Opinião

É necessário maior controle judicial dos atos de pré-campanha

Autor

  • Rodrigo da Silva Albuquerque

    é advogado e professor de Direito Eleitoral. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Caruaru e mestrando em Direito pela Faculdade Damas/ Universidade de Göttingen. Membro do Observatorio de Estudios Electorales y Político Institucionales de la Facultad de Ciencias Jurídicas y Sociales (UNLP). Membro do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais.

21 de dezembro de 2017, 5h46

Gabriel Garcia Marquez, em Cem Anos de Solidão, afirma que, em Macondo, o mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las precisava-se apontar com o dedo. Todos os anos, pelo mês de março, uma família de ciganos esfarrapados plantava a sua tenda perto da aldeia e, com um grande alvoroço de apitos e tambores, dava a conhecer os novos inventos.

Explico a realização do Direito Eleitoral com a seguinte passagem de cem anos de solidão por dois motivos: a) a juventude do Direito Eleitoral e b) e os novos inventos que somos obrigados a enfrentar em cada pleito eleitoral.

O Direito Eleitoral brasileiro é um ramo jurídico novo, principalmente no que tange a uma concepção comparatista entre os ramos do Direito. O Brasil, apesar de possuir uma robusta tradição eleitoralista que data do século XVI, somente presenciou a criação de uma Justiça Eleitoral com o término da Revolução de 1930, por meio do Decreto 21.076, de fevereiro, conjuntamente com o Código Eleitoral brasileiro.

Posteriormente a sua criação, apenas a Carta de 1937 não contemplou a Justiça Eleitoral expressamente, em razão de circunstâncias políticas. Daí a explicação da juventude do Direito Eleitoral. Explico agora a menção aos ciganos e aos “novos inventos”.

Assim como as famílias de ciganos, todos os anos pretéritos ao ano eleitoral é realizada uma reforma eleitoral, ou até mesmo uma minirreforma, alterando a legislação. Se não fosse suficiente, o Tribunal Superior Eleitoral também edita regularmente resoluções, disciplinando desde normas procedimentais, até questões concernentes a propaganda eleitoral e causas de inelegibilidade e condições de elegibilidade.

No compasso dessas reformas e resoluções, quase sempre advém um instituto novo ou questões inéditas que exigem um papel extremamente singular da doutrina eleitoralista.

A figura do pré-candidato no cenário eleitoral brasileiro é um exemplo claro disso. Apesar de possuir nome, a sua existência tem gerado uma série de nuances práticas e teóricas a serem solucionadas pela Justiça Eleitoral. Ela veio conjugada com uma flexibilização do caput do art. 36 da Lei 9.504/97, que consagrou de forma expressa que “a propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição.”

Nesse diapasão, a própria dicção legal do art. 36-A faculta uma série de atos a serem praticados pelo pré-candidato, com o objetivo de pormenorizar situações que antigamente ensejavam a condenação por propaganda eleitoral antecipada por parte da Justiça Eleitoral.

Assim, segundo o artigo 36-A da LE (com a redação da Lei no 13.165/2015):

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)
I – a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico; (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)
II – a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)
III – a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos; (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)
IV – a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos; (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)
V – a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais; (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)
VI – a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
§ 1º É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de televisão das prévias partidárias, sem prejuízo da cobertura dos meios de comunicação social. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
§ 2º Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
§ 3º O disposto no § 2o não se aplica aos profissionais de comunicação social no exercício da profissão. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

A nova roupagem conferida ao art. 36-A da Lei 9.504/97, além de repaginar o conceito de propaganda eleitoral antecipada, representa o reconhecimento do legislador de que os atos de pré-campanha integram o processo eleitoral, praticamente extirpando o entendimento antigo de que o processo eleitoral inicia-se apenas com a realização das convenções partidárias, ou até mesmo com o início do prazo para pedido de registro de candidatura.

Passadas as primeiras experiências acerca da nova redação do caput do art. 36-A, sedimentou-se o entendimento de que apenas se configura a propaganda eleitoral antecipada quando existe o pedido explicito de voto, julgando-se regular os atos que não contenham tal pedido.

Inclusive, recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral rejeitou representações do Ministério Público Eleitoral para multar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) por suposta propaganda eleitoral antecipada, justamente com fundamento da inexistência de pedido expresso de votos.

