Opinião

Estado não pode pensar que cadeia resolve todos os problemas

Autor

  • Carlos Henrique Abrão

    é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo doutor em Direito Comercial pela USP com especialização em Paris professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg e autor de obras e artigos.

19 de dezembro de 2017, 11h44

A terceira maior população prisional do planeta está no Brasil — número assustador — e, pior, com a menor taxa de ressocialização. Muitas prisões provisórias se tornam definitivas. A massa carcerária precisaria encontrar ocupação profissional e deixar de comandar ações de dentro dos presídios.

Outro dado alarmante: a Justiça criminal do país se dedica a julgar, na esfera de sua competência, quase 70% de processos envolvendo drogas. O Brasil se coloca no ambiente de permanente consumo, incluindo cocaína e heroína, além de ser um mercado distribuidor de entorpecentes.

Significa dizer que o Estado brasileiro, em todas as suas atribuições, dentre as quais a mais importante, de segurança pública, veio a titubear e praticar malsinados efeitos de gastos públicos e agentes despreparados.

Não precisaríamos ter quase 800 mil presos; 10% seriam os mais perigosos e vinculados aos crimes de colarinho branco, drogas, corrupção, improbidade e sonegação tributária, já que não é mais possível levarmos até o STJ e o STF pequenos delitos ou furtos, ou quais deveriam desaguar e terminar no Juizado Penal Criminal.

O “Brasil jabuticaba” terá enormes desafios em 2018: para além da Copa do Mundo na Rússia, enfrentará uma das mais acirradas eleições para o cargo de presidente da República. Enquanto não se mudar a Constituição Federal, a qual completará 30 anos em 2018, muito pouco teremos a comemorar.

A bandidagem comanda o crime organizado de dentro dos presídios, com celulares e demais equipamentos, além de armas brancas. Não é possível a cidadania ficar refém se paga os mais caros impostos e de serviço público recebe zero, um nada. E como vamos acreditar nos próximos candidatos se são sempre os mesmos que nos inquietam e intranquilizam há mais de meio século?

Bastante dificultoso o caminho a ser trilhado: temos uma Justiça que oscila e se mostra pendular, sem se aproximar dos casos mais relevantes e rumorosos. A par disso, uma insana tributação e níveis de recursos que somente recrudescem com o atual Código de Processo Civil, que representa grave retrocesso.

A alteração da Lei de Execução Penal é essencial: não adianta o sujeito ser condenado, cumprir apenas um sexto da pena e ficar no regime semiaberto, senão direto para casa ou prisão domiciliar. Crimes hediondos e marcados pela violência, crueldade e unidade de desígnios deveriam ser julgados com rapidez e agilidade; bastaria atestar o culpado ou inocente, sem muitas incursões. No entanto, os que são ardorosos defensores da liberdade e dos direitos dos condenados dirão que a possibilidade de erro se manifesta, porém até nos EUA isso sucede, no mais tranquilo ambiente no qual a corte sentencia à pena de morte.

Não é mais viável o Estado brasileiro manter um contingente prisional de milhares provisoriamente custodiados, o que representa um gasto por ano superior a R$ 1 bilhão. As cadeias deveriam ser construídas e administradas por parcerias público-privadas, que também forneceriam as tornozeleiras e monitorariam os presos 24 horas por dia. Não se admite mais que o falido Estado brasileiro coloque em casa o preso, pois não dispõe de recursos financeiros para licitar a tornozeleira.

O vertiginoso crescimento da população encarcerada se explica pelas crises econômica, financeira e fiscal e pela falta de meios adequados para uma vida digna.

Acabemos com as favelas com falta de saneamento, com a ausência de escolas e creches e distribuamos educação e cultura à população. Chega de futebol, Carnaval e aquela devassa que somente devassa a vida de milhões que não têm como se restabelecer hoje dos dois males do século: dependência química por álcool e drogas.

A sociedade civil adia, mas logo terá que enfrentar seus graves problemas, já que o Estado só serve para arrecadar impostos e manter os privilégios dos políticos avantajados que usufruem de aposentadorias integrais, benefícios de planos de saúde, uso de passagens, selos e postagens, tudo pelo erário.

Os presos deveriam portar um cartão digital que contivesse todos os informes e subsídios da vida prisional, desde a expedição da carta de guia até o momento da soltura, como acontece hoje na Alemanha. No dia da liberdade, o cartão funciona com um código para ser solto.

Estamos muito distantes das nações de primeiro mundo, mas queremos nos desenvolver e nos aperfeiçoar? Ao que tudo indica, não. Preferimos a zona de conforto, as mazelas e falcatruas, e jamais alcançaremos os quadros desenvolvidos, e o que é pior: nos tornamos um país caro antes de ficarmos ricos.

Em síntese, o Brasil tem enormes oportunidades para solucionar seus problemas, mas, se pensar que cadeia resolve tudo, sentirá na pele que a criminalidade é proporcional à ausência do Estado nacional.

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    é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg (Alemanha). Tem doutorado pela USP e especialização em Paris.

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