Questão de aparência

Governo do RJ prova que raspar cabelo de presos é uma tradição desnecessária

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13 de dezembro de 2017, 9h47

O governo do Rio de Janeiro conseguiu provar que raspar o cabelo de presos é uma tradição desnecessária, sem qualquer relação com a saúde pública. A forma que o estado encontrou para isso é inusitada, mas tem funcionado: não cortou cabelo ou barba de quatro personagens ilustres da política presos recentemente: o ex-governador do Rio Anthony Garotinho e os deputados estaduais Jorge Picciani, Edson Albertassi e Paulo Melo.

Os quatro foram presos na segunda quinzena de novembro e, desde então, não houve registro de qualquer epidemia de piolho. Um exemplo ainda mais contundente, lembra o defensor público Leonardo Rosa, subcoordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário (Nuspen) do Rio de Janeiro, são os presídios femininos, onde nenhuma mulher é obrigada a raspar a cabeça e nem por isso há infestações ou epidemias.

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Eike Batista teve o cabelo raspado ao ser preso no Rio.Reprodução

A Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap), até o começo do ano, quando insistiu em raspar a cabeça do empresário Eike Batista e do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, afirmava seguir uma portaria do Ministério da Justiça (1.191/2008) que disciplina os procedimentos administrativos das penitenciárias federais. Entre outras coisas, a norma determina que, por uma questão de higiene pessoal, os presos homens devem ter o cabelo raspado com máquina com pente número 2, a barba completamente raspada e o bigode aparado.

No entanto, a portaria não tem força de lei, lembra Leonardo Rosa, existindo inclusive uma única resolução da própria Seap que fala sobre a questão capilar, mas que trata especificamente de quem vai para Bangu 1. “A pessoa tem direito à imagem e à personalidade, sendo que o Estado não pode interferir nisso a não ser que prove a existência de um real problema de saúde”, afirma.

Procurada insistentemente pela ConJur durante as duas últimas semanas para explicar a diferença no tratamento dado aos presos, a Seap não respondeu. Questionamento semelhante já havia sido feito pelo jornal O Dia, logo que os deputados foram presos. Em nota, a Seap respondeu que os parlamentares "não cortaram os cabelos porque ainda são deputados e têm prerrogativas".

Porém, como apontado pelo jornal, as prerrogativas para os deputados estão descritas na Constituição do estado, no artigo 102, onde não há nada sobre o tratamento diferenciado em relação aos cabelos em caso de prisão. Além disso, Garotinho também não é deputado.

Medida humilhante
A raspagem de cabelo dos presos já foi contestada pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que chegou a conseguir uma liminar para impedir o procedimento. Para o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria, a determinação acarreta "intervenção corporal e consequente lesão aos direitos básicos e dignidade dos presos".

Porém, a liminar foi derrubada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e a Defensoria Pública, derrotada no Superior Tribunal de Justiça. Em decisão monocrática, o ministro Humberto Martins afirmou que a discussão trata de questão constitucional, fora dos limites da competência da corte (AREsp 635.068).

A questão já foi julgada inclusive pela Corte Europeia de Direitos Humanos, que, no caso Yankov v. Bulgária, decidiu que a medida pode ter o efeito de diminuir a dignidade dos presos ou despertar neles sentimentos de inferioridade humilhantes e degradantes. O julgamento se deu em 11 de setembro de 2003, e a Bulgária foi condenada.

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