Poder do legislador

Decisão monocrática que retirou foro de deputado é criticada por advogados

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21 de dezembro de 2017, 6h25

A decisão monocrática do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, que retirou o foro por prerrogativa de função de um deputado e determinou que ele seja julgado pela primeira instância foi criticada por advogados e professores entrevistados pela ConJur. Segundo eles, como o foro especial nunca foi declarado inconstitucional, não é possível determinar que a lei não seja aplicada no caso. 

O inquérito investiga suspeitas de que o deputado Rogério Simoneti Marinho (PMDB-RN) comprometeu mais de 70% da receita do Legislativo de Natal com a folha de pagamento e de ter gastado R$ 3 milhões com obras sem justificativa.

Como os crimes não foram cometidos durante o mandato de deputado federal e nem em razão dele, Barroso determinou que a primeira instância toque o caso.

De acordo com o ministro, embora o julgamento da matéria no Plenário ainda não tenha terminado, já há sete votos a favor de que a prerrogativa de foro seja restrita aos crimes cometidos durante o mandato e em razão dele.

Veja o que disseram:

Lenio Streck, jurista 
Defendo a tese de que o foro por prerrogativa de função não pode ser relativizado. Consequentemente, mesmo que o STF já tenha maioria para fazer uma aplicação redutiva do instituto, ainda assim resta uma questão relevante: no caso, caberia uma prospective overruling, isto é, mesmo que vingue a tese da interpretação redutiva do foro, não se pode aplicar retroativamente. Isto porque a nova posição do Supremo pegou o processo no meio do caminho. Não pode retroceder.

Guilherme Octávio Batochio, advogado
Havendo possibilidade, mesmo que remota, de reversão da decisão, quer me parecer precipitada a remessa dos autos ao primeiro grau. O julgamento só termina depois de proferidos todos os votos e publicada sua respectiva decisão, a menos que não importem as posições dos Ministros que ainda não votaram e não se considere a possibilidade de reconsideração, coisa muito própria, aliás, de sistemas autoritários.

Alberto Zacharias Toron, advogado
Muita subjetividade, pois apesar desse entendimento restritivo de agora, no caso de Aécio Neves, quando o ministro Marco Aurélio queria desmembrar o processo, foi o ministro Barroso que abriu divergência para que tudo ficasse no Supremo. Qual critério ele usa pra separar em um caso e qual ele usa para manter tudo no Supremo? Esse tema é de legislador e não de julgador.

Pedro Serrano, advogado
Barroso passa por cima das determinações constitucionais e da legislação processual penal. Fez prevalecer seu senso pessoal de Justiça, o que é autoritário.

Alexandre Morais da Rosa, juiz
A decisão está na linha da lógica das medidas estruturantes que o ministro Barroso tem trazido da experiência da Corte Suprema dos EUA, embora seja duvidosa a legitimidade de o STF fazer reformas estruturantes a despeito de lei.

Pierpaolo Bottini Cruz, advogado 
Sou um crítico da prerrogativa de foro e acredito que alternativas devem ser desenhadas, mas a interpretação do STF mais recente sobre o tema não parece se adequar ao texto constitucional. Há falhas no sistema mas a atribuição para corrigi-las e do legislativo nesse caso.

Fernando Hideo Lacerda, advogado 
A decisão do ministro Barroso é fruto da ditadura judicial em que vivemos. Os princípios constitucionais não podem ser interpretados de acordo com a moralidade dos julgadores, seu conteúdo deve ser extraído objetivamente da pauta moral positivada na Constituição Federal. Num sistema de justiça em que se decide apenas com base na própria consciência, somos todos reféns das convicções, crenças e preconceitos dos aplicadores do direito.

Eduardo Kuntz, advogado
Muito me preocupa esse tipo de coisa em um momento em que se discute o cancelamento do foro privilegiado e me parece que essa decisão de certa forma faz com que o Supremo deixe claro a sua vontade de legislar.

Davi Tangerino, advogado 
O ministro Barroso, por sua vez, já incorporou em sua decisão o que está projetado em termos de prerrogativa de foro, no STF, isto é, que o privilégio será mantido para crimes afetos à dignidade do cargo ou do mandato, e não para crimes "comuns". Mostra o caráter pragmático do ministro, mas pode gerar um certo desconforto: por conta das regras do Regimento Interno, os ministros mais antigos ainda não votaram e, em tese, poderia influenciar o resultado final, revertendo o entendimento de outros colegas.

A tendência sinalizada pelo STF, é bom que se diga, é salutar. O privilégio tem como ratio essendi a particular proteção do munus de que são investidos determinados cargos, funções ou mandatos. Não pode, sob pena de subversão axiológica, servir de escudo para a prática de crimes. Não que o STF seja leniente com réus; mas é que é da própria estrutura de um colegiado tão amplo que os feitos criminais ordinários tramitem mais vagarosamente. O sinal acaba ficando invertido: a proteção da dignidade do status público das autoridades acaba virando um certo ingrediente de impunidade, ou de acobertamento. Indesejável, portanto; seja porque não parece ter sido esse o alcance constitucional dado ao privilégio de foro, seja pelo efeito concreto, imediato, no que toca aos detentores do referido foro.

Leonardo Sica, advogado 
O foro por prerrogativa de função precisa ser revisto e limitado com urgência. Porém, uma decisão monocrática num caso concreto mudando a regra do jogo me parece temerária. O STF precisa recuperar a capacidade de produzir consensos colegiados.

Cristiano Zanin Martins, advogado 
A despeito de reconhecer que a decisão aparentemente está de acordo com a posição majoritária que se formou recentemente no STF sobre o tema, acredito que o foro por prerrogativa de função estabelecido na Constituição Federal não pode ser limitado a critério dos julgadores, por melhor que sejam as intenções.

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