Limite Penal

Entenda a não homologação de delação pelo ministro Lewandowski (Pet. 7.256/DF)

Autores

  • Aury Lopes Jr.

    é advogado doutor em Direito Processual Penal professor titular no Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Ciências Criminais da PUC-RS e autor de diversas obras publicadas pela Editora Saraiva Educação.

  • Alexandre Morais da Rosa

    é juiz de Direito de 2º grau do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) e doutor em Direito e professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

1 de dezembro de 2017, 7h00

Spacca
A delação premiada ainda está em fase de acomodação democrática. A coluna "Limite Penal" pretende, nas próximas semanas, discorrer sobre o conteúdo da decisão proferida pelo ministro Ricardo Lewandowski que deixou de homologar o conteúdo das cláusulas livremente acordadas pelo Ministério Público e o delator Renato B. R. Pereira (aqui).

A decisão destoa do padrão de resposta ofertado pelo Supremo Tribunal Federal e, assim, autoriza que se faça um juízo a partir de duas perspectivas: a) do Estado como um todo, a saber, o Ministério Público, a Polícia Federal e o Poder Judiciário, incluindo o Supremo Tribunal Federal; e b) do delator e seus advogados.

A abordagem se dará tendo em vista que o Supremo, desde as homologações das delações de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, comportou-se no sentido de acolher o acordo com pena pré-fixada, isto é, para além/aquém dos padrões normativos (CP, artigos 33, 59 e seguintes), autorizando, inclusive, o cumprimento imediato de pena privativa de liberdade, nas mais diversas modalidades (domiciliar, com monitoramento etc.). A decisão proferida pelo ministro Lewandowski, então, precisa ser lida desde o ponto de vista da recolocação dos acordos aos limites legais, bem como da preservação da boa-fé da autonomia privada do delator.

Já sublinhamos que a fixação de teto de pena nos casos de colaboração premiada, embora em desconformidade com a Lei 12.850/13 (artigo 4º), foi um movimento interessante dos primeiros negociadores para se evitar a incerteza da aplicação da pena, capaz de garantir o êxito dos termos da delação (aqui). Larga-se com o máximo da pena futura previamente definida. A compra de informações em troca da redução da pena, caso dependesse de reduções previstas no artigo 4º da Lei 12.850/13, nos patamares de até dois terços, redundaria na incerteza do quantum final. Poderia o julgador aplicar uma pena base alta (CP, artigo 59), aumentar a reprimenda na segunda fase e, assim, gerar insegurança sobre a pena total final. A ideia foi a de promover uma leitura diferenciada do texto legal, estabelecendo-se, desde o início do processo penal, a pena certa. Isso significou que o colaborador pode avaliar com maior segurança o preço de sua colaboração e, com a certeza da pena, facilitar a adoção de postura cooperativa.

Logo, criou-se uma expectativa de boa-fé nos possíveis delatores em negociar com o Estado (Ministério Público e/ou Polícia Federal), dentro dos parâmetros diferenciados, com amplo poder negocial, mesmo em desconformidade com o artigo 4º da Lei 12.850/13. O padrão de resposta, devidamente chancelado pelo Supremo, representou a criação legítima de uma expectativa, por parte dos delatores, de que estavam aparentemente negociando cláusulas válidas.

A alteração de comportamento decisório por parte do STF, manifestada pelo conteúdo da decisão proferida pelo eminente relator, todavia, precisa ser modulada para o futuro, garantindo-se a boa-fé dos delatores que já estão negociando sob o manto de legitimidade decorrente das decisões anteriores. O tema foi desenvolvido por um dos autores no livro Para entender a delação premiada pela Teoria dos Jogos: táticas e estratégias do negócio jurídico (Florianópolis: Empório Modara, 2018). Isso porque, no mercado da delação, as práticas negociais representam o estabelecimento de expectativas de comportamento do Estado entendido no seu amplo espectro, ou seja, de que o Estado-juiz até então validou o conteúdo das cláusulas, excluindo, é verdade, desde a Pet. 5.245/DF (ministro Teori Zavaski), a renúncia ao direito de ação.

Concordamos amplamente com o conteúdo da decisão do ministro Lewandowski, conforme será explorado nas colunas posteriores. No momento, pretendemos sublinhar que o modo abrupto com que se operou deveria respeitar o padrão das práticas negociais até então vigentes, dada a prevalência da boa-fé. Afinal de contas, o delator estava negociando com agentes públicos (Ministério Público) de boa-fé no tocante à validade das disposições acordadas no instrumento submetido à homologação. Daí que a superação da orientação anterior, no sentido de que as cláusulas eram hígidas, demanda o reconhecimento de validade do que já foi estipulado sob o pálio da orientação anterior, indicando-se que no futuro as cláusulas não serão consideradas legítimas. Alterar-se o critério de validação no contexto de standard negocial já fixado gera a incerteza jurídica sobre a pertinência do próprio instituto e surpreende o delator que, no caso, inclusive, já gravou depoimentos, entregou provas, enfim, colaborou.

Por último, caso prevaleça a orientação manifestada monocraticamente pelo ministro Lewandowski, os acordos já homologados poderiam ser desconsiderados pelos juízes que aplicam as sanções? Cria-se uma atmosfera de insegurança. Realinhar os limites da Justiça negocial é de bom tom, sem que se possa, todavia, surpreender os delatores que negociaram de boa-fé. Eventual nova orientação deve valer para o futuro, preservando-se os atos praticados sob a orientação anterior. Do contrário, pode-se perde a necessária credibilidade do Estado.

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    é doutor em Direito Processual Penal, professor titular de Direito Processual Penal da PUC-RS e professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Mestrado e Doutorado da PUC-RS.

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    é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

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