Separação de poderes

Para evitar ativismo, Supremo deve ser mais severo com ADIs, diz Gilmar

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4 de dezembro de 2017, 19h51

O Supremo Tribunal Federal deve ser mais severo ao apreciar ações diretas de inconstitucionalidade que questionam emendas constitucionais, para não tomar decisões equivocadas e ativistas contra a vontade do legislador, na opinião do ministro Gilmar Mendes, membro do corte.

Fellipe Sampaio/SCO/STF
Ministros devem ser mais modestos e desconfiados, afirma Gilmar Mendes.
Fellipe Sampaio/SCO/STF

Para ele, os ministros devem ser mais modestos e desconfiados nesses casos. “Transitamos com a maior naturalidade e o Congresso, em geral, não reclama”, afirmou, nesta segunda-feira (4/12), durante participação em evento que debateu ativismo judicial e independência dos juízes, na sede do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.  

Gilmar lembrou o que ele classificou como “vexame institucional” a invalidação pelo STF da chamada Emenda Constitucional dos Precatórios, em 2013. A emenda foi criada, lembra, com a ajuda do ex-presidente do tribunal, ministro Nelson Jobim, que articulou com governadores a sua promulgação para acabar com o problema de não pagamento e afastar os vários pedidos de intervenção federal nos estados que chegavam à corte.      

Para o ministro, o tribunal, ao declarar a inconstitucionalidade de regras que estavam funcionando bem e garantindo o recebimento dos precatórios por pequenos credores, fez com que estados e municípios parassem de fazer aos tribunais de Justiça o repasse obrigatório para quitar os débitos. “Destruímos as expectativas de receber o dinheiro dos pequenos credores porque analisamos mal o quadro”, disse.

Outro erro cometido pelo Supremo, na opinião dele, foi a invalidação da cláusula de barreira de partidos políticos aprovada pelo Congresso. Gilmar lembra que participou do julgamento e sugeriu que o STF dissesse também que a saída sem justificativa de filiado de um partido ocasionaria a perda de mandato. Acontece, conta o ministro, que se acrescentou ao julgado que a saída para fundar outro partido era válida. “Permitimos a deixa para que fossem criados mais partidos”, afirmou, lembrando que atualmente existem 35 partidos registrados, sendo 28 com atuação no Congresso. “Criamos um modelo totalmente disfuncional”, acrescentou.         

Ao mesmo tempo, o ministro classificou a decisão do Supremo em relação à possibilidade de aborto de fetos anencéfalos de “ativismo positivo”. Para ele, o tribunal fez a leitura “digna” e “adequada” sobre o tema. Gilmar Mendes reconhece que era um típico caso que deveria ser resolvido pelo legislador, mas analisa que há cada vez mais dificuldades em se ver esses temas sendo discutidos e aprovados no âmbito do Congresso.

Sobre o aborto de maneira geral, o ministro disse que o debate deve ser mais aprofundado. Para Gilmar, a corte acertou também ao reconhecer a união homoafetiva, lembrando que a falta de legislação sobre o ponto aumentava a descriminação e relação aos homossexuais. “Nesse caso a omissão é grave porque não e trata apenas de gostar ou não, aceitar ou não, trata–se de descriminação feita pelo estado”.

Leia outros trechos da palestra do ministro do STF:

Há erro de conceito quando se imagina o ativismo como sendo sempre uma mensagem de vanguarda, até porque o conceito é inevitavelmente relacional. Ou seja, ativismo em relação a quê? A que tipo de política? Isso precisa sempre ser colocado em análise.

O ativismo judicial também pode ser um tipo de covardia, por exemplo, quando o juiz atende o que o Ministério Público pede. E como o MP é muito ousado, o magistrado referenda a posição do órgão. Atender o que a poderosa imprensa pede e espera dos juízes também é uma forma de ativismo. Isso passa a ser um problema porque é claro que não se está aplicando a lei de maneira severa. Está se olhando para fora para ver como os outros vão avaliar a decisão do magistrado.

O tipo que dá opinião sobre tudo ou muda de opinião de acordo com o interlocutor obviamente não será um bom juiz. É célebre a frase de Ruy Barbosa: o bom ladrão salvou-se, mas não há salvação para juiz covarde.

O juiz que quer colher aplausos fáceis tem que escolher outra profissão.

ethos do juiz está na aplicação da lei de forma independente e imparcial. E aí vem toda essa questão que se manifesta no Direito do Trabalho quando se diz in dubio pro trabalhador. Ou quando se coloca no debate hoje na questão criminal in dubio pro societate. Temos que ter cuidado com esse tipo de mensagem e compreensão porque precisamos e nos legitimamos pela boa aplicação da lei.

Um professor alemão dizia que a independência judicial é mais importante do que qualquer catálogo de direitos fundamentais. Catálogos desse tipo existem aos montões. A própria Rússia soviética tinha, não obstante sabemos que não eram observados. Agora, a Inglaterra, que há até pouco tempo não tinha Constituição, respeita os direitos com independência judicial. É preciso ter essa percepção. Isso é chave do sistema.

O juiz austríaco-americano Felix Frankfurter dizia que o processo penal e o direito de defesa não foram concebidos para serem aplicados a tipos angelicais. Não é a Madre Teresa de Calcutá que aparece na Justiça criminal. Em geral, são pessoas que cometeram crimes, mas nem por isso perderam direitos. E isso precisa ser respeitado.

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