“Temos as mãos devidamente queimadas por nossas intervenções. Não fomos felizes na maioria delas”, disse o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, sobre as decisões da corte envolvendo o sistema político. Em palestra nesta segunda-feira (21/8) para falar sobre reforma política, o ministro se dirigiu aos parlamentares presentes para pedir “a devida dosagem” na aprovação da reforma política para que não se produza um sistema de financiamento inadequado.
O ministro falou especificamente da declaração de inconstitucionalidade do financiamento eleitoral por empresas, em que ficou vencido. A decisão foi tomada em 2015.
Nas eleições municipais de 2016, disse o ministro, o Tribunal Superior Eleitoral computou 750 mil doadores pessoas físicas, dos quais 300 mil foram considerados “sem capacidade financeira” de fazer doações. “Vemos aí o fenômeno das ‘interpostas pessoas’. Quer dizer: será mesmo que as empresas ficaram de fora?”
Gilmar também reclamou da decisão do Supremo que declarou inconstitucional parte da reforma eleitoral de 1993 que criou a chamada “cláusula de barreira”. Só partidos com determinado desempenho nas eleições para a Câmara dos Deputados teriam direito a acesso ao Fundo Partidário, mas o STF declarou esse sistema inconstitucional — com voto favorável do próprio ministro — em 2003. A solução encontrada pelos parlamentares foram as coligações horizontais irrestritas, essas autorizadas pelo Supremo.
Depois disso, o tribunal decidiu preservar a fidelidade partidária, e decidiu que deputado que muda de partido deve ter seu mandato cassado. Mas disse que a criação de partido seria “justa causa” para migrar de legenda sem perder o cargo. O resultado foi que o país tinha 18 partidos antes da decisão e hoje caminha para os 35, 28 deles com representantes no Congresso.
“São dados preocupantes que revelam que nossas intervenções têm contribuído para um sistema confuso”, analisou o ministro. Entre os parlamentares que ouviam a fala de Gilmar estavam o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e os deputados Lelo Coimbra (PMDB-ES) e Vicente Cândido (PT-SP), além do presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos.
Lelo Coimbra, que falou antes do ministro, acabou corroborando as teses dele, sem saber. Entre 1989 e 2015, o deputado contabilizou 14 reformas no sistema eleitoral. “Não ficamos duas eleições com o mesmo sistema desde que a Constituição foi promulgada”, comentou o parlamentar, depois de sua fala.
Todos estiveram no evento A Reforma Política em Debate, organizado pelo jornal O Estado de S. Paulo e pelo Centro de Liderança Política, em São Paulo.
Sem bolso
Todos estão preocupados com o andamento da última reforma eleitoral a caminhar na Câmara. É uma proposta de emenda à Constituição que cria o sistema distrital misto em 2022, mas estabelece o chamado “distritão” como “regra de transição”.
O voto distrital misto é tido pela ciência política como um sistema melhor que o atual. Por meio dele, os estados são divididos em regiões menores, os distritos, e os eleitores votam duas vezes. Uma no candidato e outra no partido. Metade das vagas é distribuída aos candidatos mais votados, e metade, aos candidatos das listas partidárias.
Mas o problema é o distritão, que, se aprovado como está, vigora nas próximas duas eleições (e aí o país passará a ter 16 sistemas eleitorais diferentes em menos de 35 anos. Por meio dele, os deputados passam a ser eleitos pelo voto direto. Os mais votados são eleitos, dentro do limite de vagas de cada estado. Os votos dados em candidatos derrotados são descartados.
Como o Supremo proibiu o financiamento por empresas, a saída foi criar um “fundo para o financiamento da democracia”, que será constituído de 0,5% da receita corrente líquida da União. Em 2018, isso significará R$ 3,8 bilhões, segundo das contas dos deputados.
“Nas eleições de 2014, as eleições para deputado federal custaram R$ 5 bilhões. Então esse fundo já não corresponde à realidade. Fora os 30% que ficaram pelo caixa dois”, disse o ministro Gilmar. “O financiamento público é bastante fluido no sistema de lista fechada”, comentou. “Mas em 2016 tivemos 500 mil candidatos. Como vamos bancar isso? Com dinheiro público?”