Julgamento interrompido

Para cinco ministros do Supremo, deputado estadual não tem imunidade

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8 de dezembro de 2017, 10h38

Está vencendo no Plenário do Supremo Tribunal Federal o entendimento de que não se estende a deputados estaduais as imunidades formais previstas no artigo 53 da Constituição Federal para deputados federais e senadores, que somente podem ser presos em flagrante por crime inafiançável e com aprovação da Casa Legislativa a que pertencem.

Carlos Moura/SCO/STF
Até o momento, cinco ministros votaram pela concessão da liminar.
Carlos Moura/SCO/STF

O julgamento, que teve início nesta semana, foi suspenso nesta quinta-feira (7/12) para aguardar os votos dos ministros Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso, ausentes justificadamente. A questão está sendo discutida no julgamento de medidas cautelares nas ações diretas de inconstitucionalidade 5.823, 5.824 e 5.825.

As ações foram ajuizadas pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) contra dispositivos das Constituições dos estados do Rio Grande do Norte, do Rio de Janeiro e de Mato Grosso que estendem aos deputados estaduais imunidades do artigo 53 da Constituição para deputados federais e senadores.

Segundo a entidade, essa norma constitucional tem que ser considerada de reprodução proibida pelas Constituições estaduais, uma vez que viola o princípio da separação dos Poderes. Acrescentou que, no plano estadual, a questão é diferente, tendo em vista que os deputados estaduais podem recorrer das decisões para as instâncias superiores, inclusive ao STF. O mesmo não ocorre com os deputados federais e os senadores, os quais já são julgados pelo Supremo, a última instância da Justiça.

Na fase de sustentações orais, na quarta-feira (6/12), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defendeu que as ordens judiciais devem ser cumpridas e que o Legislativo não deve atuar como órgão revisor de atos judiciais. Para ela, as normas estaduais questionadas nas ADIs ferem os princípios republicano, da separação dos Poderes e do devido processo legal.

Votação em Plenário
Até o momento, cinco ministros votaram pela concessão da liminar — Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli (este em menor extensão) e Cármen Lúcia —, para suspender as normas que permitem a revogação de prisão de deputados estaduais. Quatro ministros — Marco Aurélio, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Celso de Mello — se manifestaram de forma contrária, ou seja, pelo indeferimento da medida cautelar nas ADIs.

Na quarta-feira, votaram os ministros Marco Aurélio, relator da ADI 5.823, e Edson Fachin, relator das ADIs 5.824 e 5.825. O ministro Marco Aurélio votou no sentido de indeferir os pedidos de cautelar — que buscavam a suspensão dos dispositivos impugnados —, entendendo que as regras da Constituição Federal relativas à imunidade dos deputados federais são aplicáveis aos deputados estaduais. O ministro destacou que, em termos de representação popular, os trabalhos desenvolvidos no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas não apresentam diferenças.

Ambos, segundo o relator, são igualmente importantes, no respectivo campo de atuação, consideradas as diferentes competências legislativas. Ele entendeu que absolutamente “nada justifica inferir da Constituição elementos implícitos de distinção no tratamento conferido a deputados federais e estaduais”. Assim, considerou imprópria a argumentação que sugere a inferioridade do Legislativo estadual.

De acordo com o ministro Marco Aurélio, o constituinte não distinguiu o Poder Legislativo da União e o dos estados em termos qualitativos, “ou seja, a partir do relevo de cada qual para a consolidação do regime democrático”. Dessa forma, ele destacou que o reconhecimento da importância do Legislativo estadual permite a reprodução, no campo regional, da harmonia entre os Poderes da República.

Carlos Moura/SCO/STF
Relator de duas das três ADIs, ministro Edson Fachin defende que deputados estaduais não têm a imunidade conferida a deputados federais e senadores.
Carlos Moura/SCO/STF

Juízo técnico-jurídico
Relator das outras ADIs, o ministro Edson Fachin proferiu voto deferindo os pedidos, sustentando que a prisão preventiva envolve um juízo técnico-jurídico, que não pode ser substituído pelo juízo político emitido pelo Legislativo. “Entendo que a Assembleia Legislativa usurpou competência atribuída pela Constituição Federal exclusivamente ao Poder Judiciário, violando o princípio da separação de Poderes”, afirmou.

Segundo o voto de Fachin, não se depreende do parágrafo 2º do artigo 53 da Constituição Federal a amplitude conferida pelo Legislativo estadual ao revogar prisões preventivas, assim estendendo a imunidade parlamentar. O dispositivo da Constituição Federal prevê a prisão de parlamentar apenas em flagrante de crime inafiançável, e, nesse caso, o Congresso Nacional deve se manifestar.

Para o ministro, a regra não impede o Judiciário de decretar a prisão preventiva, uma vez que essa modalidade de prisão, como as demais cautelares substitutivas, são pautadas pelos critérios de necessidade e adequação. Esses critérios são previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, incluindo critérios como garantia da ordem pública ou conveniência da instrução criminal.

