Opinião

Favorecer Norte e Nordeste em exportação de açúcar é constitucional

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23 de dezembro de 2017, 6h27

O Supremo Tribunal Federal enfrentará, em sede de repercussão geral, causa relevante sob a perspectiva jurídica, econômica e social, de dimensão nacional e notadamente de rebate em interesses econômicos concretos para esta região Nordeste.

Trata-se de apreciar o Recurso Extraordinário 1.007.860, interposto por um grupo de empresas produtoras de açúcar situadas no sudeste do país contra acórdão proferido pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região reconhecendo pacificamente a plena legalidade da regra disposta no art. 7° da Lei 9.362/96.

A matéria trata da participação exclusiva de empresas produtoras de açúcar sediadas nas regiões Norte e Nordeste de se beneficiarem, nas suas exportações de açúcar, da chamada “cota americana”, pela qual o governo norte-americano concede favores especiais estabelecidos em decorrência de compromissos de tratados internacionais relacionados a regras especiais para negócios com países em desenvolvimento.

No caso trata-se de importação preferencial de açúcar desses países com destino ao mercado dos Estados Unidos, às quais seriam protegidas com tarifas módicas diferenciadas com o fito de apoiar e incentivar o fortalecimento e o desenvolvimento das empresas produtoras de açúcar, como produto agrícola tradicional em regiões tipificadas como menos desenvolvidas de países em desenvolvimento e assim também estimularem o consequente progresso social das populações dessas áreas.

Já as empresas produtoras de açúcar da região Sudeste alegam que a regra disposta no art. 7º da referida lei é inconstitucional, uma vez que impor a não participação nessas operações comerciais juntamente com as empresas produtoras sediadas nas regiões Norte e Nordeste implicaria restrição ilegítima, pois violaria princípios constitucionais, como o da livre concorrência e o da isonomia.

Por conseguinte, além de ferir o princípio da livre competição, a regra não estaria atendendo ao preceito constitucional da redução das desigualdades sociais e regionais, que se viabilizaria de forma mais fácil com observância absoluta do princípio da livre concorrência, resultando também daí seu direito legal de exportação dos seus produtos para o mercado norte-americano em iguais condições comerciais.

Ora, como se sabe, a Constituição Federal de 1988 evoluiu em relação às anteriores e assim ajustando-se aos novos tempos e novos problemas. Dispõe, por exemplo, no objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na conformidade do disposto no artigo 3°., inciso I, atribuindo papel de maior destaque à questão do desenvolvimento regional. A redução das desigualdades sociais e regionais constitui-se um dos objetivos fundamentais da República (art. 3º, inciso III, CF/88).

Ademais, uma posição simploriamente radical de tratar desiguais com as mesmas regras de igualdade descartaria qualquer política pública de natureza econômica para ajustamentos sociais e macroeconômicos como o combate aos monopólios e oligopólios, hoje comum à administração pública em todo o mundo e que em nada revoga ou prejudica a liberdade econômica e a livre concorrência.

Ora, importante é sempre realçar que a questão do desenvolvimento nacional, no Brasil, é algo concreto e bem abrangente, e está inclusive presente e expresso em nosso diploma constitucional e nos objetivos de desenvolvimento da política pública brasileira.

Esse objetivo envolve, direta ou indiretamente, tanto o interesse nacional de desenvolvimento integrado e sustentável, como principalmente o desenvolvimento equilibrado e justo de todas as regiões, sobretudo daquelas regiões menos desenvolvidas ou periféricas considerando a realidade histórica e atual de haver dentro do país regiões economicamente fortes ou hegemônicas.

É curial e do interesse nacional óbvio que não se pode pensar apenas em garantir o desenvolvimento nacional com algumas regiões tidas como ricas, não havendo estratégia e instrumentos viáveis de promoção especial de regiões como é o caso do Nordeste, ainda num estágio econômico e social, bem abaixo das citadas regiões hegemônicas, quais sejam as regiões Sul e Sudeste.

Vale acrescentar, que os citados dispositivos constitucionais de integração econômica nacional e de desenvolvimento regional equilibrado assumem o caráter de dever jurídico pertinente à União, que assim tem de implementar políticas públicas efetivas e eficazes para a redução das desigualdades regionais e sociais, cujas diretrizes, meios e instrumentos, em grande parte estão até expressos no texto constitucional em vários dispositivos.

É o que se vê, por exemplo, no art. 43 da CF/88, que confere expressamente ação articulada da União em termos administrativos, visando à redução das desigualdades regionais, inclusive com o emprego de incentivos, como isenções e reduções de tributos e juros favorecidos.

Cite-se também o art. 163, inciso VII, da CF/88, que estabelece a harmonização das funções das instituições oficiais de crédito com o desenvolvimento regional, o art. 165, § 7º , que estabelece a diretriz do Plano Plurianual de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional, e ainda o art. 170, inciso VII, da CF/88, que ao dispor sobre política econômica e financeira do país insere o objetivo de redução das desigualdades regionais e sociais.

Pode-se dizer também que o empenho em reduzir as desigualdades no nível de desenvolvimento entre as diversas regiões não é preocupação recente no país. Com efeito, inobstante haver ainda muito a fazer neste caminho, o Brasil já vem executando embora de forma tímida todo um conjunto de políticas de desenvolvimento regional, há mais de cinco décadas.

O instrumento mais democrático, fácil de administrar e eficaz é sem dúvida a utilização racional de um sistema de incentivos fiscais especiais, como é o que se apresenta nesse caso de reserva da “cota americana” para exportação de açúcar prender-se exclusivamente aos produtores situados nas regiões Nordeste e Norte do país.

Finalmente, a coerência dessa política integrativa da nação brasileira e sua aplicação — que, como se disse é bastante tímida e ponderada — é também imperativo de espírito público e de brasilidade a que certamente não faltarão os ínclitos e respeitáveis ministros do STF, assim dando mais uma lição de justiça e patriotismo a todos os brasileiros.

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  • Brave

    é advogado do Nelson Wilians Advogados & Associados - filial Recife. Engenheiro, pós-graduado em Conservação dos Solos e Ciências Ambientais pela UFRPE, pós-graduado em Direito Público pela ESMAPE e ex-membro da Comissão de Meio Ambiente da OAB-PE (2013-2015).

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