Reflexões Trabalhistas

Dispensa coletiva antes e depois da reforma trabalhista

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é consultor Jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e autor de livros jurídicos.

1 de dezembro de 2017, 8h18

Spacca
Raimundo Simão de Melo [Spacca]Antes da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) a dispensa coletiva não era regulamentada no Brasil.

A questão chamou a atenção quando a Embraer de São José dos Campos dispensou cerca de 4,2 mil trabalhadores em 2009, da noite para o dia, sem um acerto com o sindicato dos trabalhadores.

A questão, então, virou dissídio coletivo, julgado procedente em parte pelo Tribunal Regional Federal da 15ª Região (Campinas-SP), que declarou abusiva a dispensa coletiva, por ausência de negociação coletiva com o sindicato dos trabalhadores.

Em seguida o Tribunal Superior do Trabalho apreciou o tema (DC – 00309/2009-000-15-00.4) e, por maioria de votos, fixou entendimento no sentido de que demissão em massa, diante das graves consequências econômicas e sociais dela decorrente deve, antes, ser submetida à negociação com o sindicato dos trabalhadores, com o objetivo não de proibi-la, porque não há lei que assim estabeleça, mas, para se encontrar mecanismos que diminuam seus impactos para a sociedade. A seguir trechos da ementa:

EMENTA: … A massificação das dinâmicas e dos problemas das pessoas e grupos sociais nas comunidades humanas, hoje, impacta de modo frontal a estrutura e o funcionamento operacional do próprio Direito. Parte significativa dos danos mais relevantes na presente sociedade e das correspondentes pretensões jurídicas têm natureza massiva. O caráter massivo de tais danos e pretensões obriga o Direito a se adequar, deslocando-se da matriz individualista de enfoque, compreensão e enfrentamento dos problemas a que tradicionalmente perfilou-se. … As dispensas coletivas realizadas de maneira maciça e avassaladora, somente seriam juridicamente possíveis em um campo normativo hiperindividualista, sem qualquer regulamentação social, instigador da existência de mercado hobbesiano na vida econômica, inclusive entre empresas e trabalhadores, tal como, por exemplo, respaldado por Carta Constitucional como a de 1891, já há mais um século superada no país. Na vigência da Constituição de 1988, das convenções internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil relativas a direitos humanos e, por conseqüência, direitos trabalhistas, e em face da leitura atualizada da legislação infraconstitucional do país, é inevitável concluir-se pela presença de um Estado Democrático de Direito no Brasil, de um regime de império da norma jurídica (e não do poder incontrastável privado), de uma sociedade civilizada, de uma cultura de bem-estar social e respeito à dignidade dos seres humanos, tudo repelindo, imperativamente, dispensas massivas de pessoas, abalando empresa, cidade e toda uma importante região. Em conseqüência, fica fixada, por interpretação da ordem jurídica, a premissa de que – a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores.

Não obstante isso, a dispensa coletiva recebeu tratamento outro na reforma trabalhista de 2017, pela inclusão do art. 477-A da CLT, que assim estabeleceu:

"As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação" (grifados).

Com a nova lei agora se tem no ordenamento jurídico brasileiro três modalidades de dispensa: individual, plúrima e coletiva, podendo o empregador que desejar fazer dispensas, sejam individuais, plúrimas ou coletivas, agir livremente, sem obedecer a qualquer conduta antecedente, que para a dispensa coletiva vigorava o precedente judicial da negociação coletiva prévia com o sindicato dos trabalhadores, como requisito de validade do ato.

Algumas indagações: cientifica e juridicamente existe igualdade de tratamento entre as três modalidades de dispensa acima? De fato, são iguais? Qual a natureza jurídica de cada um destes tipos de dispensa? Certamente o legislador não teve tempo para explicar!

Para aplicar a nova lei, por mais que não se queira, não há como fugir destes e de outros questionamentos. Portanto, é preciso saber e fazer rápida reflexão sobre o que é dispensa individual, plúrima e coletiva, para, a partir de então, analisar-se como deve ser feita a correta interpretação do artigo 477-A da CLT à luz da Constituição Federal do Brasil.

Dispensa individual: o trabalhador dispensado é devidamente reconhecido e identificado pelo empregador; Dispensa plúrima: o empregador, motivado por um fato em comum, previsto ou não em lei, resolve dispensar identificados empregados; Dispensa coletiva: caracteriza-se quando o empregador não atinge um empregado ou um grupo determinado de trabalhadores, mas vários empregados indeterminados (Cf. Cláudio Jannotti da Rocha, "A dispensa coletiva da Reforma Trabalhista analisada à luz do direito constitucional e da teoria dos precedentes", p. 325 e seguintes, in Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhista e previdenciária, São Paulo, LTR, 2017).

Como se vê, não é possível equiparar as três situações acima, quer juridicamente, quer em relação aos seus efeitos.

Além do mais, padece de inconstitucionalidade o artigo 477-A da CLT. Sua redação é atécnica, não científica, é incongruente. O seu objetivo claro foi afastar a tutela sindical sobre um dos temas mais importantes que envolve as relações de trabalho, qual seja, a demissão coletiva de trabalhadores e, com isso, proteger o empregador em face do trabalhador, da coletividade, do Estado e do interesse social.

O dispositivo legal acima é formalmente inconstitucional, porque de acordo com o artigo 7º e inc. I da Constituição Federal, "São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos (grifados).

Como se vê, somente Lei Complementar, que exige quórum específico, poderá tratar sobre dispensa imotivada, que é o mesmo que despedida arbitrária ou sem justa causa. Como o artigo 477-A da CLT foi inserido na CLT por lei ordinária, ele é inconstitucional formalmente.

No aspecto material a lei "oficializa" grande absurdo jurídico, igualando o que, por natureza, é desigual: dispensas individuais, plúrimas e coletivas! É o mesmo que querer tampar um orifício redondo com uma tampa quadrada; é o mesmo que dizer por decreto que leite é preto.

Quando a lei decreta a inutilidade e desnecessidade de autorização prévia das entidades sindicais para a dispensa coletiva, viola o princípio da solução negociada e é absolutamente incongruente com a própria reforma trabalhista, que diz buscar a solução negociada!

Como o presente espaço não permite maior debate sobre o tema, aguardemos a posição dos juízes sobre a aplicação dessa alteração legal, cujo poder para apreciar a constitucionalidade das leis, antes de aplicá-las, vem desde 1890, quando na exposição de motivos do Decreto 848/1890 foi dito que a não são eles instrumento cego, ou meros intérpretes, na execução dos atos do Poder Legislativo, cabendo-lhe, antes de aplicar a lei, fazer o seu exame, para, depois, dar-lhe ou recusar-lhe sanção.

Autores

  • Brave

    é consultor jurídico e advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário UDF e membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros, Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador.

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