Direito do Agronegócio

Aspectos da responsabilidade civil no Direito Agroambiental

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1 de dezembro de 2017, 7h05

Spacca
Tem sido crescente, nos últimos tempos, a maior sujeição das atividades agrárias às sanções derivadas da responsabilidade civil.

Mais do que isso, o fato é que muitas dessas atribuições de responsabilidade não se limitam ao campo da mera reparação, mas adentram em questões que envolvem, mais propriamente, a punição e a prevenção e precaução, áreas nas quais se estabelecem novos e inegáveis ônus a essas atividades, com dimensões ainda não totalmente definidas.

O fato é que, no que se relaciona à agricultura e à pecuária, deve ser reconhecida a tendência de se incorporar elementos próprios à ideia da responsabilidade objetiva, em especial no tocante ao descumprimento de normas de conduta impostas aos empresários que possam levar a danos ao meio ambiente.

Sobre esse tema há pelo menos três problemas que devem ser resolvidos, como adverte Juan Francisco Delgado de Miguel[1].

O primeiro deles seria o de identificar quando realmente ocorre um dano ambiental, oriundo do exercício de atividades agrárias principais ou conexas, passível de gerar a obrigação do ressarcimento de perdas e danos — ou mesmo da antecipada adoção de medidas preventivas —, sendo necessário, para tanto, estabelecer a sua autoria.

O segundo, o de avaliar, do ponto de vista econômico, a dimensão desse dano e quais seriam os meios possíveis para a sua reparação.

O terceiro, o de apontar quem teria legitimidade para reclamar esse pretenso ressarcimento.

A conclusão é que, a despeito de ser possível que ocorra a predeterminação legal de um comportamento a ser cumprido pelo empresário — sob o manto da boa-fé objetiva —, não se deve prescindir da identificação do nexo de causalidade entre a ação produzida pelo agente e o dano causado para que, a partir daí, possa-se pensar nas ideias de responsabilização e de reparação.

Ocorre que, nessa matéria, poderá haver responsabilização, quiçá, sem que ocorra propriamente um dano concreto, bastando a mera possibilidade de que ele eventualmente ocorra.

O que tais formulações jurídicas pressupõem, portanto, não é sequer a ocorrência de uma situação de perigo, bastando ocorrer um mero risco. Ou seja, a utilização das técnicas próprias à biotecnologia de última geração, baseadas fundamentalmente na manipulação genética destinada à criação de novas espécies animais e vegetais — uma vez considerados os entraves e limites que atingem a própria ciência e as consequências dos usos de métodos ainda pouco testados e avaliados — é reconhecida, pela coletividade e também pelos ordenamentos jurídicos, como sendo uma atividade arriscada e que se mostra fonte potencial de danos sérios e desconhecidos que podem ser causados ao meio ambiente e às demais pessoas.

Justamente em relação a esse risco reconhecido e previsível — mas em si abstrato e, nessa medida, diferente da noção de perigo que se vincula à ideia da existência de um receio concreto — é que, segundo Teresa Ancona Lopez, se justifica a aplicação do assim chamado princípio da precaução[2].

Estatui esse princípio a norma de que sejam antecipadas as providências necessárias de prevenção de danos quando ocorrerem situações hipotéticas que tenham em si mesmas um potencial suficiente para causar consequências negativas para a sociedade, para o meio ambiente ou para as demais pessoas individualmente consideradas. Bastará existir, então e para tanto, uma possibilidade concreta, não se exigindo a certeza de que o risco detectado resultará em dano.

Nesse ponto é que se reconhece, em especial, a crescente aplicação desse princípio da precaução no tocante aos produtos agrários criados artificialmente mediante o uso de técnicas de engenharia genética[3].

Contudo, no campo do Direito Agrário, a aplicação desses princípios e a imposição de reparações devem ser vistas com parcimônia. De fato, não se admite no nosso sistema jurídico e mesmo na defesa de interesses difusos e coletivos a reparação de danos meramente hipotéticos.

Assim, ainda que sob a égide da precaução, o dano deverá ser concretamente provado, e não imaginado ou intuído, seja ele no tocante ao uso de insumos ou produtos gerados pelo uso da biotecnologia, seja pelos impactos ao meio ambiente, decorrentes das atividades agrárias principais ou conexas.

