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Justiça anula doação de prefeitura para construção de mesquita

28 de agosto de 2017, 16h38

Por Jomar Martins

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Prefeituras não podem doar terrenos para construções religiosas sem avaliar o interesse público, pedir a autorização dos vereadores e/ou promover licitação, na modalidade de concorrência, como regula o artigo 17, inciso I, da Lei 8.666/1996 — que institui normas para licitações e contratos da administração pública. Ou seja, toda doação de patrimônio municipal tem de se subordinar ao interesse público, que deve ser devidamente justificado pelo administrador público.

A ausência desta justificativa levou a 2ª Vara Cível da Comarca de Bagé (RS) a declarar nulo o ato administrativo que doou um terreno de 7,7 mil metros quadrados, no valor R$ 580 mil, para construção de uma mesquita do Centro Islâmico. Na mesma sentença, também foi declarada nula a Lei Municipal que embasou a doação (5.082/2012), por entrar em contradição com a Lei Orgânica de Bagé, com as leis vigentes e com os princípios da administração pública.

Atração turística
Na ação civil pública, o Ministério Público gaúcho afirmou que o município não poderia ter feito a doação, que é mais onerosa, mas somente da concessão de direito real de uso, instituto previsto no Direito Administrativo, conforme o artigo 102 da Lei Orgânica. Com isso, a municipalidade atenderia princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse particular. Observou que a administração pública se guia pelos princípios constitucionais previstos no artigo 37 da Constituição Federal. Assim, o gestor público deve acatar a legalidade, sem incorrer em ‘‘favorecimentos intoleráveis’’.

Convocado a se manifestar na Justiça, o Centro Islâmico de Bagé informou que as áreas construídas naquele local beneficiarão toda a comunidade bageense. Além disso, ressaltou que as demais entidades religiosas concordaram com a doação. A municipalidade, por sua vez, disse que a mesquita será ponto de atração turística. Assegurou que a doação se encontra em conformidade com o ordenamento jurídico vigente, visto que é possível realizar a doação de bem público sem licitação.

Interesse público
A juíza Marina Wachter Gonçalves explicou que a doação é regulada pelo artigo 17 da Lei 8.666/1996 e deve observar o que dispõe o artigo 101, inciso I, combinado com o artigo 102, caput e parágrafo único, da Lei Orgânica Municipal de Bagé (ver link abaixo). É preciso levar em conta, também, o que diz o artigo 13, inciso IV, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul: ‘‘É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado, (…) dispor sobre autorização, permissão e concessão de uso dos bens públicos municipais’’.

Dessa forma, escreveu na sentença, o gestor municipal teria de se valer da concorrência pública e pedir autorização dos vereadores. Só poderia dispensar a concorrência se o uso do imóvel fosse destinado a entidades assistenciais ou quando houvesse relevante interesse público devidamente justificado — o que não foi observado pelo Município de Bagé.

‘‘Isso porque, não houve justificativa plausível para a dispensa da licitação, pois o uso do imóvel não está sendo destinado à entidade assistencial, haja vista que o Centro Islâmico é uma entidade religiosa, bem como pelo fato de que não restou demonstrado nos autos a existência de relevante interesse público devidamente justificado, uma vez que os documentos juntados no Inquérito Civil 00718.00063/2015, os quais deveriam conter expressamente o interesse público justificado, nada demonstram, objetivando, apenas, a autorização da doação’’, encerrou a juíza. Cabe recurso ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

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