Opinião

Eficácia de acordo de leniência exige atuação orgânica entre instituições

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21 de agosto de 2017, 8h45

*Artigo originalmente publicado no jornal Valor Econômico de quarta-feira (16/8).

A consensualidade, entendida como a participação ativa dos particulares nas decisões da administração pública, tem ganho espaço no direito brasileiro. A participação popular em processos administrativos, a celebração de termos de ajustamento de conduta perante as autoridades públicas e os denominados acordos substitutivos no âmbito das agências reguladoras (nos quais eventual sanção pode ser substituída por um acordo com determinações a serem cumpridas pelo infrator) são exemplos de participação dos particulares nos atos estatais, os quais refletem a mudança do antigo paradigma da imperatividade no exercício da gestão pública pelo da consensualidade.

No direito penal, os mecanismos de premiação e transação, intimamente relacionados à consensualidade, também têm conquistado o seu espaço nas leis brasileiras. O exemplo mais recente é a Lei de Combate ao Crime Organizado (Lei 12.850/13), responsável por disciplinar o instituto da colaboração premiada.

A crescente utilização dos instrumentos consensuais para a resolução de conflitos e tomada de decisões está estreitamente ligada à preocupação com a eficiência do aparato estatal, fomentada principalmente pelas demandas sociais relacionadas à efetivação de direitos e à moralização na gestão da coisa pública.

Para tanto, exige-se uma maior flexibilidade na relação dos órgãos administrativos com os particulares, possibilitando, deste modo, a minimização das consequências negativas às partes envolvidas e, ao mesmo tempo, a maximização dos benefícios direcionados ao atendimento do interesse público.

Nesse sentido, foi editada a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13), a qual, ao mesmo tempo em que instituiu a aplicação de sanções rigorosíssimas àquelas empresas que cometem atos lesivos à administração pública, também dispôs sobre a possibilidade de celebração de acordo de leniência com a pessoa jurídica infratora. O acordo autoriza a redução das penalidades aplicáveis em troca da colaboração com o processo de apuração das infrações, permitindo a identificação dos demais envolvidos bem como a obtenção de informações e documentos capazes de atestar a prática da conduta ilícita.

Ainda, a legislação exige a inclusão de cláusulas no acordo que imponham a adoção ou o aperfeiçoamento de um programa de integridade (compliance) pela empresa signatária. Assim, o compromisso firmado pela empresa infratora determinará a implementação de mecanismos e procedimentos internos de controle, estimulando o combate preventivo às práticas ilícitas.

Os acordos de leniência, assim como os acordos de colaboração premiada (destinados às pessoas físicas), têm se mostrado extremamente eficazes na árdua tarefa de combate à corrupção no Brasil, seja no que se refere ao ressarcimento dos danos sofridos pelo Estado, seja em relação à identificação e punição dos responsáveis pela prática dos atos ilícitos. Basta verificar o alargamento das investigações procedidas pela operação "lava jato" e a efetividade na comprovação dos atos ilícitos cometidos, o que seria inviável sem a utilização dos mecanismos consensuais de composição e transação no plano do direito sancionador.

Entretanto, para tornar a consensualidade eficaz no âmbito do direito sancionador, não basta a mera autorização legal para a realização de acordos entre os particulares e as autoridades, mas sim deve existir uma atuação orgânica entre as instituições que compõem o Estado, de forma que seja possível alcançar o ponto de equilíbrio ideal entre o exercício do poder sancionatório e os benefícios concedidos aos infratores.

Como exemplo, nos Estados Unidos raríssimos são os casos investigados sob o enfoque do FCPA (Foreign Corruption Pratices Act) que não são resolvidos no âmbito administrativo por meio de acordos celebrados pelas empresas com o Department of Justice (DOJ), o qual tem atuação na esfera criminal, ou com a Securities and Exchange Commision (SEC), que é agência reguladora do setor de valores mobiliários, equivalente à nossa Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em monitoramento estatístico realizado pela Universidade de Stanford, com base em dados obtidos desde 1977 (data de início de vigência do FCPA), 92,42% dos casos submetidos à SEC resultaram em acordo, e 76,21% dos casos submetidos ao DOJ foram resolvidos por meio da consensualidade.

A expressividade desses resultados decorre basicamente de três fatores: 1) da efetividade do sistema punitivo estadunidense (judicial e administrativo), que serve de incentivo para a realização dos acordos;

2) do cumprimento dos acordos por parte do Estado, caso contrário ninguém teria interesse em realizálos e; 3) da consciência das autoridades de que a celebração de acordos com as empresas é o melhor caminho para a investigação de atos ilícitos (principalmente os relacionados à corrupção) e para o ressarcimento dos danos, uma vez que as empresas poderão continuar as suas atividades, mantendo-se assim os empregos e a prosperidade da economia.

O que é melhor: permitir a continuidade da atividade das empresas, de modo que estas possam ressarcir o Poder Público pelos danos causados, ou decretar a sua extinção, transformando-as num imenso passivo?

É evidente, portanto, o ganho que os instrumentos de consensualidade, principalmente no plano do direito sancionador, podem agregar, especialmente se os revestirmos da necessária sistematização, que impeça a autofagia entre os órgãos fiscalizadores.

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