Paradoxo da Corte

Questões polêmicas sobre litisconsortes com diferentes advogados

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

12 de dezembro de 2017, 7h00

O artigo 191 do Código de Processo Civil revogado previa a prerrogativa do prazo em dobro para litisconsortes representados por distintos advogados.

Sob a égide do novo diploma, nessa situação, o prazo também será computado em dobro, desde que diferentes os procuradores dos litisconsortes, integrantes de escritórios de advocacia igualmente diversos (artigo 229), salvo se o processo for eletrônico, no qual não se aplica a regra do prazo duplicado (artigo 229, parágrafo 2º).

Todavia, embora possa parecer simples a incidência de tais regras, a experiência revela que surgem inúmeros e sérios problemas relativos a litisconsortes que outorgam procuração a advogados distintos. A celeuma é ainda maior quando os procuradores subscrevem uma única petição.

Todo cuidado é pouco!

Ressalte-se, de início, que o simples fato de os litisconsortes passivos outorgarem procurações a diferentes advogados já faz incidir, nos processos físicos, sem qualquer requerimento, a regra do artigo 229 do Código de Processo Civil. Nesse sentido, pode ser consultado aresto da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 973.465-SP, sob a relatoria do ministro Luis Felipe Salomão: “Os réus fazem jus ao prazo em dobro para oferecimento de suas contestações — independentemente de requerimento —, por terem patronos distintos”.

Vejamos uma primeira hipótese, que foi enfrentada pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Agravo em Recurso Especial 619.909-DF, da relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, na qual foram contratados diferentes procuradores, mas apenas um dos litisconsortes interpôs recurso.

O prazo para a interposição continua sendo dobrado. Não obstante, assentou a turma julgadora que, para as impugnações posteriores, “não mais tem aplicação a regra de contagem em dobro dos prazos”.

Aduza-se, por outro lado, que a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, apresentando entendimento mais rígido, decidiu no Agravo de Instrumento 595.353, cujo acórdão condutor é da lavra do ministro Ayres Britto, que o benefício do artigo 191 (artigo 229 do novo código) “não alcança os litisconsortes que interpõem recurso conjuntamente, não obstante representados por procuradores distintos”.

Outra interpretação, que coloca a parte em posição crítica, é a que foi expressada pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao ensejo do julgamento dos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Recurso Especial 1.120.504-SP, relatada pelo ministra Nancy Andrighi. Trata-se de situação peculiar, atinente à falta de preparo por um dos litisconsortes, textual:

“O preparo consiste no adiantamento das despesas para o processamento do recurso. Deve-se, pois, recolher um preparo por recurso, sob pena de deserção, nos termos do art. 511 do Código de Processo Civil (1973). Mesmo recorrendo por meio de uma mesma peça processual, se forem representados por diferentes advogados, cada réu fica sujeito ao recolhimento de um preparo. Em respeito ao princípio da isonomia, que deve permear toda a relação jurídico-processual, os litisconsortes que, tendo advogados distintos, se manifestarem por petição conjunta devem escolher entre: (i) se beneficiar do prazo em dobro do artigo 191 do Código de Processo Civil, hipótese em que suas manifestações serão consideradas separadamente, exigindo, pois, o recolhimento de tantos preparos quantos forem os litisconsortes autônomos; ou (ii) recolher um único preparo, circunstância em que considerar-se-á apresentada uma única manifestação, presumindo-se que todos os litisconsortes passaram a ser representados pelos mesmos patronos, portanto sem o benefício do prazo dobrado”.

Observo que essa orientação, extremamente defensiva, foi recentemente secundada pela 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da Apelação 0178788-62.2002.8.26.0100, ao declarar, por unanimidade de votos, a intempestividade do recurso interposto por litisconsortes, numa única peça, assinada pelos respectivos procuradores:

“Porque, ainda que tenham outorgado procuração a distintos advogados, vêm apresentando desde a petição inicial, inclusive, petições únicas e assinadas em conjunto, o mesmo ocorrendo com a apelação, também elaborada em uma única peça e assinada pelos procuradores das partes em conjunto, recolhido um único preparo, pelo que não há que aplicar a regra do artigo 191 do Código de Processo Civil de 1973, vigente à época da sua interposição, que previa a prerrogativa do prazo em dobro para os litisconsortes que constituíssem procuradores diversos.

Destaca-se que o presente caso difere daqueles outros em que a jurisprudência vem aceitando a aplicação do artigo 191, (mesmo com assinatura da apelação de forma conjunta, por diferentes procuradores), pois, diferentemente desses outros casos, fazem aqui, os autores, uso do artifício do prazo em dobro de forma descabida, sem necessitarem dele, por ser inconcebível que precisem do mesmo para elaborarem petições e argumentos idênticos para propor, dar andamento e se defender na presente ação…

Como já salientado, no caso houve, também, um só recolhimento de preparo, o que indica terem os autores optado pela representação conjunta, caso em que inaplicável a dobra do prazo”.

Já sob outro enfoque, também em época recente, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.693.784-DF, da relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, reconheceu adequado, na fase de cumprimento de sentença, o pagamento voluntário de débito feito dentro de 30 dias úteis após a intimação, e em valor menor do que o fixado em sentença, por um dos devedores litisconsortes, em processo no qual cada parte era representada por advogado próprio. Restou determinado ainda que a multa de 10% deve incidir apenas sobre o valor remanescente a ser pago.

O codevedor efetuou depósito judicial já transcorrido o lapso legal de 15 dias úteis, fixado no artigo 523 do Código de Processo Civil, defendendo a aplicação do prazo em dobro para as manifestações da defesa sempre que os litisconsortes tiverem diferentes procuradores.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal havia decidido que o pagamento voluntário pelo devedor não depende da atuação profissional do advogado e, portanto, não incidia o cômputo do prazo duplicado.

No entanto, a 4ª Turma entendeu que, por ser físico o processo, havia óbice de acesso simultâneo aos autos, circunstância determinante para a incidência do artigo 229 do Código de Processo Civil.

Para o referido ministro relator, “é incontroverso que as sociedades empresárias executadas são representadas por patronos de escritórios de advocacia diversos, razão pela qual deveria ter sido computado em dobro o prazo para cumprimento voluntário da obrigação pecuniária certificada na sentença transitada em julgado”.

Essas e ainda outras questões, relativas à atuação de litisconsortes com diferentes advogados, acabam propiciando variadas dificuldades que podem comprometer o direito da parte. Daí a atenção redobrada que os colegas causídicos devem dispensar para lidar, na praxe forense, com essa problemática.

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