Ambiente Jurídico

Temas relacionados à água devem ser "tendência ambiental" em 2018

Autor

  • Eduardo Coral Viegas

    é promotor de Justiça no MP-RS graduado em Direito pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) especialista em Direito Civil mestre em Direito Ambiental palestrante ex-professor de graduação universitária atualmente ministrando cursos e treinamentos e integrante da Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente. Autor dos livros Visão Jurídica da Água e Gestão da Água e Princípios Ambientais.

16 de dezembro de 2017, 7h00

Spacca
O final de cada ano é marcado por avaliações do que aconteceu no período que está se encerrando e na busca do que estará em evidência na nova fase que se apresenta. A imprensa faz esse tipo de abordagem tradicional por meio de balanços, retrospectivas, projeções. Normalmente o maior destaque é dado aos aspectos políticos e econômicos, às relações internacionais, aos esportes e às eleições.

No campo pessoal, cada um de nós também acaba pensando no que fez ou deixou de fazer de mais importante no ano e quais são as perspectivas para o “ano novo”. Seguindo nessa linha, procurei destinar minha última coluna de 2017 a identificar quais os sinais apontam para uma tendência na área ambiental em 2018.

Aquecimento global, desmatamentos em geral e especialmente na Amazônia, desastres como enchentes e incêndios, derramamentos de petróleo nos oceanos, crimes contra a fauna, alterações da legislação — nos últimos anos sempre para pior, e neste ano bateu todos os recordes. Esses e outros assuntos continuarão na pauta dos meios de comunicação. Outros inesperados podem surgir e dominar a preocupação da sociedade em razão de algum acidente ecológico significativo, como foi o caso de Mariana em 2015.

A par disso, os holofotes têm se direcionado para a água. O tom veio bem grifado no Seminário Internacional Água, Vida e Direitos Humanos, organizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) nesta semana, em Brasília. O evento era destinado a membros do MP, juízes, advogados, estudantes, servidores públicos, organizações não governamentais e entidades internacionais.

Na abertura, a presidente do CNMP e procuradora-geral da República (PGR), Raquel Dodge, enfatizou que o tema da água deve ser tratado por todo o MP brasileiro e que sua abordagem vem se tornando cada vez mais urgente, porquanto a água doce está progressivamente mais escassa, inacessível, cara e controlada. “Em quase todos os lugares, o controle de acesso à água potável define todas as relações de poder e de dominação de um dado território”[1].

A PGR defendeu que o Direito venha a regulamentar por lei o acesso à água como direito humano; a especialização dos membros do MP no assunto, com vistas a uma defesa adequada desse direito relacionado à dignidade humana; assim como propôs que se instale “um debate permanente na agenda política internacional para que a água se torne um bem acessível”[2].

O seminário do CNMP foi feito em meio a dois outros sinais indicativos de que a temática ocupará lugar de vulto no ano vindouro. O primeiro vem do próprio conselho nacional. “A prioridade em 2018, da Comissão Temporária de Aperfeiçoamento e Fomento da Atuação do Ministério Público na área de defesa do Meio Ambiente e de fiscalização das Políticas Públicas Ambientais do Conselho Nacional do Ministério Público (CTMA/CNMP) será unificar e aprimorar a atuação dos órgãos do Ministério Público na tutela preventiva e repressiva dos recursos hídricos”[3].

Por sua vez, o segundo ainda não aconteceu, mas tem data marcada. Entre 18 e 23 de março de 2018, será realizado em Brasília o 8º Fórum Mundial da Água, encontro internacional comparável às últimas Copa do Mundo e Olimpíada — cada um em sua área. De fato, o fórum é um evento global organizado a cada três anos pelo Conselho Mundial da Água. Após passar pela África, América, Ásia e Europa, terá pela primeira vez sede no hemisfério sul. Assim como a Copa e a Olimpíada, na hipótese de se repetir no país, levará décadas para que isso aconteça. Portanto, a oportunidade é ímpar, singular.

Justamente na semana em que se comemora o Dia da Água — 22 de março —, olhos de todos os cantos do planeta estarão voltados para o Brasil, tal como se passou quando realizados os jogos da Copa do Mundo, a Olimpíada ou, alguns anos antes, a Eco-92. No maior evento sobre águas do mundo, o objetivo principal será oportunizar “o diálogo do processo decisório sobre o tema em nível global, visando o uso racional e sustentável deste recurso”[4].

A gestão dos recursos hídricos consiste em tema interdisciplinar e transversal, entrelaçando-se com inúmeros outros. Desse modo, ter cuidado com as águas vai além de apenas proteger os rios ou aquíferos contra a poluição. Sua defesa garante o acesso dos seres humanos e dos animais a essa fonte insubstituível de vida, a estabilização do clima, a ocupação adequada do solo, a produção de alimentos, o ciclo hidrológico, o saneamento básico.

