Guardião da Constituição

Ao fazer balanço do ano, criminalistas se dizem decepcionados com o Supremo

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8 de dezembro de 2017, 12h01

Reunidos na última quarta-feira (6/12) em São Paulo, muitos dos principais criminalistas do Brasil concordam que 2017 foi marcado por violações aos direitos fundamentais, com conduções coercitivas desnecessárias, negativas infundadas de Habeas Corpus e detenções desnecessárias. Mas o principal ponto negativo, disseram à ConJur, foi como o Supremo Tribunal Federal lidou com essa escalada do punitivismo, passando a permitir, inclusive, a prisão antes do trânsito em julgado das ações. 

“Me assusta muito verificar que o nosso STF tem referendado abusos e o desrespeito ao devido processo legal em nome da eficiência repressiva”, criticou o criminalista Alberto Zacharias Toron.

Um desses “excessos” citados por Toron foi exemplificado por Renato Martins, diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa. Para ele, foi um absurdo a 1ª Turma do Supremo não conhecer um Habeas Corpus porque o caso não tratava de pena de prisão. “É negar o HC como instrumento de controle de legalidade”, opinou.

Dorivan Marinho/SCO/STF
Para advogados, STF sucumbiu às pautas morais e à pressão da sociedade.
Dorivan Marinho/SCO/STF

O também criminalista Augusto de Arruda Botelho afirmou ser decepcionante ver o STF, que antes era considerado por advogados como “guardião e porto seguro das decisões democráticas e justas”, “julgando conforme a opinião pública, com medo de julgar, de se indispor”.

Ele ponderou que é natural que esse medo exista, ainda mais com a excessiva exposição do judiciário, em especial da corte, nos últimos tempos, mas destacou que esse fator não justifica a guinada punitivista do tribunal. “Os processos criminais viraram, atualmente, um reality show do Judiciário, que, muitas vezes por essa pressão indevida sobre os processos criminais, acaba tomando decisões que no passado não tomaria.”

Essa exposição do Judiciário também foi criticada por Roberto Tardelli, que defendeu o fim das transmissões dos julgamentos do STF. “Temos 11 narcisos. Cada um querendo se sobrepujar ao outro. Não se pode criar mecanismo que estimulem vaidade pessoal”, criticou. Lembrando que o Supremo é uma das poucas cortes constitucionais do mundo que têm suas sessões televisionadas, ele destacou que transparência não é aparecer na TV, mas, sim, ter acesso às fontes de informação.

Estado policialesco
As atuações exageradas de policiais e membros do Ministério Público também foram alvo de críticas dos advogados.

Cristiano Maronna, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais elegeu como maior violação ao Direito Penal em 2017 a consolidação de um modelo de persecução criminal que desrespeita todas as garantias fundamentais sob a justificativa de um inimigo comum: a corrupção.

Ele explicou que essa sanha policialesca envolve o questionamento do papel do Judiciário e do juiz na democracia. Segundo ele, como a magistratura não é legitimada pela maioria política, mas pela intangibilidade dos direitos fundamentais, “a partir do momento que ele abandona esse papel para se tornar um agente da agenda de segurança pública, isso compromete o Estado de Direito”.

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Braga foi preso acusado de vandalismo nas manifestações de 2013. As provas foram produtos de limpeza encontrados com ele.

Arruda Botelho concorda,  lembrando que a movimentação punitiva do Estado não é nova, apenas cresceu nos últimos três anos. Esse triênio, para ele, foi muito ruim para o direito de defesa e para o sistema de Justiça Criminal. “Nós temos violações diárias, nos processos grandes e pequenos.”

Os mártires dessa sanha policialesca, de acordo com Tardelli, são Rafael Braga e Luiz Carlos Cancellier. “Os dois foram os ícones da tragédia judiciária brasileira. Acho que há um projeto de poder policialesco sendo colocado em prática no Brasil”, afirmou.

Braga foi preso com produtos de limpeza acusado de vandalismo durante as manifestações de 2013. E Cancellier, que era reitor da UFSC, suicidou-se após ser conduzido coercitivamente pela Polícia Federal e proibido de pisar no campus da instituição por conta de uma investigação sobre desvios de verbas federais supostamente ocorridos em um período em que ele não dirigia a universidade.

Fábio Tofic Simantob, presidente do IDDD, escolheu como maior violação deste ano ao Direito Penal a a omissão das autoridades diante da crise prisional. A solução, para ele, é “simples”, basta cumprir a lei. “Precisamos soltar metade da população carcerária, que não precisa estar presa; aplicar medidas alternativas, separar réus primários de reincidentes; parar de punir pequenos traficantes como se grande fossem.”

UFSC
Cancellier suicidou-se em um shopping após ser investigado e proibido de entrar na UFSC.
UFSC

Resquícios de 2016
Se não bastassem os abusos de 2017, alguns dos entrevistados ainda lembraram da decisão de 2016 do Supremo que flexibilizou a presunção de inocência ao permitir o início do cumprimento da prisão após condenação em segunda instância.

Pierpaolo Cruz Bottini afirmou que, nesse caso, “o Supremo usou argumentos pragmáticos e funcionais para justificar uma decisão que é contrária ao texto constitucional”.

Essa decisão, disse, foi uma tentativa de resposta para a excessiva demanda vista no Judiciário. Já Botelho destacou os reflexos desse entendimento nos casos de primeira instância, ou seja, sobre réus pobres que são presos com pouca quantidade de droga.

Casa cheia
As afirmações foram concedidas pelos advogados durante a confraternização do IDDD, que aconteceu na quarta-feira, no centro de São Paulo. Foram mais de 300 presentes, segundo a própria organização do evento.

Durante a confraternização, os associados do IDDD Ana Fernanda Ayres Dellosso, Marina Pinhão Coelho Araujo e Theuan Carvalho Gomes da Silva receberam o Prêmio Márcio Thomaz Bastos. Também foram leiloadas algumas obras com o objetivo de arrecadar verbas para o instituto em 2018.

Foram leiloadas gravuras e serigrafias de Di Cavalcanti, pinturas de Djanira Mora e Silva, Mario Gruber, Hércules Barsotti, Dea Alvisi, Claudia Proushan e Manabu e Yugo Mabe, além de fotografia de Eduardo Muylaert.

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