Opinião

Controle social é fundamental para garantir a moralidade administrativa

Autor

  • Gustavo Ungaro

    é advogado doutor e mestre pela USP professor da Graduação e Pós-Graduação da Universidade Nove de Julho vice-presidente da Comissão Científica do Conselho Nacional de Controle Interno membro da Comissão de Direitos Humanos da USP da Congregação da Faculdade de Direito da USP e da Comissão Justiça e Paz de SP foi controlador geral do município de SP ouvidor geral e corregedor geral do Estado de SP dentre outras funções públicas exercidas.

14 de agosto de 2017, 7h31

A vida em sociedade, sob regime democrático, supõe participação dos cidadãos e prestação de contas pelos governantes, compreendendo-se o Estado como ente representativo da coletividade para a busca do bem comum.

No passado remoto havia a ágora, ampla arena aberta, em formato de circo, na qual os cidadãos romanos e gregos da antiguidade costumavam se reunir para discutir os problemas da comunidade e decidir sobre as soluções. Hoje há o plenário da Câmara Municipal, o auditório da Prefeitura, o salão paroquial, o saguão sindical e vários outros espaços para a participação, mas talvez a ágora mais eficaz, em nosso mundo contemporâneo, seja a conexão virtual propiciada pela internet, por meio de redes sociais, aplicativos eletrônicos, sites e grupos instantâneos de troca de mensagens, nos quais frequentes piadas motivam gargalhadas circenses boas, a romper com a sisudez do cotidiano, marcado este dia-a-dia da “modernidade líquida” pelos desafios profissionais, familiares, sociais e políticos.

Nossa Constituição, republicana, prevê vários mecanismos de controle da gestão pública, a fim de evitar desvios e fraudes com o dinheiro arrecadado dos contribuintes, a serem exercidos por Parlamentos, Tribunais de Contas, Ministérios Públicos, Controladorias, Corregedorias, Ouvidorias e Auditorias Gerais — são os controles externos e internos a que se submetem os órgãos estatais, pois o dever geral de prestação de contas é regra a ser cumprida no Estado de Direito, em que todos estão sujeitos à legalidade e os recursos devem ser utilizados para o bem comum.

No entanto, por maiores competências e melhores procedimentos que adotem, ações estatais não se mostram suficientes a garantir a prevalência da moralidade administrativa e o eficiente aproveitamento dos recursos públicos, revelando-se imprescindível, também, o chamado controle social, a fiscalização realizada diretamente pelos cidadãos, pela imprensa e pelas entidades da sociedade civil.

Pertinente, como se está a destacar, o acompanhamento das atividades governamentais feito por entidades sem fins lucrativos, como o Voto Consciente, a Transparência Brasil, a Contas Abertas e a Transparência Internacional, dentre outras, bem como o monitoramento dos gastos das Prefeituras e Câmaras Municipais, em tarefa que vem sendo desempenhada pelo Observatório Social do Brasil, presente em 120 municípios graças à dedicação voluntária, não remunerada, de profissionais preocupados com a coletividade, que destinam tempo e energia a verificar a adequação de licitações e contratos, de modo a colaborar, na prática, para a melhoria da gestão, com economicidade e eficiência, identificando desperdícios e irregularidades.

O controle social, além de contribuir para o correto aproveitamento dos impostos nas cidades, também incentiva a tomada de consciência dos cidadãos em relação à coletividade, reforçando o sentimento cívico de direitos e deveres, fortalecendo a democracia e valorizando a cidadania. Nestes tempos de idolatria da egoísta acumulação materialista, faz valer algo tão maltratado: a noção essencial republicana (do latim “res publica”, coisa de todos, patrimônio comum).

Natural, portanto, que os governos acompanhem a evolução das práticas e das tecnologias e se abram à participação também por meios não presenciais, interagindo com os cidadãos pela internet e também pela rede mundial de conexão à distância possam prestar contas, apresentando os dados mais relevantes para o controle da sociedade em relação às atividades estatais e ao uso dos recursos da coletividade.

A zelar pela adequada gestão pública, para além dos mecanismos institucionais e seus instrumentos formais, tornando viável a atuação direta dos cidadãos, da imprensa e das entidades, no sadio protagonismo difuso aqui valorizado, será tanto maior quanto mais fácil seja obter informações e quanto mais abertos sejam os governos, razão pela qual, em tempos de globalização, o destaque para accountability e compliance, termos em voga que procuram expressar valores relacionados à ética e à confiança, os quais são impulsionados pela celebração de tratados e convenções internacionais por mais transparência e menos corrupção.

