Segunda Leitura

A regulamentação do uso de drones, o passado e o futuro

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

10 de dezembro de 2017, 9h38

Spacca
Drone é uma aeronave, seja qual for o tipo ou tamanho, comandada a distância, ou seja, não tem tripulação. Quem o comanda é chamado de piloto remoto.

Os drones, que nos pareciam ser figuras de filmes futuristas, chegaram para ficar. Terão um papel cada vez mais significativo na vida em sociedade. Para o bem e para o mal. Em Curitiba, estão sendo feitos estudos para drones fazerem entregas a consumidores. Mas, apesar de sua importância, eles ainda não têm lei que os regule.

Os drones são aparelhos avançados, possuem sensores anticolisão, dificilmente trombam. Um drone só cairá se o piloto não obedecer às regras de manuseio do produto. Imagine-se que ele fique sem bateria. Quando houver recursos de apenas 5%, ele pousa onde estiver.

Charles-Louis de Secondat, o Barão de Montesquieu (1689-1755), ao pregar a separação de Poderes, não imaginou que no século XXI a vida se desenvolveria e se transformaria em tal velocidade que o Poder Legislativo, dela, sempre estaria muito atrás. Em outras palavras, o Legislativo mal dá conta do exame dos projetos de lei que o Executivo lhe encaminha e, por isso, sempre está longe de regular novas atividade tecnológicas, como os drones.

Então, quem assume esse papel, através de resoluções, são as agências reguladoras e, por vezes, os conselhos, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Fatos envolvendo drones vêm se sucedendo, como em Porto Alegre, com o voo irregular de um drone no Estádio Beira-Rio durante a partida entre Internacional e Cruzeiro, no dia 27 de novembro de 2016, pelo Campeonato Brasileiro1.

Porém o mais significativo deles ocorreu em um domingo, 12 de novembro passado. Um drone surgiu no aeroporto de Congonhas e permaneceu no ar por duas horas. Trinta voos foram desviados ou cancelados. Centenas de pessoas foram prejudicadas em suas atividades. Os prejuízos econômicos, com certeza, foram vultosos.

Um drone em um aeroporto é um sério risco. Explica o especialista Willian Lima que, “se ele for engolido por uma turbina, pode primeiro destruir as paletas de admissão da turbina e ocasionar um problema que faça o avião retornar. Em caso de colisão com qualquer outra parte vital da aeronave, pode fazer com ela venha ter sérios problemas para manter o controle de voo”2. Em outras palavras, pode cair.

No caso de Congonhas, com certeza, o uso do drone foi irregular, sem autorização da Aeronáutica. O seu proprietário burlou o sistema, que é extremamente seguro e tecnicamente avançado. Basta dizer que o software cria a proteção em torno de áreas como aeroportos, ou seja, o drone licenciado sequer vai ao ar. As limitações já vêm do fabricante.

Em aeroportos dos Estados Unidos e da Europa, começaram a ser instalados caça-drones. Mas isso, evidentemente, implica em gastos consideráveis, e a compra se sujeita a licitações e outras formalidades demoradas. Vai demorar para que possamos usufruir desses aparelhos.

Mas a questão dos drones não fica só no risco de serem lançados sobre aeroportos. Eles podem ser usados para outras coisas, como verificação das instalações de um presídio, captura de fotos em uma propriedade privada para produção de provas, para conhecer a rotina de possível vítima de sequestro, planejamento de assalto a locais de guarda de valores, prática de atos terroristas e outras tantas.

Nos Estados Unidos, em outubro de 2015, a juíza Rebecca Ward, de Bullitt County District Court, de Kentucky, rejeitou as acusações contra um pai que derrubou, com um tiro de carabina, um drone que espionava sua filha de 16 anos, enquanto ela tomava sol na piscina de sua casa3.

Vejamos qual o tratamento jurídico dado pelo Brasil ao assunto.

Lei, como se viu, não há. A Agência Nacional da Aviação Civil (Anac), em 3/5/2017, editou o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil Especial (RBAC-E), que trata das exigências de competência da Anac para aeronaves não tripuladas4. Mas, como dito no preâmbulo desse ato administrativo, “devem ser observadas as regulamentações de outros entes da administração pública direta e indireta, tais como a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, o Departamento de Controle do Espaço Aéreo – DECEA e o Ministério da Defesa”.

Os requisitos para pilotar um drone variam. O piloto remoto deve ter, pelo menos, 18 anos. Não há necessidade de habilitação se o veículo pesar até 25 kg, mas, a partir daí, devem estar cadastrados no site da Anac. Se o voo sobrepujar 400 pés (em torno de 120 metros), será necessária licença e habilitação. Não se permite proximidade de 30 ou menos metros das pessoas.

Vejamos, agora, a responsabilidade pelo descumprimento das normas.

No âmbito administrativo, o artigo 289, da Lei 7.565/86, explicita que a ofensa aos seus dispositivos ou às leis complementares importará em pena de multa, suspensão ou cassação de certificados, licenças, concessões ou autorizações, detenção, interdição ou apreensão de aeronave ou interdição da empresa.

Contudo, a fiscalização é precária. A Anac não dispõe de servidores para atender à crescente demanda de casos. A solução é delegar tais atividades a outras instituições, como guardas municipais, orientando seus agentes para tanto.

No âmbito penal, não há tipo específico para o uso irregular de drones. No caso de aeroportos, é possível valer-se do artigo 261 do Código Penal, que pune com 2 a 5 anos de reclusão expor a perigo aeronave ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação aérea. Mas o dispositivo não pode ser aplicado em outras situações, como jogos esportivos.

Na Lei das Contravenções Penais, o artigo 33 prevê a contravenção de dirigir aeronave sem estar devidamente licenciado, fixando a pena de 15 dias a 3 meses de prisão simples. Uma sanção, evidentemente, simbólica.

Do ponto de vista civil, a responsabilidade se resolve com base no artigo 927 e seguintes do Código Civil. São múltiplas as hipóteses. Imagine-se, por exemplo, que um drone filme cenas de adultério que ocorram em um apartamento no 5º andar de um edifício, para fazer prova em uma ação de divórcio. A ofensa à privacidade do proprietário pode ensejar uma ação por danos morais, fundada no artigo 5º, incisos X e XI da Constituição.

Em síntese, essa é a situação jurídica dos drones no Brasil. Um quase nada. No Congresso, projetos de lei tramitam sem previsão de data para chegarem ao fim (PL 306/2015, no Senado, e PL 8.751/2017, na Câmara dos Deputados).

Enquanto não temos lei, a evolução tecnológica prossegue. É de se esperar que, em breve prazo, lei federal integre o arcabouço legislativo e que a fiscalização seja mais intensa e compartilhada, evitando-se que uma tragédia com drone seja a próxima notícia na mídia.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!