Opinião

É impróprio aplicar multa em processo administrativo regido pela Lei 8.906/94

Autor

  • César Peres

    é advogado criminalista e professor de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) em Gravataí (RS). Presidente da Associação dos Criminalistas do Rio Grande do Sul.

26 de dezembro de 2017, 10h16

A leitura dos artigos 35, IV, e 39, da Lei 8.906/94 parece induzir à possibilidade de aplicação da pena de multa como uma das modalidades de sanção passíveis de serem impostas ao advogado que venha a ser condenado em processo administrativo sancionador em sede do Estatuto da Advocacia.

O texto define que a multa deve ser aplicada “cumulativamente” nos casos de condenação que resulte em pena de censura ou suspensão, quando presentes “circunstâncias agravantes”, e deve variar entre uma e dez anuidades.

Inicio por consignar, apenas a título argumentativo, que, caso se admitisse a legalidade da aplicação da pena de multa no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil, parece impositivo que deveria esta ser quantificada levando-se em conta os mesmos vetores – previstos no art. 40, parágrafo único, a e b, do estatuto – considerados quando da fixação da pena de suspensão[1] a que viesse a acompanhar. E as condições legais valoradas de igual modo, tudo em respeito ao princípio da proporcionalidade[2].

Com isso, quero dizer que deveria haver congruência entre a pena de multa e de suspensão impostas: se, por exemplo, a suspensão viesse a ser fixada no mínimo abstratamente previsto (§ 1º do art. 37: pena de 32 dias a 12 meses), nada justificaria fosse a multa cominada em patamar muito diferente deste (art. 39: pena de uma a dez anuidades).

De todo modo, não vejo como se possa implementar essa modalidade de reprimenda em sede do Estatuto da Advocacia. Esclareço, inicialmente, que a conclusão não pretende lançar críticas à OAB ou aos dignos julgadores que entendem de outro modo, mas, apenas, propor um novo olhar sobre a interpretação jurídica que se tem dado a tal modalidade de penalização.

Isso porque o seu pressuposto é o de que estejam presentes “circunstâncias agravantes”. Mais de uma, portanto, o que, de pronto, impediria que a “reincidência em infração disciplinar”, prevista no art. 37, II (especificamente para justificar a aplicação da pena de suspensão), pudesse, isoladamente, justificar a imposição da pena de multa.

Ainda – e principalmente –, porque o instituto “circunstâncias agravantes” não tem previsão no estatuto. E, nesse caso, seria impossível eventual relação com o Código Penal, porque se trataria de analogia in mallam partem, vedada, por todos os títulos, nas democracias liberais.

Mesmo que se aceitasse, ainda para argumentar, a possibilidade de analogia (neste caso, por heterointegração) contrária ao interesse do representado – supinamente inconstitucional –, e se quisesse lançar mão do Código Penal para, por alguma espécie de “alquimia inquisitória”, se utilizar do instituto das “circunstâncias agravantes” (arts. 61, 62, e seus incisos, do CP) para piorar a situação do representado, tal não seria possível em sede da Lei 8.906/94, por disposição expressa:

Art. 68. Salvo disposição em contrário, aplicam-se subsidiariamente ao processo disciplinar as regras da legislação processual penal comum e, aos demais processos, as regras gerais do procedimento administrativo comum e da legislação processual civil, nessa ordem. (grifei e negritei)

Em suma: seja sob o ponto de vista legal e democrático – respeito aos princípios constitucionais da legalidade e da taxatividade (do tipo sancionador) –, seja por carência normativa (não existe previsão de “circunstâncias agravantes” no estatuto), penso não ser possível a aplicação da sanção de multa em processo administrativo regido pela Lei 8.906/94.

 


[1] A pena de censura não pode ser modulada, por isso a referência apenas à pena de suspensão.

[2] BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília, Editora Brasília Jurídica, 2003, p. 35

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