O ministro entendeu que essa interpretação é a que melhor condiz com o princípio republicano, que veda tratamento discriminatório, privilégios e distinções entre os brasileiros. Sob essa lógica, o dispositivo não permite alongamentos extensivos. O mecanismo constitucional citado visa evitar prisões arbitrárias e desembaraçar o pleno exercício do mandato. Não se trata de direito do parlamentar, mas norma criada em favor da democracia.

Julgamento retomado
Nesta quinta-feira, o julgamento teve continuidade com o voto do ministro Alexandre de Moraes, que acompanhou entendimento do ministro Marco Aurélio pelo indeferimento das liminares. Segundo Moraes, “o legislador constituinte estendeu, expressamente, as imunidades formais do artigo 53 aos parlamentares estaduais”. O ministro destacou ainda que, verificado abuso de poder ou desvio de finalidade, as decisões das Assembleias Legislativas que revogarem decisões judiciais podem ser revistas pelo Judiciário.

No mesmo sentido, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a inviolabilidade formal e a prerrogativa da Casa legislativa para rever a prisão são aplicadas aos deputados distritais e estaduais. Destacou, no entanto, que as constituições estaduais não podem ser mais generosas que a Constituição Federal no momento de definir as imunidades aos seus membros.

O ministro Celso de Mello também votou pelo indeferimento das cautelares. Segundo o decano, as normas referentes à imunidade foram estendidas aos parlamentares estaduais por determinação da Assembleia Nacional Constituinte. Para o ministro, o Legislativo estadual pode rever prisão e medidas cautelares aplicadas a deputados estaduais, no entanto, nenhum direito e garantias são absolutos e, em caso de abuso e para evitar excessos, o Judiciário pode atuar.

Concessão da liminar
Ao acompanhar entendimento do ministro Edson Fachin pelo deferimento das cautelares, a ministra Rosa Weber destacou que o Supremo, no julgamento da ADI 5.526, quando decidiu que as medidas cautelares aplicadas a parlamentares federais devem ser submetidas à respectiva Casa Legislativa, não emitiu tese jurídica quanto à extensão das imunidades formais aos deputados estaduais.

Fellipe Sampaio/SCO/STF
Segundo ministro Luiz Fux, “não há possibilidade de revogação de decisão do Judiciário por outro poder até o oferecimento da denúncia”.
Fellipe Sampaio/SCO/STF

Para o ministro Luiz Fux, as regras do parágrafo 2º do artigo 53 da Constituição Federal são aplicáveis, por simetria, aos deputados estaduais. No entanto, deve ser interpretada no sentido de que, até o recebimento da denúncia, a prerrogativa é do Judiciário. “Não há possibilidade de revogação de decisão do Judiciário por outro poder até o oferecimento da denúncia. A independência jurídica do Judiciário é insindicável”.

O ministro Dias Toffoli deferiu as liminares em menor extensão. Ele ressaltou que a prerrogativa de rever prisão de seus membros é do Congresso Nacional, não dos parlamentares, por isso não se estende aos deputados estaduais. “A prerrogativa é da instituição, não é uma imunidade para o parlamentar.”

Toffoli destacou que a imunidade formal à prisão prevista no artigo 53, parágrafo 2º, da Constituição Federal é restrita, institucionalmente, aos membros do Congresso Nacional. "Conclui-se que se trata de norma de reprodução vedada pelas Assembleias Legislativas", disse.

Última a votar, a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, acompanhou a vertente segundo a qual a imunidade de deputados federais e senadores não são aplicáveis aos deputados estaduais. De acordo com ela, a Constituição não diferencia o parlamentar para privilegiá-lo, mas para que os princípios do Estado Democrático sejam cumpridos, “jamais para que eles possam ser desvirtuados”.

Assim, a ministra destacou que o que se garante é a imunidade, e não a impunidade, “esta incompatível com a democracia, com a República e com o próprio Estado de Direito”. Para ela, as imunidades parlamentares não são privilégios individuais, mas garantias destinadas unicamente à proteção das instituições, motivo pelo qual entendeu que a interpretação constitucional mais acertada é a da restrição das imunidades formais aos parlamentares estaduais.

Como não foi atingido o quórum necessário para o resultado, o julgamento foi suspenso, com base na Lei 9.868/1999 e no Regimento Interno da corte, a fim de aguardar o voto dos ministros ausentes.

Caso Alerj
O caso que motivou o julgamento foi a prisão preventiva dos deputados do estado do Rio de Janeiro Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do PMDB.

Os parlamentares foram presos preventivamente no dia 16 de novembro, por determinação da Justiça Federal, sob a suspeita de terem recebido propina de empresas de ônibus. No dia seguinte, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro reverteu a decisão judicial e votou pela soltura dos três.

Porém, os parlamentares foram presos novamente após determinação do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que considerou que a Alerj extrapolou suas atribuições constitucionais ao ordenar a libertação dos três parlamentares sem sequer comunicar o TRF-2 da decisão.

Outro ponto criticado pelos magistrados foi o impedimento de entrada na Alerj, durante a votação, de uma oficial de Justiça que trazia liminar obrigando a abertura das galerias da Casa a manifestantes. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

ADIs 5.823, 5.824 e 5.825

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