Opinião

Débitos estaduais não podem ser compensados com precatórios ou IR

Autor

  • Daniella Bitencourt

    é mestranda em Direito pela UniRitter especialista em Tributos em Espécie pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e em Direito Tributário Geral pelo Mackenzie.

3 de dezembro de 2017, 5h29

No dia 17 de novembro, foi sancionada a Lei 15.038/2017 do Rio Grande do Sul, que permite a compensação de débitos estaduais com créditos de precatórios. De acordo com seu artigo 1º, fica autorizada a compensação de natureza tributária, ou de outra natureza, de débitos inscritos em dívida ativa, ajuizados ou não, com precatórios vencidos do estado do Rio Grande do Sul, suas autarquias ou fundações, próprios ou de terceiros.

Na prática, isso significa que as empresas em débito perante o estado, e ao mesmo tempo credoras dele (portadoras de créditos de precatórios, originárias ou adquiridos por cessão), poderão utilizar esses precatórios para a compensação de suas dívidas tributárias até o limite de 85% (artigo 2º, parágrafo 1º).

Contudo, em que pese o avanço inegável do diploma normativo, este padece de importante equívoco quanto à efetivação da compensação. Isso porque dispõe que a compensação se realizará entre o valor atualizado do débito inscrito em dívida ativa e o valor líquido atualizado efetivamente titulado pelo credor do precatório; contudo, entende por valor líquido “o montante apurado após as retenções legais obrigatórias, como as relativas às contribuições previdenciárias, à contribuição ao IPE-saúde e ao imposto de renda aferidos em relação ao credor original do título” (artigo 2º, parágrafo 3º).

Primeiro, o estado não é legítimo para dispor sobre recolhimento do Imposto de Renda, cuja competência é da União, nos termos do artigo 153, III, da Constituição Federal, que, igualmente em seu artigo 146, III alínea “a”, aduz “cabe a Lei Complementar” a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; e b) o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento.

O advogado Leonardo Romero de Lima, em sua obra A Tributação sobre os Precatórios[1], (2014, p. 66) explica a sistemática com propriedade:

[…] a empresa, então, considerará sua receita como um todo, dentro da qual estará o valor advindo do precatório. Grosso modo, após os procedimentos para obtenção do lucro líquido do exercício, este sofre a incidência tributária, que determina alguns ajustes, havendo o trabalho de adequação desse lucro líquido para fins de tributação pelo Imposto de Renda — modo a considerar as adições, exclusões e compensações, previstas em lei — o que resultará no já comentado “lucro real”. […] Em suma, a obrigação de pagar Imposto de Renda não impede a compensação pela integralidade do crédito de precatório, porquanto aquele imposto será apurado e recolhido — dada a mencionada complexidade da forma de tributação — somente após a realização do precatório pela compensação.

Contabilmente, o precatório cedido à empresa (artigo 287 Código Civil) é inserido no ativo não circulante desta como “investimento”, conforme determina o diploma que regulamenta a Sociedade por Ações (Lei 6.404/76, artigo 179, inciso III), sendo, portanto, direito de qualquer natureza. Somente quando pago pela entidade devedora o precatório terá caráter de receita e poderá gerar lucro tributável para a empresa adquirente, o que dependerá dos demais eventos ocorridos no exercício para apuração do Imposto de Renda (compensações, adições e deduções).

O STJ recentemente entendeu que o precatório, mesmo cedido, mantém sua natureza original para cálculo do Imposto de Renda, isto é, que a empresa adquirente, relativamente ao precatório por ela comprado, calculará citado imposto considerando a natureza original do crédito, ou seja, realizando a tributação pelos critérios de pessoa física que o cedeu. Em suma, o STJ entendeu que a tributação do Imposto de Renda acompanha a coisa (precatório), não a pessoa (cessionária/empresa).

Ora, a doutrina considera o Imposto de Renda um tributo de caráter pessoal, ou seja, não se vincula ao bem, mas à pessoa. Por isso, é impossível que esse tributo acompanhe o crédito, apegando-se às suas características da época em que era de titularidade de pessoa física (cedente). Esse imposto obrigatoriamente vincular-se-á à pessoa (empresa adquirente), não à coisa (precatório); e por consequência incidirá sobre o aspecto quantitativo relacionado àquela pessoa, considerando exclusivamente seus rendimentos.

Dessa forma, pelo fato de o precatório adquirido pela empresa gerar — quando realizado — receita de pessoa jurídica, esta pagará seu Imposto de Renda somente se, ao final do exercício, for gerado lucro tributável, ou seja, após as inafastáveis compensações, adições e deduções previstas em lei para o IRPJ (se lucro real), sendo a alíquota de 15% (prevista em lei para pessoa jurídica).

Quanto à cedente do precatório que fez a operação com deságio (pessoa física), esta pagará Imposto de Renda sobre o ganho de capital advindo da venda daquele crédito, isto é, se o precatório valia 100 e foi vendido por 30, sobre esses 30 que a cedente pagará o Imposto de Renda a alíquota de 15% (artigo 21 da Lei 8981/95).

Desse modo, em suma, a Lei estadual 15.038/2017, cujo objeto é normatizar a compensação de débitos do estado do RS com créditos de precatórios, extrapola sua competência quando determina técnicas para o desconto do Imposto de Renda, matéria de reserva federal. Ainda mais que, pelas características do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, não há desconto/dedução desse imposto na fonte para pessoas jurídicas adquirentes de precatórios, como visto.


[1] LIMA, Leonardo Romero. A Tributação sobre Precatórios. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2014

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  • é mestranda em Direito pela UniRitter, especialista em Tributos em Espécie pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e em Direito Tributário Geral pelo Mackenzie.

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