Tempos de maniqueísmo

Juiz não tem compromisso com as pautas morais, afirma Rogério Schietti

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2 de dezembro de 2017, 8h43

A corrupção deve, sim, ser combatida, mas não a qualquer preço. Isso porque, “por mais nobres que sejam os fins, são os meios que legitimam os processos”, segundo o ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça.

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Para o ministro Rogério Schietti, "pessoas estão se pautando muito pela moral, não em um sentido positivo, mas num sentido fundamentalista".
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“Juiz tem compromisso com as leis, não com as pautas morais”, afirmou durante palestra na XXIII Conferência Nacional da Advocacia. “O combate à corrupção não pode se dar à margem da lei e da Constituição, em um sistema paralelo”, corroborou o criminalista Antônio Nabor Bulhões, colega de mesa do ministro.

Essa cruzada a qualquer preço, diz Schietti Cruz, tem seus efeitos na população, e eles não são nada bons. “Pessoas estão se pautando muito pela moral, não em um sentido positivo, mas num sentido fundamentalista. Vivemos um período maniqueísta que nos retrocede à Idade Média”, criticou.

O maniqueísmo também tem grande parcela de contribuição da imprensa, segundo Bulhões. Ele ponderou que a mídia tem o dever de noticiar informações de interesse público, inclusive crimes e casos judiciais, mas que ela deve ficar da porta do tribunal para fora.

A separação, explicou, mantém o respeito ao princípio da ampla defesa e impede o que ele chamou de publicidade opressiva. Esse modelo noticioso, disse, “é o sintoma mais perverso do nosso sistema de garantias”.

Bulhões afirmou ser muito preocupante que as investigações no Brasil “se desenvolvam a partir de campanhas de mídia que têm minado nosso sistema de garantias”. Também jogam contra as garantias fundamentais, continuou, os vazamentos seletivos, que “não têm sido apurados, mas incentivados”.

Também citando o noticiário, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, chamou a imprensa de “mídia opressiva” pelo destaque dado a decisões que ferem princípios constitucionais, sem questioná-las, sob o argumento de que há muita corrupção. “Os grandes comentaristas jurídicos estão na GloboNews”, alfinetou.

E essa influência, continuou, alcança até o Supremo Tribunal Federal, que “joga de acordo com a conveniência do momento”, segundo Kakay. O cenário atual, em que o Executivo está acuado se defendendo de denúncias e o Legislativo sem poder, para o advogado, favorece o crescimento da influência do Judiciário.

Esse vácuo também facilita o discurso de que o sistema de Justiça do Brasil está mudando o país, mas isso não representa a realidade. "Há uma tentativa de criminalizar a advocacia criminal com claros propósitos", disse.

Diferente lá fora
Bulhões lembrou que os maiores sistemas jurídicos do mundo se preocupam com a campanha opressiva da mídia. "A França criminalizou e pune com prisão a publicidade opressiva", comparou, detalhando que o crime também é punido com multa.

Também segundo o advogado, existem casos nos EUA que foram anulados por publicidade opressiva. Ainda sobre os norte-americanos, ele destacou que a Suprema Corte de lá pode anular o processo se a publicidade opressiva for constatada, porque já há entendimento de que essas situações surgem a partir do Ministério Público, que quer alavancar a acusação.

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