Não obstante, tal fato não significou que o tribunal determinasse o arquivamento do processo com ciência dos autos à Procuradoria Eleitoral para que averiguasse o material publicitário e o seu custo. Na verdade, apenas evidenciou que ainda não há mecanismo processual adequado para viabilizar esse tipo de controle jurisdicional.

Todavia, ultrapassando essa tipologia conceitual do que seja propaganda eleitoral antecipada, outra questão não menos importante exsurge. É que muitos gastos eleitorais da pré-campanha não são contabilizados nas prestações de contas eleitorais, o que muitas vezes torna inviável a fiscalização e o controle judicial sobre tais atos.

Não existe razão para tal omissão, principalmente tendo-se como parâmetro de que os atos de pré-campanha integram o processo eleitoral. Afinal, como lembra Marx, são as formas mais avançadas que “explicam” as pretéritas, e não o contraditório. Portanto, alguns atos tomados no passado são justificados com os atos praticados posteriormente ao registro de candidatura e a escolha formal dos candidatos.

Omitir tais gastos representa inviabilizar que a Justiça Eleitoral e os participantes do pleito eleitoral estabeleçam qualquer tipo de controle social acerca de tais condutas, seja repressivo, seja preventivo, principalmente no que tange ao seu aspecto material, acarretando uma zona cinzenta e obscura imune a qualquer tipo de controle judicial.

É importante se consignar que os atos de pré-campanha devem ostentar um maior diálogo e interlocução entre o pré-candidato e a sociedade civil, em que se deve fomentar um debate democrático, possibilitando a construção de uma possível candidatura e o desenvolvimento de propostas que verberem a ressonância do anseio social.

Todavia, com o encurtamento do período eleitoral para 45 dias, essa ideia de debate democrático tem sido estiolada por alguns pré-candidatos que tendem a desvirtuar o esteio ungido no art. 36 da Lei 9.504/97, inclusive por meio de uma incursão econômica e política que merece ser observado e analisado pela Justiça Eleitoral.

O eminente juiz Hélio David Vieira Figueira dos Santos, relator do Recurso Eleitoral 29-75, expediente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Santa Catarina, proferiu voto com importante alerta que nem sempre está sendo observado pelos pré-candidatos: a primazia de que os atos de pré-campanha, por princípio, devem ser realizados de forma gratuita, sendo proibidos gastos financeiros, ressalvado os que forem feitos a expensas de partido político.

Comunga-se de tal entendimento, de modo que o aporte financeiro aos atos de pré-campanha fustigam a sua própria finalidade, que é a otimização do debate democrático e a propagação de ideias políticas.

Ademais, se existe aporte econômico financiando os atos de pré-campanha, é preciso que isso seja devidamente fiscalizado pela Justiça Eleitoral, não podendo consubstanciar-se em uma zona de atuação desprovida de qualquer tipo de controle judicial. Ora, se esses gastos eleitorais não são custeados pelos partidos políticos, é necessário ter sua fonte de custeio identificada e devidamente analisada.

Assim sendo, a título de exemplo, confecção de materiais gráficos, com design e diagramação profissionais, edição de vídeos, caravanas e comícios, ainda que não se saiba a quantidade ou a extensão de sua circulação, pressupõe o dispêndio de recursos financeiros, que precisa ser devidamente computado e informado perante a Justiça Eleitoral para fins de aferição de balizamento econômico e orçamentário.

Esse controle não pode ser meramente retórico ou lírico. Na realidade deve ser essencial, tendo em vista que os atos de pré-campanha podem ser financiados por recursos do fundo partidário ou até mesmo por doação de pessoas jurídicas, o que neste último caso é vedado expressamente.

Nesse sentido, compete aos órgãos persecutórios e aos partidos políticos a inquirição de investigação para que a Justiça Eleitoral possa apurar os supostos gastos ilícitos no período da pré-campanha, impedindo que haja um desvirtuamento de sua finalidade durante o seu exercício, que, inclusive a depender do caso concreto, pode macular a lisura do pleito eleitoral, principalmente o princípio da paridade de armas. Afinal, como dizia Marx: “são as formas mais avançadas que explicam as pretéritas, e não o contrário.”

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    é advogado e professor de Direito Eleitoral. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Caruaru e mestrando em Direito pela Faculdade Damas/ Universidade de Göttingen. Membro do Observatorio de Estudios Electorales y Político Institucionales de la Facultad de Ciencias Jurídicas y Sociales (UNLP). Membro do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais.

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