Acervo colossal

Com nova vara de falências, TJ-SP desloca 23 mil volumes de papel

Autor

9 de dezembro de 2017, 8h11

Uma movimentação peculiar tem ocorrido nos corredores do Fórum João Mendes, no centro da capital paulista, durante o maior deslocamento de processos da história do Tribunal de Justiça de São Paulo: diariamente, uma espécie de força-tarefa dedica-se a encaminhar 1.280 processos para o cartório da recém-instalada 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais, inaugurada na terça-feira (5/12).

O número pode não saltar aos olhos num primeiro momento, mas surpreende quando se leva em conta os mais de 60 mil incidentes relacionados a essas ações — como pedidos de habilitações de credores —, que já geraram 23 mil volumes.

Antônio Carreta/TJ-SP
Volumes ocupam 300 prateleiras de novo cartório, no 18º andar do fórum central.
Antônio Carreta/ TJ-SP

A transferência para 300 prateleiras da nova unidade, por isso, exigiu 30 servidores, reserva de dois elevadores e uma interlocução de vários setores do TJ-SP.

São processos bem antigos, que se arrastam por mais de décadas em 45 varas cíveis centrais e ainda são regidos pela Lei da Concordata — antes de entrar em vigor a Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/2005). Devido ao tamanho e à complexidade, a pilha de papel foi se acumulando em juízos sem especialidade no assunto.

Está no meio desse acervo o caso do Mappin, maior loja de departamentos do país na década de 1990, com falência decretada em 1999. Também se encontra ali o destino da Petroforte, uma das principais distribuidoras de combustíveis do país, cujo processo corre desde 2001 e já está com 1.200 volumes.

Outro processo famoso envolve a Fazendas Reunidas Boi Gordo, que ganhou fama na segunda metade da década de 90 pela promessa de grande retorno aos investidores. A Boi Gordo acabou pedindo concordata em 2001 e teve a falência decretada três anos depois. 

Processos transferidos para a 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais:

TJ-SP

Comando da 3ª Vara
O juiz Tiago Henriques Papaterra Limongi foi escolhido para assumir esse enorme acervo. Com um sobrenome conhecido no mundo do Direito, ele se formou no Largo de São Francisco (USP) em 2000, fez mestrado em Direito Comercial na Itália e entrou para a magistratura em 2009.

Antônio Carreta/TJSP
Juiz Tiago Henriques Papaterra Limongi terá o desafio de encerrar as falências mais antigas dentro de dois anos.
Antônio Carreta/ TJ-SP

Antigo responsável pela 18ª Vara Cível, Limongi já vinha cuidando dos processos sobre o Mappin e a Petroforte. Ele disse à ConJur que ficou surpreso com a designação, atribuindo a escolha ao fato de que casos emblemáticos de falência sob sua responsabilidade andaram bem nos últimos dois anos, com o início de pagamentos a credores.

Limongi não receberá novas ações pelos próximos dois anos. A distribuição  continuará limitada às já existentes 1ª e 2ª Varas de Falências e Recuperações Judiciais. 

Com os prazos suspensos até o recesso, a 3ª Vara começará a funcionar efetivamente em janeiro de 2018. O juiz conta que, enquanto isso, vai ajudar o cartório na triagem dos processos e, a partir daí, desenhar um fluxo de trabalho.

“O primeiro trabalho será separar o joio do trigo, o que tem efetivamente para andar, pois acredito que deve ter muita falência que não tem nada a fazer, simplesmente finalizar. O prazo é prorrogável por mais um ano, mas nossa intenção é de, em dois anos, já estar ajudando as outras duas varas no fluxo de pedidos de recuperações novas e falências novas.”

Antônio Carreta/TJSP
O presidente do TJ-SP, Paulo Dimas Mascaretti (segundo à direita) e o corregedor Pereira Calças (terceiro à esquerda) ao lado de juízes e desembargadores que atuam na área.
Antônio Carreta/ TJ-SP

“O processo de falência exige uma dedicação especial, caso contrário ele não anda. O juiz comum já tem muitos processos para julgar. O objetivo é que a 3ª Vara faça os processos andarem e serem encerrados”, diz Limongi, que deverá contar ainda com um segundo juiz auxiliar da capital na vara.

Ele afirma ainda que, embora vá trabalhar com uma lei já revogada (Decreto-Lei 7.661/45), é possível  aplicar o espírito da nova legislação a esses casos. “A ideia de resolução do acervo de falência também passa por uma tentativa de olhar para o mercado e sinalizar que existem ativos interessantes que o mercado pode buscar uma administração de um processo de falência.”

