Opinião

STJ precisa definir sobre capitalização de juros na Tabela Price

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9 de dezembro de 2017, 9h10

Em 20 de outubro passado publiquei na Conjur o artigo Não há qualquer mágica por trás da Tabela Price. Críticas, comentários, debates e pareceres me fizerem ver o equívoco da minha antiga tese. Em respeito aos leitores da Conjur, apresento a nova conclusão, com explicações e sinceras desculpas pela errônea interpretação defendida publicamente.

A presente reconsideração é continuidade da postura que sempre pratiquei em minhas publicações na Conjur e outras mídias, debatendo temas sensíveis e conflituosos, com humildade e respeito, ouvindo e aprendendo muito, com objetivo de participar do aprimoramento do direito nacional. Vamos às explicações.

A legislação antiga proíbe contar juros sobre juros em empréstimos (art. 4º do Decreto 22626/33)[i]. O art. 354 do Código Civil determina o pagamento dos juros em primeiro lugar[ii]. O art. 6º "c" da Lei 4380/64 determina que a prestação dos financiamentos habitacionais incluam amortização e juros[iii].

Com essas premissas, com boa-fé, mas erroneamente, centrava a análise da Tabela Price em cima da conta do saldo devedor, onde efetivamente não tem adição de juros. Este raciocínio pode ser acompanhado na Tabela 1, abaixo, em um financiamento fictício de R$5.000,00, em cinco parcelas mensais, com juros de 1% ao mês.

Tabela Price com juros capitalizados na prestação.

Mês

Saldo
Devedor

Amortização

Juros

Prestação

Montante
Pago

R$ 5.000,00

R$ –

1

R$ 4.019,80

R$ 980,20

R$ 50,00

R$ 1.030,20

R$ 1.030,20

2

R$ 3.029,80

R$ 990,00

R$ 40,20

R$ 1.030,20

R$ 2.060,00

3

R$ 2.029,90

R$ 999,90

R$ 30,30

R$ 1.030,20

R$ 3.090,60

4

R$ 1.020,00

R$ 1.009,90

R$ 20,30

R$ 1.030,20

R$ 4.120,80

5

R$ –

R$ 1.020,00

R$ 10,20

R$ 1.030,20

R$ 5.151,00

Total

R$ 5.000,00

R$ 151,00

R$ 5.151,00

R$ 5.151,00

A prestação fixa de R$1.030,20 (coluna 5) compreende a soma dos juros mensais decrescentes (coluna 4, 1% sobre o saldo devedor do mês anterior) e amortização mensal crescente (coluna 3). Como sê vê, não tem acréscimo dos juros no saldo devedor (coluna 2), que vai sendo diminuído pelas amortizações, induzindo equivocada conclusão de inexistência de capitalização. Segue abaixo a correção.

Em empréstimo com juros simples, sem capitalização, os juros são pagos no final do prazo. Em um empréstimo de 5 mil, por exemplo, para ser pago em uma única vez, no final de 5 meses, com juros simples de 1% ao mês, o devedor vai pagar um total de R$5.250,00 (5% de juros), mas no final do prazo. Ocorrendo antecipação do pagamento dos juros, para antes do vencimento do principal, deixa de ser juros simples.

Em caso de parcelamento, para que seja efetivamente com juros simples, cada parcela de amortização deve ser considerada como um empréstimo, a ser pago no respectivo vencimento, com incidência de juros somente sobre o valor da respectiva parcela de amortização. Incidindo sobre o saldo devedor (base de cálculo maior), como na Tabela 1 Price acima, o valor da prestação é maior, gerando prestação com juros sobre juros.

A prestação é a conta que efetivamente mais importa para o devedor. Compreende a parcela de amortização e os juros que o devedor paga ao credor mensalmente. A Tabela 2 abaixo, mostrando a decomposição do valor da prestação da Tabela 1 Price, onde os juros incidem sobre o saldo devedor, explicita matematicamente, sem sombras de dúvidas, a capitalização mensal ocorrente na prestação.

