Retrospectiva 2017

Ano teve inovações e julgamentos eleitorais marcantes

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23 de dezembro de 2017, 7h16

Ano novo, vida nova? Nem sempre. Nunca um ano começa do zero absoluto. Não existe um segundo “fiat lux!”. Há sempre uma história a impregnar a caminhada que se inicia, estabelecendo condicionantes.

No Direito, essas balizas são de muitas ordens. Vale destacar o estágio de desenvolvimento da legislação e da jurisprudência. O objetivo desta retrospectiva é apontar, minimamente, o que foi transformado no exercício que ora se encerra e será o solo sobre o qual as jornadas eleitorais serão palmilhadas em 2018. Como dizia Mário Quintana: “O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente.”

No território eleitoral, 2017 foi um ano de inovações importantes. Se não revolucionárias, ao menos interessantes. Tanto a Constituição quanto a legislação eleitoral foram alcançadas por mudanças.

A Emenda Constitucional 97 alterou a Constituição Federal para: a) vedar as coligações partidárias nas eleições proporcionais, a partir de 2020; b) estabelecer normas sobre acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuito no rádio e na televisão e dispor sobre regras de transição, elevando a cláusula de desempenho, progressivamente, a partir de 2018, até 2030, ajustando o percentual de votos e o número de deputados federais necessários para alcançar o acesso a tais meios. Assegurou-se ao candidato eleito, cujo partido não vier a transpor a barreira erigida, a faculdade de mudar de legenda, sem prejuízo do mandato.

Abaixo do planalto constitucional, a Lei 13.487 cuidou da instituição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e de extinguir a propaganda partidária no rádio e na televisão. O primeiro para suprir o vácuo deixado pela vedação do financiamento privado por pessoas jurídicas. O segundo para permitir que a economia decorrente do fim dessa propaganda fosse trasladada para o FEFC.

Também adveio a Lei 13.488, a “minirreforma de 2017”, que implementou remodelações diversas em diplomas variados. Na Lei 9.504/97, as mais significativas variações foram:

a) fixação do prazo de seis meses de registro para que um partido possa participar de um pleito eleitoral;
b) alteração do prazo de domicílio e filiação partidárias, também estabelecido em seis meses;
c) facilitação do parcelamento de multas eleitorais;
d) vedação de candidaturas avulsas;
e) criação do já mencionado FEFC;
f) possibilidade de arrecadação coletiva de receitas para as campanhas (crowndfunding) e permissão de realização de eventos para o mesmo fim;
g) discriminação de novas hipóteses de gastos eleitorais, como despesas com propaganda na internet (impulsionamento), doravante permitidas;
h) dispensa de comprovação de despesas de campanha do candidato com o próprio veículo, de seu cônjuge e de parentes até o terceiro grau;
i) descaracterização da arrecadação prévia de recursos eleitorais como situação de propaganda antecipada;
j) permissão de bandeiras (desde que móveis e não impeditivas da boa circulação de pessoas e veículos) e adesivos (até0,5m2);
k) criação do crime de impulsionamento de conteúdos na internet;
l) limitação de funcionamento de carros de som e “minitrios” a 80 decibéis a sete metros de distância e apenas em eventos de campanha;
m) nova disciplina dos debates eleitorais;
n) alteração das regras de transmissão da propaganda eleitoral, agora mais curta;
o) possibilidade de propaganda eleitoral na internet mediante impulsionamento de conteúdos, a ser regulado pelo Tribunal Superior Eleitoral;
p) a promoção de propaganda institucional, em rádio e televisão, destinada a incentivar a participação feminina, dos jovens e da comunidade negra na política, bem como a esclarecer os cidadãos sobre as regras e o funcionamento do sistema eleitoral brasileiro.

Já na Lei 9.096/95, a Lei 13.488 propiciou as seguintes modificações relevantes: a) esclareceu que partidos políticos não são entidades paraestatais; b) permitiu que os partidos passassem a receber as verbas do FEFC; c) autorizou as doações de pessoas físicas ocupantes de cargo em comissão, empregos temporários e funções de confiança, desde que filiadas a partido político.

No Código Eleitoral, a minirreforma: a) pôs uma nova forma de calcular as sobras no sistema proporcional, permitindo a participação de todos os partidos que participaram do pleito; e b) criou o tipo penal de apropriação indébita de recursos eleitorais, com pena de dois a seis anos e multa.

Ao final, em suas disposições transitórias, a Lei 13.488/17 estabeleceu os limites de gastos para as eleições de presidente da República (R$70 milhões, com possibilidade de elevação em 50%, no segundo turno, se houver), governador de Estado (R$ 2,8 milhões a R$ 21 milhões, conforme seja o eleitorado, também com possibilidade de elevação em 50%, no segundo turno, se houver), senador da República (R$ 2,5 milhões a R$ 5,6 milhões), para deputado federal (R$ 2,5 milhões) estadual (R$ 1 milhão).