A unidade funcionará no 18º andar do Fórum João Mendes, vizinho às outras duas varas especializadas no tema. A transferência de processos ainda continua, de acordo com o juiz Rodrigo Marzola Colombini, assessor da Corregedoria-Geral da Justiça, à medida em que os incidentes são regularizados no sistema pelas varas de origem.

“Para a transferência, foram formatados cronogramas diários com três horários, com cerca de três varas em cada período. Para a realização das atividades, diversos setores do tribunal estiveram envolvidos como a Corregedoria, o Daraj 1 [Departamento de Administração das Regiões Administrativas Judiciárias], a Administração do Fórum João Mendes, STI [Secretaria de Tecnologia da Informação], SPI [Secretaria da Primeira Instância] e todos os juízes, coordenadores e servidores das Varas Cíveis do Foro Central”, conta.

Varas empresariais
Outra novidade lançada pelo TJ-SP na terça-feira atende uma demanda histórica de advogados e empresas: a criação da 1ª e da 2ª Varas Empresariais e de Conflitos Relacionados à Arbitragem. Até então, processos sobre franquias, marcas e patentes, cumprimento de contratos e pendências societárias, por exemplo, eram distribuídos a diferentes juízos.

O juiz Luís Felipe Ferrari Bedendi foi designado para cuidar dos processos até a abertura de concurso para promoção. As duas unidades receberão apenas novos casos, ou seja, não haverá redistribuição de ações que estão em andamento no Fórum João Mendes Júnior, mesmo se envolverem litígios empresariais. Ele estima que receberá cem processos ao mês, em média.

Bedendi é juiz auxiliar da capital e atuava no Fórum da Fazenda Pública da capital, depois de passar por varas centrais como auxiliar. Formado pela USP em 2002, foi advogado da União por oito anos e está como auxiliar na capital há quatro anos.

Demanda
Um parecer da Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo estima que pelo menos 5.740 novos processos empresariais chegaram à capital entre janeiro de 2013 e agosto de 2016, equivalente a 130 por mês, em média. O documento afirma que o número é bem maior, pois nem sempre advogados das partes cadastram o assunto antes da distribuição.

“Este sonho contribuirá para lograrmos obter maior celeridade e maior qualidade técnica das decisões que serão proferidas em matéria empresarial, ganhando mais agilidade, maior profundidade, segurança jurídica, elementos indispensáveis ao regular funcionamento da economia brasileira, servindo ainda de incentivo para que São Paulo e o Brasil passem a figurar como destinatários relevantes para os investimentos internacionais no mercado brasileiro”, declarou o corregedor-geral da Justiça, Manoel Pereira Calças, na cerimônia de inauguração.

Eleito novo presidente da corte, a partir de 2018, Pereira Calças especializou-se no tema ao longo da carreira e atuou na 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, existente na segunda instância desde 2011.

Antônio Carreta/TJSP
Fábio Ulhoa Coelho atribuiu o bom funcionamento da economia brasileira
à segurança jurídica nas decisões.
Antônio Carreta/ TJ-SP

Convidado à solenidade para falar em nome dos comercialistas, o advogado e professor Fábio Ulhoa Coelho  considerou a inauguração das duas varas um “momento de grande importância não só para a área acadêmica, para o Poder Judiciário paulista e para a advocacia”, como também “um grande momento para a economia brasileira”.

“A palavra-chave para o bom funcionamento da economia brasileira é a previsibilidade. A partir da previsibilidade das decisões judiciais é que os empresários podem fazer cálculos e decidir investimentos. E a previsibilidade depende muito da especialização. Dois anos atrás, em um congresso, sugerimos essa especialização para todo o país. É com muita alegria e muita satisfação que vemos a concretização desse objetivo”, disse o advogado.

Fim do papel
O tribunal também anunciou trabalho de digitalização de todos os processos físicos da 1ª e 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais que deram entrada entre 2005 e 2013 — a partir daquele ano, as ações passaram a ser eletrônicas.

Segundo o juiz Marcelo Sacramone, titular da 2ª Vara de Falência, a medida permitirá melhor acesso dos advogados aos processos, facilitará o trabalho do cartório no andamento e também vai gerar mais segurança. 

Para Daniel Carnio Costa, juiz titular da 1ª Vara de Falências, a especialização coloca o estado em sintonia com o que existe nos países mais avançados. “São Paulo acertou em cheio ao criar varas de falência e recuperação, que são questões coletivas e precisam ter uma atenção diferente. Isso está sendo visto com muito bons olhos pelo mundo todo. Já recebi um feedback de juízes e advogados que conheço dos Estados Unidos e da Europa elogiando a organização que está sendo feita aqui. Essas varas sinalizam o funcionamento da economia.”

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!