Opinião

Recursos de crimes devem ser usados em prevenção à lavagem de dinheiro

Autor

  • Alexandre Botelho

    é diretor especialista em prevenção à lavagem de dinheiro da AML Consulting empresa consultoria de soluções e serviços de prevenção à lavagem de dinheiro.

20 de agosto de 2017, 7h30

No mundo das finanças, payback é o tempo decorrido entre o investimento inicial e o momento no qual o lucro líquido acumulado se iguala ao valor desse investimento. Quando se tratam dos crimes de lavagem de dinheiro, de terrorismo ou o seu financiamento, o princípio da chamada “regra do payback” é: quanto mais o país investir na prevenção e combate desses crimes, mais recursos ele terá à sua disposição para assegurar a efetividade dessas ações.

Para que isso seja possível, é feito o confisco dos bens das pessoas envolvidas nesses crimes, mesmo que estejam em nome de terceiros —também conhecidos como “laranjas” —, através de mecanismos de ocultação ou dissimulação da propriedade, que implica no perdimento, quando aplicável, ou na privação permanente de fundos ou outros ativos por ordem de uma autoridade competente ou tribunal. O confisco ou perdimento acontece por meio de processo administrativo ou judicial que transfere a propriedade de fundos específicos ou outros ativos para o Estado.

Essa regra derivada Recomendação 4 do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi), que estabelece as chamadas Ações de confisco e medidas cautelares, fazendo parte de um conjunto de 40 diretrizes listadas pela organização intergovernamental. O Gafi tem o propósito de desenvolver e promover políticas globais de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e atua visando a geração da vontade política necessária para a realização das reformas legislativas e regulatórias nessas áreas, o que dimensiona a importância do organismo e de suas recomendações.

A Recomendação 4 estabelece que os países devem adotar medidas para permitir que suas autoridades competentes possam congelar ou apreender e confiscar, sem prejuízo dos direitos de terceiros de boa-fé: (a) bens lavados; (b) produtos ou instrumentos usados ou com a intenção de que fossem usados em crimes de lavagem de dinheiro ou crimes antecedentes; (c) bens que sejam produtos, ou que tenham sido usados, ou com a intenção de que fossem usados ou alocados para uso no financiamento do terrorismo, de atos ou de organizações terroristas; ou (d) bens de valor equivalente.

Essas medidas devem incluir autoridade para: (a) identificar, rastrear e avaliar bens que sejam sujeitos a confisco; (b) adotar medidas cautelares, tais como bloqueio e apreensão, para prevenir quaisquer negociações, transferência ou alienação de tais bens; (c) tomar medidas para prevenir ou eliminar ações que prejudiquem a capacidade do país de bloquear e apreender ou recuperar bens que estejam sujeitos ao confisco; e (d) adotar medidas investigativas apropriadas.

Os países também devem considerar a adoção de medidas que permitam o confisco de produtos ou instrumentos sem que seja exigida a condenação criminal prévia (nonconviction based forfeiture), ou que exijam que os criminosos demonstrem a origem lícita dos bens supostamente passíveis de confisco, desde que tal exigência esteja de acordo com os princípios de sua lei doméstica.Além disso, devem estabelecer mecanismos que permitam que suas autoridades competentes possam administrar efetivamente e, quando necessário, destruir ou dispor de bens bloqueados, apreendidos ou confiscados.

Ao trazer a questão do GAFI para o Brasil, temos a Lei 9.613/98, a Lei da Lavagem de Dinheiro. A nossa versão brasileira, em seu artigo 7º, atende aos requisitos da Recomendação 4 da organização intergovernamental. Mas, a pergunta que deve ser feita é: o Brasil vem cumprindo satisfatoriamente essa recomendação?

Deacordo com a legislação brasileira, enquanto não há o trânsito em julgado dos processos, geralmente os recursos bloqueados são depositados em uma conta judicial. O confisco desses valores ainda não foi decretado, mas apenas o seu bloqueio. A destinação dos recursos só é definida ao final do processo.

