Opinião

Justiça para todos — o Dia da Justiça, as gravatas e as tartarugas

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

8 de dezembro de 2017, 5h01

“Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando.” (Ruy Barbosa)

Ouvi mais uma vez o CD de Pena Branca ontem à noite. Músicas caipiras e populares da melhor qualidade, que lhe renderam um dos maiores prêmios internacionais na categoria “world music”.

Não consigo viver sem música e inúmeras vezes daí recebi inspiração para tudo o que faço. Do show (DVD) do Metallica veio um trabalho que publiquei numa revista e depois aqui, em 30 de janeiro de 2015 — clique aqui para ler — onde sugeri que profissionais do Direito deveriam ouvir mais heavy metal.

Pois bem. Hoje é o Dia da Justiça. A citação de Ruy me faz lembrar que já abandonei a batalha que travei ao propor que o Dia do Advogado fosse mudado para 5 de novembro. Os leitores podem consultar dois escritos sobre isso: a) 5/11/2007 – Dia do advogado deveria ser comemorado no dia 5 de novembro; e b) 11/08/2007 – Algumas razões para mudar o Dia do Advogado. Existem mais alguns anteriores.

O tal ICN – Instituto Cinco de Novembro funcionou por menos de um ano, ante a desistência da maioria dos fundadores. Não foi a primeira nem a última vez que errei.

Criar datas comemorativas serve para manter vivas as nossas lembranças, homenagear heróis, louvar pessoas santas, incentivar as artes e esportes, estimular práticas valiosas, registrar propostas ou programas de governo e até mesmo oficializar idiotices populares.

Hoje mesmo, temos o Dia do Cronista Esportivo e o da Família. Quem pesquisar vai encontrar no calendário dito promocional, o Dia das Bruxas, do Saci, do Respeito ao Contribuinte, do Samba e uma infinidade de outras datas que não cabem nos limites deste artigo, que é de 15 mil caracteres.

O Dia da Justiça é legalmente feriado nacional. Como hoje é sexta-feira, isso é ótimo para quem não gosta de trabalhar. Melhor ainda para jornalistas que fazem plantão: podem ganhar um extra ou trocar o dia no banco de horas etc.

Muitos de nós jornalistas sofremos de uma moléstia incurável, conhecida como maledicência. Um dos seus sintomas são dores nas articulações pelo arremesso exagerado de coisas nas outras pessoas ou instituições. Assim, fazemos críticas merecidas a todos os que exercem qualquer tipo de poder.

Por causa disso, apedeutas imaginam que a imprensa seria o quarto poder da nossa república. Se no império havia o poder moderador, seríamos o poder esculhambador ou, pior, destruidor. Hoje sequer há necessidade de frequentar faculdade para ser jornalista! A grande maioria sabe escrever muito bem. Mas já disseram que isso não é muito importante. Vejam a afirmação de Frank Zappa (músico-1940-1993) :

“Um repórter de rock é um jornalista que não sabe escrever, entrevistando gente que não sabe falar, para pessoas que não sabem ler.”

Todavia, nossa Constituição diz que o advogado “é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Quem é indispensável a uma profissão importante tem o dever de seguir suas normas. Isso inclui o visual, a aparência ou uniformes, se for o caso. Em consequência, o advogado sujeita-se a paletó e gravata. Não pode trabalhar mal vestido, embora não precise (nem deva, penso seu) apresentar-se com exagerada ostentação. A advogada há de seguir o mesmo princípio. Nada de bermuda e chinelo de dedo. Menos ainda roupas mais adequadas para a vida noturna do que para o Palácio da Justiça.

Alguns advogados sofrem da doença da ira judicial. Sintomas: ser chato nos balcões do fórum, incomodar juízes a todo momento e criar encrencas onde foi para resolvê-las, como delegacias, por exemplo.

Há advogados(as) que sofrem de doença pior: a prolixidade. O Ibama deveria multá-los, pela ameaça às nossas florestas. Árvores servem para fazer papel. Mais: ninguém consegue ler uma petição maior que um livro!

Aliás, já escrevi 2 livros menores que algumas petições que encontrei por aí. E exagerei um dia, produzindo contra-razões de apelação em apenas 6 linhas e meu cliente teve bom resultado na demanda tributária.

Advogado mais idoso que eu criava problemas com um juiz. Disse-me que, como a Receita Federal tinha como símbolo o leão, a Justiça deveria adotar a tartaruga.

Mas tudo tem seu lado oposto. Quando a Justiça demora isso pode favorecer o culpado ou devedor. Numa execução fiscal que ficou paralisada durante muito tempo, o cliente católico praticante, mas muito brincalhão, afirmou que fizera preces a Nossa Senhora da Prescrição!

Há casos de políticos que gozam de liberdade graças a isso. Talvez sejam devotos da mesma “santa”. Confesso que já utilizei tais graças em benefício de alguns clientes.

O advogado não pode retardar seus atos. No andamento processual qualquer atraso por menor que seja, praticado por nós, representa prejuízo para o cliente. Somos responsabilizados por isso, não só no Tribunal de Ética, mas também na Justiça comum, onde ficamos sujeitos ao pagamento de indenizações que podem colocar em risco nosso patrimônio.

Por outro lado, não cabe ao advogado a função de acionar o feito quando a parte contrária permanece inerte.

Em caso recente uma ilustre procuradora de um município, a quem respeito e admiro pela sua conduta e pelos relevantes títulos acadêmicos que conquistou, afirmou em apelação de sentença que reconheceu prescrição de IPTU, que o contribuinte (meu cliente) era contumaz sonegador que usava sua própria torpeza para não pagar o que devia.

Nas contrarrazões, com todo o respeito, fiz ver a ela a impossibilidade de sonegação em tributo sujeito a lançamento de oficio, bem como que a prescrição ocorrera não por culpa dela ou de ninguém.

Como é público e notório, o mau funcionamento da Justiça decorre de desprezo que a quase totalidade de nossos governantes dedica ao poder judiciário. Muitos apenas se preocupam com mesuras, homenagens e até benefícios de duvidosa legalidade que oferecem aos servidores, quando réus ou investigados pelos atos ilícitos que possam ter cometido.

Conclusões: O Dia da Justiça deve ser comemorado, sim. E tem que ser feriado nacional mesmo. Afinal, ninguém vive sem Justiça. O Judiciário é, sem dúvida, o mais confiável de todos os poderes.

Gravatas são parte da vestimenta do advogado, especialmente quando se dirige ao juiz. Pode ser incômoda, mas deve ser entendida como sinal de respeito pelo trabalho.

Tartarugas são animais irracionais e longevos. Não podem representar nenhuma instituição séria. Isso é uma idiotice ou delírio daquele advogado mais idoso do que eu, que nem advoga mais. Leão, caríssimos, é uma idiotice maior como símbolo do fisco: animal irracional, estrangeiro e vagabundo, pois quem vai à caça é sempre a leoa!

Dando um VIVA ao Dia da Justiça, encerro com o texto final da Oração aos Moços, exortando os colegas mais jovens a perseverar na luta pelo direito como instrumento da Justiça:

“Eia, senhores! Mocidade viril! Inteligência brasileira! Nobre nação explorada! Brasil de ontem e amanhã! Dai−nos o de hoje, que nos falta. Mãos à obra.”

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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