Decomposição da prestação da Tabela 1 (Price)

Amortização

J1

J2

J3

J4

J5

Parcela

1

R$ 1.020,00

R$ 10,20

R$ 1.030,20

2

R$ 1.009,90

R$ 10,09

R$ 10,20

R$ 1.030,20

3

R$ 999,90

R$ 10,00

R$ 10,10

R$ 10,20

R$ 1.030,20

4

R$ 990,00

R$ 9,90

R$ 10,00

R$ 10,10

R$ 10,20

R$ 1.030,20

5

R$ 980,20

R$ 9,80

R$ 9,90

R$ 10,00

R$ 10,10

R$ 10,20

R$ 1.030,20

Total

R$ 5.000,00

Como se vê na Tabela 2 acima, os juros (j1 a j5), correspondentes aos cinco meses, vão crescendo mês a mês, exatamente por incorporar juros sobre os juros do mês anterior. Por exemplo, a prestação 2 (coluna 1), com amortização de R$ 1.009,90, tem juros de R$ 10,20 no segundo mês, por incluir 1% sobre os juros do mês anterior (R$ 10,09) e assim por diante. A soma da parcela de amortização (coluna 2) com os respectivos juros capitalizados mês a mês totaliza o valor da prestação da Price (coluna 8)

A prestação fixa da Price, R$ 1.030,20, calculada a partir da premissa de pagar juros sobre o saldo devedor, contém juros calculado sobre juros, portanto, capitalização ou juros compostos. A exponencial na taxa de juros da fórmula Price confirma a capitalização[iv]. A soma das parcelas de amortização (coluna 2, acima), totaliza R$ 5.000,00, a dívida parcelada. Eventuais diferenças ínfimas decorrem dos arredondamentos necessários, sem desqualificar o resultado dos cálculos.

Para confirmar a nova conclusão, segue abaixo a Tabela 3, com prestação fixas, com juros efetivamente simples, calculada por outra fórmula, sem exponencial na taxa de juros[v], para o mesmo valor de R$5.000,00, com juros mensais simples de 1% e também em cinco parcelas mensais. Esta fórmula não é costumeiramente utilizada pelos meios bancários.

Prestação fixa com juros simples.

Mês

Saldo
Devedor

Amortização

Juros

Prestação

Montante
Pago

R$ 5.000,00

R$ –

1

R$ 3.980,31

R$ 1.019,69

R$ 10,20

R$ 1.029,89

R$ 1.029,89

2

R$ 2.970,61

R$ 1.009,70

R$ 20,19

R$ 1.029,89

R$ 2.059,78

3

R$ 1.970,72

R$ 999,89

R$ 30,00

R$ 1.029,89

R$ 3.089,67

4

R$ 980,44

R$ 990,28

R$ 39,61

R$ 1.029,89

R$ 4.119,56

5

R$ –

R$ 980,85

R$ 49,04

R$ 1.029,89

R$ 5.149,45

Total

R$ 5.000,41

R$ 149,04

R$ 5.149,45

R$ 5.149,45

Como se vê na Tabela 3 acima, a prestação fixa de R$ 1.029,89 (coluna 5), ligeiramente menor que a da Price (R$ 1.030,20), contém juros calculados sobre a respectiva parcela de amortização (coluna 3), base menor que a da Price (que calcula sobre o saldo devedor), resultando soma de R$ 149,04 (coluna 4), menor que na Price (R$ 151,00, Tabela 1). As diferenças são mínimas, devido ao pequeno valor e curto prazo do exemplo, mas amplificam-se em médios e grandes financiamentos.

