clube, mediante a celebração de um único contrato, já poderia contar com a comissão técnica completa que seria de confiança do treinador e não acarretaria nenhum ônus de natureza trabalhista para o clube, tendo em vista a natureza civil da pactuação.

Outro ponto passível de mudança e reflexão é a natureza jurídica de determinadas rubricas que são pagas aos atletas, pois em razão da mudança do art. 457 da CLT, os prêmios pagos aos jogadores sofrerão alteração em sua natureza jurídica. Entretanto, o parágrafo 23 do referido artigo (introduzido pela MP 808) estabelece que incidem o imposto sobre a renda e quaisquer outros encargos tributários sobre as parcelas referidas neste artigo, exceto aquelas expressamente isentas em lei específica.

O Supremo Tribunal Federal e o Direito Desportivo
A Lei 13.155/2015, trouxe novidades no ordenamento jurídico brasileiro, dentre eles princípios e práticas de responsabilidade fiscal e financeira e de gestão transparente e democrática para entidades desportivas profissionais de futebol além de alterar dispositivos da Lei Pelé e do Estatuto do Torcedor.

O artigo 10 do Estatuto do Torcedor foi alterado para determinar que os clubes apresentem certidões fiscais, comprovantes de pagamento de salários, direito de imagem e de recolhimento de FGTS de seus atletas, como condição de participação nos campeonatos de futebol profissional. Ou seja, além do critério técnico referente a colocação obtida na competição anterior, de forma cumulativa, as entidades de prática desportiva deverão comprovar que estão em dia com os seus compromissos financeiros.

Com efeito, a referida alteração interfere na autonomia das entidades desportivas e contraria o disposto no artigo 217 da Constituição Federal, tanto é verdade que, antes de completar quatro meses de vigência, a Lei 13.155/2015 foi alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta no Supremo Tribunal Federal.

Na ADI 5.450, o Partido Humanista da Solidariedade (PHS) e o Sindicato Nacional das Associações de Futebol argumentavam, na época, que as dívidas dos clubes de futebol brasileiros alcançam mais de R$ 5,3 bilhões (depois de quase dois anos o valor aumentou) e reconheciam o interesse do governo federal em viabilizar o pagamento desses débitos e promover mudanças na gestão futebolística.

Contudo, a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte invade a independência dos clubes ao instituir a Autoridade Pública de Governança do Futebol e vincular a regularidade fiscal à habilitação dos clubes em torneios desportivos e autorizar intervenção administrativa em entidades privadas que, por disposição contida na Constituição Federal, gozam de autonomia em relação à sua organização e ao seu funcionamento.

Com efeito, a realidade demonstra que a previsão legislativa tentou “ser mais realista do que o rei”, tendo em vista que criou um critério estranho ao rendimento técnico como condição para participação em campeonato.

Por esse motivo é que, em setembro de 2017, o ministro Alexandre de Moraes concedeu liminar na ADI 5.450 para suspender os dispositivos do Estatuto do Torcedor que condicionavam a participação de equipes em campeonatos à comprovação de regularidade fiscal e trabalhista.

Consta da decisão que o deferimento da liminar ocorreu pelo fato da norma aparentar ferir a autonomia das entidades desportivas quanto à sua organização e funcionamento, prevista no artigo 217 da Constituição Federal, além de constituir forma indireta de coerção estatal ao pagamento de tributos, algo vedado pela própria jurisprudência do STF.

Com efeito, de acordo com o ministro relator, não há razoabilidade em se impor critérios de âmbito exclusivamente fiscal ou trabalhista com a finalidade de garantir a habilitação em campeonatos esportivos, independentemente da adesão dos clubes ao Profut, como restou determinado no Estatuto do Torcedor, alterado pela lei.

De igual sorte, foi considerada desarrazoada a previsão legislativa de rebaixamento de divisão às agremiações que não cumprirem tais requisitos, os quais não apresentam nenhuma relação com o desempenho desportivo da entidade. A decisão liminar fez prevalecer a autoridade das decisões do STF e, principalmente, a contundente previsão contida no artigo 217 da Constituição Federal.