Essa apuração do prejuízo causado pelo descumprimento do dever de precaução não é, por sua vez, um problema de fácil resolução. O arbitramento do valor da reparação do dano é, por vezes, feito de maneira especulativa, sem comprovação prática ou aferição técnica.

Não pode esse caminho, na verdade, se constituir como uma nova forma de confisco ou de expropriação de bens do empresário, ou para estabelecer indiretamente entraves à livre concorrência dos agentes econômicos.

Para que se legitime, deve depender da utilização de critérios objetivos e que possam ser antecipados e previstos por textos legislativos, de modo que se evite, inclusive, a aplicação de sanções demasiadamente distintas para casos semelhantes, risco que se corre na falta de critérios claros para o próprio arbitramento judicial de indenizações.

É o que se poderia pensar, por exemplo, quando ocorresse o plantio de sementes derivadas de uma nova espécie de vegetal que tenha sido desenvolvida a partir de técnicas modernas de biotecnologia e que se constate, posteriormente, que, devido a ela, haja o risco de se causar a extinção de determinados tipos de insetos. Como estimar o dano causado por esse fato, uma vez que as consequências globais daí derivadas talvez jamais sejam conhecidas, ou que o tempo para a sua apuração seja inestimável?

Nesse sentido, além ou em vez da reparação mediante o pagamento de uma indenização em dinheiro, será importante atribuir ao magistrado a possibilidade de aplicar outras formas de condenação que não sejam pura e simplesmente baseadas numa reparação pecuniária, o que se pode fazer com base no poder geral de cautela atribuído ao juiz.

Isso poderá levar, quiçá, a soluções e resultados mais úteis, tais como a imposição de obrigações de fazer ou de não fazer que estejam configuradas, por exemplo, em restrições ao desenvolvimento de determinadas atividades, ou no sentido de que sejam prestadas maiores informações aos consumidores ou aos vizinhos sobre as características de um determinado invento aplicável às atividades agrárias, sob pena, no caso de descumprimento, da imposição de multas ou de outras restrições de direitos.

A ideia é a de se criar, enfim, um leque mais amplo de opções para que o risco ínsito ao desenvolvimento de atividades consideradas potenciais causadoras de danos graves seja efetivamente minorado, mas sem que isso leve necessariamente à aplicação de sanções aleatórias e desmesuradas ao empresário, oriundas da falta de critérios objetivos para a condenação ou de sua limitação a consequências de natureza meramente patrimonial.

Com efeito, o princípio da precaução não pode ser utilizado como meio para que se impeça por completo a realização de atividades lícitas, nas quais a possibilidade de danos seja imprevisível, e não previamente reconhecível.


[1] Derecho agrario de la Unión Europea. The book, 1996, p. 293.
[2] Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil. São Paulo: Quartier Latin, 2010p. 103.
[3] O Superior Tribunal de Justiça já apreciou essa questão e o fez sob essa ideia do reconhecimento do risco de tais atividades, inclusive considerando que temas dessa natureza são de competência federal em razão das implicações nele contidas. Nesse sentido é que se encaminhou o seguinte acórdão, do qual se extraiu esta ementa: “A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio) – Órgão diretamente ligado à Presidência da República, destinado a assessorar o governo na elaboração e implementação da Política Nacional de Biossegurança – é a responsável pela autorização do plantio de soja transgênica em território nacional. Cuidando-se de conduta de liberação, no meio ambiente, de organismo geneticamente modificado – sementes de soja transgênica – em desacordo com as normas estabelecidas pelo Órgão competente, caracteriza-se, em tese, o crime descrito no art. 13, V, da Lei de Biossegurança, que regula manipulação de materiais referentes à Biotecnologia e à Engenharia Genética. Os eventuais efeitos ambientais decorrentes da liberação de organismos geneticamente modificados não se restringem ao âmbito dos Estados da Federação em que efetivamente ocorre o plantio ou descarte, sendo que seu uso indiscriminado pode acarretar consequências a direitos difusos, tais como a saúde pública. Evidenciado o interesse da União no controle e regulamentação do manejo de sementes de soja transgênica, inafastável a competência da Justiça Federal para o julgamento do feito. Conflito conhecido para declarar a competência o Juízo Federal da Vara Criminal de Passo Fundo, SJ/RS, o Suscitado” (DJ 17/5/2004, p. 104).

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