Justiça Tributária

Os enganos da "redução" do IPVA e a ameaça aos devedores do ICMS

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

4 de dezembro de 2017, 7h01

Spacca
“Para transformar um Estado do mais baixo barbarismo ao mais alto grau de opulência são necessários: paz, tributação leve e uma tolerável administração da justiça. Todo o resto vem pelo curso natural das coisas”. (Adam Smith)

Duas notícias recentes envolvem essa instituição a que denominamos Justiça Tributária:

Primeira: O valor do IPVA em São Paulo ficará mais baixo no próximo ano, ante o ajuste da Tabela Fipe;

Segunda: A 13ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo (juíza Maria Gabriella Pavlópoulos Spaolonzi) concedeu liminar em ação popular, determinando a retificação do valor dos parcelamentos de ICMS (Decreto 62.709/2017) para afastar os descontos nos acréscimos e no tributo, o que aumenta a dívida dos contribuintes;

Neste fim de ano todos desejamos boas notícias: aumento do PIB, redução do desemprego, queda dos juros, crescimento nas vendas etc..

Jornalistas e advogados costumam ser otimistas. A maioria dos que conheço são bem humorados, o que ajuda na saúde, a ponto de reduzir os efeitos nocivos de vícios ou exageros…

Mas não podemos esquecer que, quando 2018 começar (depois do carnaval, como sempre), a realidade vai nos pegar. E esse ano promete: reforma trabalhista, futebol, campanha política, eleições.

Assim, temos que examinar essas notícias com atenção.

Valor do IPVA
A notícia é mais uma tentativa de nossos governantes para nos enganar. O imposto continua totalmente injusto, como já demonstramos em diversas outras colunas, a saber:

  • 16 de fevereiro de 2009 – clique aqui para ler – “IPI+IPVA+ICMS = tributação indevida sobre carros”;
  • 21 de novembro de 2011 – clique aqui para ler – “Veículos não podem sofrer tributação do IPVA";
  • 16 de janeiro de 2017 – clique aqui para ler – "Extinção do IPVA é um bom passo para uma reforma tributária";
  • 21 de agosto de 2017 – clique aqui para ler – "Projeto quer parcelar IPVA, mas precisamos da reforma tributária". 

Esse assunto (extinção do IPVA) teve razoável repercussão e resultou na Sugestão 33 de 2017 perante o “Programa Cidadania” do Senado Federal com a ementa “Fim do Imposto sobre Veículos Automotores – IPVA”.

Tendo recebido mais de 50 mil assinaturas, a proposta encontra-se desde 13 de novembro passado pronta para a pauta na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, sendo relator o senador Valdir Raupp (PMDB-RO).

A notícia divulgada afirma que o IPVA estaria “mais barato” em 4,5% em São Paulo. Isso não é verdade.

Veículos são novos ou usados. Os novos pagam o primeiro IPVA quando são licenciados sobre o preço da nota fiscal da concessionária. Nos automóveis usados, sujeitos ao imposto pela alíquota de 4% movidos a gasolina, por exemplo, o IPVA incide sobre o valor divulgado pela FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), entidade da USP.

Essa tabela estima o valor médio dos veículos, com base em pesquisas feitas por amostragem e outros métodos de que se utiliza. Os valores utilizados são os apurados no mês de setembro.Mas o valor real de mercado varia diante de diversas situações: conservação do veículo, acessórios e equipamentos que a ele possam ter sido adicionados pelo proprietário etc. A irrevogável lei da oferta e procura interfere nisso, claro.

Isso explica porque comerciantes de veículos usam como publicidade a expressão: “aceitamos seu usado pela tabela FIPE”. Sabe-se que, na situação atual do mercado, veículos usados normalmente são vendidos por preços inferiores aos da tabela.

A queda da Tabela, neste ano, foi divulgada com alegada redução de 3,8% sobre a do ano passado, sem considerar a inflação. Esta ainda não está divulgada. Há estimativas de que possa chegar a 4,5% ou mesmo a 5%. Se esta última se concretizar, a “redução” deveria ser outra, maior.

Concluindo: não houve qualquer redução! Trata-se, mais uma vez, de publicidade enganosa, infração ao artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor. Parece que o governo quer iludir o povo, com a cumplicidade de parte da imprensa.

Vamos ao exame da segunda notícia.

Ameaça aos devedores de ICMS
A liminar concedida na mencionada Ação Popular (processo 1036939-07.2017.8.26.0053) está datada de 27 de novembro de 2017. A ação foi distribuída em 10 de agosto de 2017 e seus autores são quatro agentes fiscais de rendas do estado, assistidos pelos dedicados e eficientes advogados de seu sindicato.

Houve uma excessiva demora na regulamentação que aprovou a autorização do Confaz para o parcelamento. O decreto, além disso, concedeu um prazo ridículo para a adesão, de cerca de 20 dias úteis. O prazo final foi em 15 de agosto.

Aliás, as alterações legislativas “aprovadas” através de convênios do Confaz não valem como lei. Falhou o governador a não obter lei estadual nesse sentido, implantando o parcelamento por decreto. Este serve para regulamentar a lei, mas não para conceder na anistia ou remissão de tributos e seus acessórios.

Essa questão já foi por nós examinada em artigos anteriores:

  • Em 23 de outubro de 2017 – clique aqui para ler – com o título "O que fazer para reduzir o valor dos parcelamentos de dívidas de ICMS";
  • Em de 8 de maio de 2017 – clique aqui para ler – com o título "Parcelamentos podem ser armadilhas se incluirmos neles o que não devemos".

Nesta última afirmei que:

Como é público e notório, burocratas da administração fazendária e demais servidores públicos possuem o hábito de alterar, ampliar ou restringir o alcance de normas legais, quando as deveriam apenas regulamentar ou editar atos necessários à sua execução, tornando-as mais simples e práticas.

Ora, o governador do estado mais rico da federação possui secretários e assessores do mais alto nível. Não é razoável que tais servidores possam descuidar do cumprimento de normas fundamentais da Constituição. A única explicação para o descuido deve ser a pressa em arrecadar a qualquer custo o que fosse possível.

A ação traz uma ameaça aos contribuintes que aderiram ao parcelamento: ver aumentadas substancialmente suas dívidas.

Por outro lado, os mesmos contribuintes já foram prejudicados com os acordos onde ocorre a cobrança de acréscimos confiscatórios, muito acima do valor do tributo (multas) e juros extorsivos, acima da taxa de 1% ao mês e cobrados de forma cumulativa.

A alegação de que essas confissões são irreversíveis não procede, como examinamos nas duas colunas de 8 de maio e 23 de outubro deste ano, acima citadas.

Concluindo: quem aderiu ao parcelamento pode legalmente pleitear sua redução. Trata-se de um procedimento judicial complexo, de duração imprevisível. Mas, neste país, ser contribuinte não é fácil.

De qualquer forma, temos que acreditar no Judiciário, o mais confiável de nossos poderes. Vale a pena lutar por Justiça Tributária!

Autores

  • é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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