Por fim, segue abaixo a Tabela 4, decomposição da prestação menor da Tabela 3, onde fica demonstrado a não incidência de juros sobre juros, expressada na igualdade dos juros mensais para cada parcela de amortização. A soma da parcela de amortização (coluna 2) com os respectivos juros simples, sempre iguais, totaliza o valor da prestação menor (coluna 8). Importante destacar que a soma das parcelas de amortização (coluna 2) também é exatamente igual a dívida a ser paga (R$5.000,00). A pequena diferença decorre de arredondamentos.

Decomposição da prestação com juros simples da Tabela 03

Amortização

J1

J2

J3

J4

J5

Prestação

1

R$ 1.019,69

R$ 10,20

R$ 1.029,89

2

R$ 1.009,70

R$ 10,09

R$ 10,09

R$ 1.029,89

3

R$ 999,89

R$ 9,99

R$ 9,99

R$ 9,99

R$ 1.029,89

4

R$ 990,28

R$ 9,90

R$ 9,90

R$ 9,90

R$ 9,90

R$ 1.029,89

5

R$ 980,85

R$ 9,81

R$ 9,81

R$ 9,81

R$ 9,81

R$ 9,81

R$ 1.029,89

Total

R$ 5.000,41

Os cálculos e tabelas acima expressam um ambiente de moeda estável, sem inflação. Não consideram correções monetárias ou atualizações, costumeiramente ocorrente na economia nacional e que podem desestruturar o plano de pagamento e liquidação da dívida, se não aplicado igualmente (mesmo índice e mesmo período) na prestação e no saldo devedor.

Demonstrada a capitalização ocorrente nas prestações calculadas pela Tabela da Price, as questões de fato sobre este ponto ficam resolvidas, podendo ser pacificada por decisão nacional, dispensando a necessidade de perícia técnica caso a caso, que tanto onera o andamento dos processos. Entretanto, o imbróglio ainda não está resolvido. Resta uma complexa questão de direito, incidente sobre o mesmo ponto, que também precisa ser resolvida.

A questão de direito começa na própria velha lei que proíbe "contar juros dos juros" em período inferior a um ano (art. 4º do Decreto 22626/33), perpassa o art. 354 do Código Civil, que manda pagar os juros antes do capital e o art. 6º "c" da Lei 4380/64, que determina que a prestação dos financiamentos habitacionais incluam amortização e juros. A insuficiência das duas últimas regras, que não indicam claramente a base de cálculo dos juros (sobre o saldo devedor ou sobre a parcela de amortização), ao que parece, ampliou o dissenso sobre a questão.

Não bastasse, a Medida Provisória 2.160/2001[vi], convertida na Lei 10.931/2004, marcou um novo divisor para o assunto, ao permitir a capitalização juros em período inferior a um ano, quando expressamente prevista no contrato. Em primeira análise, o Supremo Tribunal Federal manteve a validade da nova legislação (RE 592.377/RS)[vii]. É mais uma variável a ser considerada na questão de direito, a ser resolvida pelo STJ no famoso recurso repetitivo sobre a Tabela Price.

A essência da questão de direito, então, ao que parece, é decidir se a Tabela Price, que mensalmente cobra juros sobre o saldo devedor e, por consequência, juros sobre juros na prestação, está em consonância com o Código Civil, Lei 4380/64, nova Lei 10.033/04, jurisprudência e, assim, excepcionada da antiga regra de anatocismo, que proíbe contar juros dos juros. A aguardada decisão do STJ certamente vai resolver também este conflito de direito. É o que se espera.


[i] Art. 4º. E proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano

[ii] Art. 354. Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital.

[iii] c) ao menos parte do financiamento, ou do preço a ser pago, seja amortizado em prestações mensais sucessivas, de igual valor, antes do reajustamento, que incluam amortizações e juros;

[iv] http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/matematica/tabela-price.htm

[v] Sistema Price de amortização. Juros simples? Claudio José Luchesa, Edson A. Mantovan e Cristiane Ribas Machado. Brasília a. 49 n. 195 jul./set. 2012. Página 107.

[vi] Art. 5o Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.

[vii] http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=8051145

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