Execuções movidas em face dos clubes de futebol
De acordo com dados divulgados neste ano de 2017, os principais clubes brasileiros somam 6,3 bilhões em dívidas, sendo que apenas as dívidas trabalhistas representam 38% desse montante totalizando 2,4 bilhões de reais.

A fase de execução é o grande gargalo do processo do trabalho, pois, não raro, a execução é frustrada, gerando a sensação no credor trabalhista de que “ganhou, mas não levou”.

Infelizmente a gestão de muitos clubes de futebol não acompanhou a evolução do desporto com uma gestão moderna e profissional, razão pela qual dívidas foram aumentando, gerando um verdadeiro caos financeiro nos clubes.

As constrições das receitas mensais dos clubes quase sempre comprometem a continuidade da atividade desportiva, fim precípuo do clube de futebol. É por essa razão que muitos TRTs têm adotado Atos de Execuções Concentradas para clubes desportivos, hospitais, santas casas e outras instituições essenciais para a população.

Há, portanto, interesse público e social maior a ser protegido, haja vista o interesse nacional na manutenção do desporto como forma de lazer, saúde e integração social.

A adoção dessas medidas encontra amparo legal, valendo citar à guisa de exemplo, o art. 5º., LXXVIII, da CRFB, e art. 4 e 805 do CPC, art. 889 da CLT; art. 28 da Lei de Executivos Fiscais (Lei 6.830/1980), que prevê a reunião de processos contra um mesmo devedor; art. 47 da Lei n. 11.101/2005 e art. 50 da Lei 13.155/2015, que autoriza os tribunais do Trabalho a instituir Regime Centralizado de Execução (Ato Trabalhista) para as entidades desportivas.

Por fim, insta salientar que o Clube de Regatas Flamengo foi beneficiário do ato no início dos anos 2000 e passados aproximadamente três lustros quitou suas dívidas e se tornou superavitário não precisando mais dessa solução que foi vital para a próprio sobrevivência do clube.

O caso Paolo Guerreiro
No início de dezembro foi noticiado que o atleta Paolo Guerrero, atacante da seleção peruana e do Flamengo, estaria fora da Copa do Mundo de 2018. A Fifa puniu o jogador com um ano de suspensão, depois de testar positivo em exame antidoping. A decisão é passível de recurso.

A investigação se deu pelo fato do atleta ter testado positivo para uso de benzoilecgonina, um metabólito da cocaína, em exame realizado depois da partida disputada entre Argentina e Peru, pela penúltima rodada das Eliminatórias Sul-Americanas, no dia 5 de outubro.

O artigo 28, parágrafo 7º, da Lei Pelé, prevê que "a entidade de prática desportiva poderá suspender o contrato especial de trabalho desportivo do atleta profissional, ficando dispensada do pagamento da remuneração nesse período, quando o atleta for impedido de atuar, por prazo ininterrupto superior a 90 (noventa) dias, em decorrência de ato ou evento de sua exclusiva responsabilidade, desvinculado da atividade profissional, conforme previsto no referido contrato".

Tendo em vista que a punição ocorreu em virtude do consumo de um chá que continha a substância proibida, tal decisão poderá implicar em reflexos no contrato de trabalho do atleta.

Certamente o ano de 2018 guardará muitas surpresas e será movimentado para o Direito Desportivo, tendo em vista as alterações legislativas que estão em tramitação tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. Além disso, o protagonismo da Justiça do Trabalho tem tornado ainda mais dinâmico o agitado mundo do esporte.

Autores

  • Brave

    é sócio-fundador do Corrêa da Veiga Advogados e doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL). É conselheiro da OAB-DF e membro da Academia Brasiliense de Direito do Trabalho (Abradt), do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e do Instituto dos Advogados do Distrito Federal (Iadf).

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