Em relação ao patrimônio que tenha sido objeto de bloqueio ou apreensão, como imóveis, automóveis, aeronaves, embarcações, joias e obras de arte, entre outros, o juiz tem a prerrogativa de determinar que esses bens sejam levados a leilão, independentemente do trânsito em julgado, e que os valores auferidos também sejam depositados em conta judicial. Da mesma forma, a destinação dos recursos também será definida somente no final do processo.

Apesar da referida previsão legal, a Justiça brasileira tem deixado muito a desejar. Na semana passada, a Justiça Federal de Mato Grosso estabeleceu o dia 18 de agosto como prazo final para o leilão de sete carros e três motocicletas que a Polícia Federal apreendeu em 2009, durante a operação maranello.Na relação dos veículos de luxo, está uma Ferrari F430 Spider F1 branca, com tecnologia da Fórmula 1 e que vai de zero a 100 km/h em 4 segundos.Em 2009, quando foi apreendida, a Ferrari era avaliada em R$ 1,8 milhão e estava com 4.709 km rodados. Após permanecer oito anos em poder da Justiça e sem sequer ser ligadanos últimos cinco anos, o item mais caro do leilão está agora avaliado em R$ 750 mil, ou seja, perdeu mais de R$ 1 milhão em valor de mercado.

No caso da “lava jato”, o montante recuperado pela Justiça Federal volta para o governo ou é destinado a órgãos federais de prevenção e combate à corrupção, conforme prevê a regra do Gafi. Nos casos em primeira instância, o juiz Sergio Moro tem determinado que o dinheiro retorne aos cofres da Petrobras, como nos processos envolvendo o ex-gerente da estatal, Pedro Barusco, que devolveu pelo menos R$ 69 milhões, e o ex-diretor Paulo Roberto Costa, responsável pela devolução de R$ 70 milhões, por força dos respectivos acordos de colaboração premiada celebrados. Já no processo julgado que envolve o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado juntamente com outros réus por causar desfalque no caixa da estatalde cerca de R$ 16 milhões no episódio envolvendo um apartamento triplex no Guarujá, localizado no litoral paulista, Moro ordenou o confisco do imóvel, cujo valor deverá ser descontado do total a ser pago pelos condenados.

Estamos lidando, nos casos citados da “lava jato”, com situações em que há vítima determinada, a Petrobras. Nessas condições, o Código de Processo Penal prevê que os recursos desviados sejam restituídos à vítima. Porém, há dois pontos de atenção: a demora em se finalizar o próprio processo penal, porque não são raros os casos envolvendo crimes do colarinho branco que ultrapassam os 10 anos de processo; e a falta de transparência nos casos em que se consegue confiscar ativos derivados de ilícitos.

O Ministério Público Federal disponibiliza uma tabela que indica quem, quando e em quais condições foram realizados os acordos de colaboração premiada, mas não há indicação do montante devolvido, muito menos sobre a destinação desses valores. A situação se repete em outras operações deflagradas pelos órgãos nacionais competentes.

Nesse sentido, não há também uma base de dados unificada e de acesso público com os valores repatriados ou confiscados por condutas relacionadas ao crime de lavagem de dinheiro e seus delitos antecedentes. O Conselho Nacional de Justiça disponibiliza o Sistema Nacional de Bens Apreendidos, que recai em outros problemasde nosso país: burocracia e morosidade para obter dadosque não são tão confiáveis sobre os valores confiscados e sua efetiva destinação.

Há quem defenda o uso do dinheiro recuperado com acordos de leniência para investigações devidoao contingenciamento de verbas para a área de segurança,como nos casos dos cortes de recursos da Polícia Federal e a redução das equipes da “lava jato”.

Muito mais do que as cifras — como no caso da Odebrecht que firmou acordo para devolver R$ 8,5 bilhões — o fato é que não pode haver entraves para o direcionamento de valores para os fins do artigo 7º, parágrafo 1º, da Lei 9.613/98 (de lavagem de dinheiro), já que, além da expressa previsão legal, esses recursos precisam ser destinados a investimentos em entidades públicas encarregadas da prevenção à lavagem de dinheiro, atendendo, portanto, ao interesse público de se alcançar maior eficácia nessa atividade. 

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    é diretor especialista em prevenção à lavagem de dinheiro da AML Consulting, empresa consultoria de soluções e serviços de prevenção à lavagem de dinheiro.

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