Limites normativos

Judiciário trocou lei por ponderação de princípios, dizem Eros Grau e advogados

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9 de dezembro de 2017, 7h34

O ministro aposentado Eros Grau demonstra preocupação ao ver a trajetória da magistratura do país. Para ele, juízes, desembargadores e ministros têm fugido de um princípio básico — julgar com base na lei — para aplicar ponderação entre princípios.

Membro ativo do Supremo Tribunal Federal até 2010, Grau diz que pelo menos dois integrantes atuais da corte têm usado esse argumento para julgar — os nomes, porém, ele não cita publicamente. O problema, afirma, é que o papel do julgador é aplicar o Direito, e não fazer justiça, pois isso só se alcança “lá em cima”.

U. Dettmar/SCO/STF
Eros Grau disse que papel do julgador é aplicar o Direito, e não fazer justiça.
U. Dettmar/SCO/STF

“O Judiciário não está autorizado a dar interpretação diversa do texto normativo”, declarou durante palestra no IV Colóquio sobre o Supremo Tribunal Federal, organizado pela Associação dos Advogados de São Paulo na segunda-feira (4/12), na capital paulista. Outros participantes também teceram críticas ao atual sistema judicial (leia mais abaixo).

Eros Grau deu exemplo pessoal sobre a postura de julgador. Ele afirmou que se ateve à letra da lei ao votar contra a revisão da Lei da Anistia (Lei 6683/79) quando o STF julgou o texto, em 2010 (ADPF 153). “Houve quem esperasse de mim vingança contra a ditadura, porque fiquei presos duas vezes no DOI-CODI”, relatou.

Nos últimos anos, porém, ele vê a substituição do controle da constitucionalidade pelo controle da proporcionalidade da lei. Um exemplo de interpretação extensiva, na avaliação dele, está no reconhecimento do princípio da proibição ao retrocesso para fundamentar decisões.

Grau considera esse tipo de análise “uma profunda agressão à legalidade e à certeza jurídica”. “Não há possibilidade de manter o Estado Democrático de Direito à margem do positivismo jurídico, porque é ele que mantém a democracia”, defendeu.

Minorias representadas
Já a professora Eloísa Machado de Almeida defendeu algumas interpretações do Supremo, principalmente as relacionadas às minorias. Segundo ela, nessas situações, a corte equilibra o poder normativo, pois esses grupos dificilmente têm representação no Congresso Nacional.

Ela citou como exemplo o julgamento das cotas em universidades, no qual ministros usaram argumentos de justiça distributiva e compensação histórica para declarar válida a reserva de parte das vagas no ensino superior a determinados grupos.

Para Eloísa, o STF também trilhou “um bom caminho nos direitos à inclusão social” ao permitir pesquisas com células-tronco embrionárias e igualar a união entre pessoas do mesmo sexo ao dos heterossexuais.

Pautas morais
O advogado e criminalista Leonardo Sica, um dos coordenadores do evento na Aasp, afirmou que certos entendimentos judiciais fazem parte de “um movimento de cruzada judiciária que pretende aumentar o poder de polícia estatal sem previsão legal”.

Para Sica, essas interpretações integram um cenário que tem substituído a ciência penal no Judiciário, fazendo com que “pautas morais comecem a dominar julgamentos penais”.

Ele criticou o motivo para manter presa a advogada Adriana Ancelmo, ex-primeira dama do Rio de Janeiro. Embora a Lei 13.257/2016 indique prisão domiciliar a mães de criança com menos de 12 anos de idade, a mulher de Sérgio Cabral não recebeu o benefício sob a justificativa de que outras mulheres com filhos pequenos também estão atrás das grades.

Outro exemplo apresentado foi a aplicação brasileira da teoria do domínio do fato. O advogado diz que o uso tornou-se recorrente diante da dificuldade de individualizar condutas “e da vontade de condenar algumas pessoas”, além de ser útil para substituir prova direta. Embora essas decisões tenham começado com a Ação Penal 470, o processo do mensalão, Sica diz que decisões como essa já afetam toda a população.

A professora Heloísa Estellita, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, afirmou que parte da magistratura tem se utilizado de “instrumentalismo e flexibilização das normas jurídicas”. O movimento, na avaliação dela, aproveita-se da sobreposição de artigos para legitimar a opinião.

Precedentes
Heloísa Estellita criticou nova jurisprudência do STF que permite a prisão antecipada, logo após condenação em segunda instância. Segundo ela, a corte atuou como legislador para resolver problemas legislativos e recursais do sistema.

Ainda assim, ela considerou um problema que cinco ministros vencidos em julgamento sobre o tema continuem seguindo entendimento contrário em decisões monocráticas. “Mesmo a condenação precária hoje depende do sorteio no sistema do STF, ou seja, um algoritmo”, criticou.

O professor Thomaz Pereira, professor da FGV-RJ, entende que o Supremo fez uma ginástica jurídica ao mudar entendimento de 2010. Como resultado, ele disse ao público da Aasp que a Constituição passa a mudar “informalmente a partir da mudança de composição”.

O professor também defendeu que os ministros respeitem a jurisprudência do Plenário em suas decisões monocráticas mesmo que tenham ficado vencidos no julgamento colegiado. “Não é compatível com o Estado de Direito um Supremo que não leve a sério sua própria jurisprudência”

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