Em razão da importante cadeia de associações relacionada às águas é que a preocupação com esse elemento natural sensível — e amplamente atingido pelo homem — se expressa há algum tempo, nos planos nacional e internacional, e com maior ênfase nos últimos anos.

Aflita com as mudanças ambientais e com seus impactos no mundo globalizado, boa parte dos países se reuniu em 2015 em Assembleia Geral da ONU, oportunidade em que restaram definidos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Eles foram consolidados em 17 objetivos a serem alcançados até 2030. Alguns dizem respeito, direta ou indiretamente, aos recursos hídricos.

E um, em particular — ODS 6 —, define o propósito de, em 2030, chegarmos com acesso universal e equitativo à água potável e segura para todos, bem como ao saneamento e higiene, acabando-se “com a defecação a céu aberto, com especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade”.

A mesma preocupação vem sendo constantemente externada pelo papa Francisco. Em agosto deste ano, foi realizada em Estocolmo a 26ª Semana Mundial da Água, sob o título “Água para o Crescimento Sustentável”, com a presença de participantes de 230 países. Meses antes, em fevereiro, o papa participou no Vaticano do encontro Direito Humano à Água, quando os debates em torno do assunto foram baseados inclusive em passagens da Encíclica Laudato si'.

No seu discurso de fevereiro, o papa disse que a questão é fundamental e urgente, referindo: “A água está no princípio de todas as coisas”. Citando dados das Nações Unidas, afirmou que “mil crianças morrem todos os dias por causa de doenças ligadas à água, e milhões de pessoas consomem água contaminada”. Por fim, reforçou que o respeito à água é “condição para o exercício dos outros direitos humanos”.

Entendemos que não é necessária lei reconhecendo expressamente o acesso à água como um direito fundamental no Brasil. O STF já teve oportunidade de afirmar, em diversas oportunidades, que o direito à integridade do meio ambiente, previsto no artigo 225 da CF, é um típico direito fundamental de terceira geração[5].

A água, como recurso ambiental[6], encontra proteção na teoria dos direitos fundamentais, por evidência. Aliás, ela está diretamente relacionada a outros destacados direitos de tal envergadura, como os direitos à saúde, à vida e à dignidade da pessoa humana. Não é sem razão que a Constituição de 1988 publicizou integralmente as águas. Sua intenção foi impedir que particulares se apropriassem dos recursos hídricos em detrimento daqueles que não pudessem pagar pela água.

Ao lado disso, a Lei das Águas estabeleceu como fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos que a água é um recurso natural limitado; que em situação de escassez o uso prioritário é o consumo humano e a dessedentação de animais; e que a gestão hídrica deve proporcionar o múltiplo uso das águas, bem como deve ser descentralizada, contando com a participação do poder público, usuários e comunidades[7].

O que se verifica é que a “crise da água” é incontestável e que a adoção de medidas urgentes para se priorizar uma gestão adequada dos recursos hídricos é premente e estará na pauta de 2018, tanto no Brasil quanto nos mais variados recantos do mundo. Por isso, há necessidade de profissionalização daqueles encarregados de tomar importantes decisões no setor.

Talvez esse seja o motivo de tanta perplexidade no recente anúncio da troca de chefia na Agência Nacional de Águas (ANA): “Na semana passada, Temer indicou para o comando da ANA Christianne Dias Ferreira, nome que causou espanto dentro da agência e do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que já estava com uma lista de servidores técnicos da ANA nas mãos para fazer sua indicação ao cargo”. A indicação política para o posto mais elevado na ANA acende um sinal de alerta, pois a futura presidente da autarquia é totalmente desconhecida na agência e na área ambiental[8].

O assunto não é novo, e compartilhamos do entendimento do cientista político Carlos Pereira quando adverte: “As nomeações inexperientes podem apresentar um risco para a qualidade do serviço público”[9]. O ser humano, com sua visão antropocentrista, já errou demais na forma de gestão da água ao redor do planeta. Nesse contexto, questionamos: ainda há tempo para a administração política de cargos técnicos de liderança ambiental?

A crise está posta e necessita de atitudes de enfrentamento, de competência no planejamento e na execução das ações e, sobretudo, que se dê efetiva prioridade ao direito fundamental de acesso à água em quantidade suficiente e qualidade adequada a todos, pois todos, indistintamente, dependem da água em seu dia a dia[10].

* Texto atualizado às 20h35 do dia 12/1/2018 para correção.


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    é promotor de Justiça no MP-RS, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Civil e mestre em Direito Ambiental. Foi professor de graduação universitária e atualmente ministra aulas em cursos de pós-graduação e extensão. Integra a Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente. É autor dos livros Visão Jurídica da Água e Gestão da Água e Princípios Ambientais.

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