Como se percebe, nenhuma novidade foi estruturante. Todas elas se basearam no eixo de redução de despesas e de criação de meios mínimos para que as campanhas pudessem se desenvolver depois de eliminada a abundante fonte dos recursos privados oriundos de pessoas jurídicas.

O inevitável barateamento das campanhas também decorreu da escassez de recursos, postos sob suspeição em sede criminal desde a deflagração da operação “lava jato” e congêneres. As discussões mais profundas sobre a eventual adoção do parlamentarismo, a implementação do voto distrital, dentre outras de tal envergadura, foram deixadas para a próxima legislatura.

Também no campo dos julgamentos o ano foi fértil. Indiscutivelmente, o que mais se avultou foi a apreciação pelo TSE das ações contra a chapa Dilma Rousseff/Michel Temer, eleita em 2014 (Aije 194358, Aime 761 e RP 846). As sessões foram acompanhadas pelo país como se fossem um reality show, com comentaristas analisando desde a linguagem corporal dos magistrados ao teor dos votos.

Ao final, por 4 votos (ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, Admar Gonzaga e Gilmar Mendes) a 3 (ministros Herman Benjamin, Rosa Weber e Luiz Fux), as demandas foram julgadas improcedentes. A limitação objetiva aos fatos narrados nas iniciais das ações e as limitações às provas colhidas, expurgando o conteúdo de delações, foi a tônica dos votos que compuseram a maioria vencedora.

Ainda no TSE, cumpre destacar a manutenção, por 5 votos (ministros Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Herman Benjamin e Admar Gonzaga) a dois (ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Luciana Lóssio) da cassação dos mandatos do governador e do vice-governador do Amazonas (RO 224661). Nesse julgamento, o tribunal ordenou o imediato afastamento dos mandatários cassados e a realização de eleições suplementares diretas, fixando, assim, novas diretrizes para situações semelhantes.

Antes disso, também é digno de nota que, ao julgar o RO 138.069, o tribunal já havia procedido à separação, para fins de inelegibilidade,dos membros das chapas majoritárias. Entendeu-se que, nada obstante a unicidade das chapas dessa natureza, as infrações imputadas ao cabeça não alcançam o vice, se não praticou o ato ilícito ou para ele tenha contribuído.

O TSE também determinou, por diversas oportunidades, a cassação de propagandas partidárias e ordenou a devolução de recursos dos partidos políticos. Assim, sinalizou uma jurisprudência muito mais rigorosa em relação à fiscalização do uso desses meios por tais agremiações.

Também no que concerne a partidos, diante do cenário surreal de 35 partidos em funcionamento e 28 com representação congressual, o tribunal seguiu rigoroso na verificação dos requisitos de registrabilidade e negou registro ao Muda Brasil, que alcançara o número de assinaturas necessárias depois do protocolo do pedido ao TSE.

A corte fixou jurisprudência liberal acerca da vedação de propaganda antecipada, compreendendo que a legislação foi permissiva e que não poderia estabelecer restrições por interpretação ampliativa das hipóteses vedadas, ao julgar processos de interesse dos notoriamente pré-candidatos Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. Assim, desde que não haja pedido expresso de votos ou menção a candidatura, não haverá irregularidade propagandística por antecipação (RP 06011043-73 e Rp. 060116194).

No STF, a Lei da Ficha Limpa foi novamente objeto de discussões nos autos do RE 929.670. Desta feita, por 6 votos (ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber e Dias Toffoli) a 5 (ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio e Celso de Mello), o Supremo assentou a aplicabilidade da alínea d do inciso I do art. 1º da Lei Complementar 64/90, na redação dada pela Lei Complementar 135/2010, a fatos anteriores à publicação desta lei. Ficou pendente a análise de eventual modulação de efeitos, suscitada pelo ministro Ricardo Lewandowski.

O STF também decidiu, agora em sede penal, mas sobre matéria eleitoral, fixar que, em tese, doação de campanha pode ocultar propina. Assim se colocou quando a sua 2ª Turma recebeu a denúncia oferecida nos autos do Inq 3982.

Muitos temas decorrentes das alterações legislativas estão aguardando desfecho perante o Supremo e é possível que algumas decisões modifiquem o panorama posto pelo legislador. Até lá, no entanto, o balizamento é o que consta das leis mencionadas e das resoluções do TSE que as disciplinam.

Vários assuntos, como a participação feminina, o voto impresso, o FEFC, o rezoneamento eleitoral (o TSE extinguiu em 2017 centenas de zonas, adotando critérios objetivos e orçamentários para tanto), a propaganda na internet e a possibilidade de gravações ambientais como prova de ilícitos eleitorais, têm um encontro marcado com os dois órgãos de decisão do direito constitucional e eleitoral. Sobre eles, provavelmente, seráescrita parte da retrospectiva de 2018.

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