Em nosso país, a legislação já exige salários e contratos na internet, receitas e despesas apresentadas de forma clara e compreensível, dados em formatos abertos e informações sobre os serviços prestados, tornando possível a qualquer pessoa saber como são utilizados os recursos decorrentes dos impostos pagos por todos, graças à Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), da Transparência (Lei Complementar 131/2009), de Acesso a Informação (Lei 12.527/2011), das Organizações Sociais (Lei 13.019/2014) e das Estatais (Lei 13.303/2016), dentre outras.

Daí a importância dos sites governamentais na internet, avaliados pela entidade Contas Abertas e pelo Ministério Público Federal, como espaços virtuais de livre obtenção das informações relevantes detidas pelos órgãos estatais. O Portal da Transparência do Estado de São Paulo foi acessado, ano passado, por 1,3 milhão de pessoas, e sua nova versão, que entrou no ar neste mês de agosto de 2017 (já tendo sido acessado por mais de 30 mil pessoas) espera ir além, pois seu formato é adequado ao uso em celulares e há muitas informações disponíveis, inclusive dados georreferenciados e com possibilidades de cruzamento e ampla pesquisa (www.transparencia.sp.gov.br). São 40 aplicativos que podem ser instalados gratuitamente, além de informações em mapas, indicadores estaduais e municipais, concursos públicos, licitações, publicações do Diário Oficial, relação de cargos, nomes e endereços, entidades sociais e muitos outros dados de interesse geral, abrindo também os canais para contato com as Ouvidorias, que recebem denúncias, sugestões, reclamações, pedidos de informação, elogios e quaisquer manifestações de interesse do cidadão (www.ouvidoria.sp.gov.br).

Verdadeira ágora da modernidade, o espaço eletrônico governamental permite a qualquer pessoa acessar pela internet e conhecer um pouco mais a gestão pública, acompanhando o que é feito com o dinheiro dos tributos e participando ativamente, aproveitando a tecnologia a serviço do bem-estar das pessoas e do fortalecimento da cidadania.

Um portal da transparência deve, pois, ampliar e facilitar o acesso às informações públicas, congregando inclusive informações salariais e contratuais de todas as empresas controladas pelo Poder Público — cabendo lembrar que as estatais federais ainda não praticam esse dever básico de prestação de contas, mesmo estando negativamente expostas em função da corrupção sistêmica revelada nos escândalos do Mensalão e do Petrolão, cuja falta de justificativa convincente se evidencia ante a constatação de que, em São Paulo, todos os salários e contratos das companhias controladas estão acessíveis, sem nenhuma inviabilidade nem consequência danosa, pois é exatamente a penumbra a grande companheira da ilicitude.

A participação deve estar presente, ainda, no monitoramento de todo o processo, tanto aproveitando o olhar atento de especialistas como oxigenando as unidades estatais por meio da perspectiva externa da sociedade. Para isso, devem atuar o Comitê Gestor do Portal da Transparência, composto por representantes das Secretarias da Casa Civil, Fazenda, Planejamento e Gestão, Ouvidoria Geral, Prodespe Conselho de Transparência da Administração Pública, e este próprio Conselho, em reuniões mensais com a participação de representantes da sociedade civil (profissionais especializados, professores e dirigentes das entidades Transparência Brasil, W3C e Associação Brasileira de Ouvidores / Ombudsman) e representantes do setor público (Secretarias de Governo, Justiça e Defesa da Cidadania, Planejamento e Gestão, Fazenda, Procuradoria Geral do Estado), além de instituições convidadas a acompanhar os trabalhos: Tribunal de Justiça, Assembleia Legislativa, Tribunal de Contas, Defensoria Pública e Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo.

Assim, é preciso incorporar inovações e facilitar o cotidiano do cidadão, desburocratizando e aproveitando os avanços tecnológicos, razões que levaram ao desenvolvimento de dezenas de aplicativos eletrônicos, os quais estão disponíveis agora no Portal da Transparência Estadual, que agregou também informações de áreas temáticas relevantes, como educação e segurança, indicadores sócio-econômicos e sobre o patrimônio público, com relação de imóveis existentes e editais para alienação. Além disso, trata-se de vigorosa estratégia anticorrupção, grave mazela que tanto atormenta o brasileiro (segundo a última pesquisa Datafolha, a corrupção foi apontada como o primeiro problema de nosso país), por subtrair o escasso dinheiro que falta às políticas de saúde, geração de empregos e prevenção da violência.

Afinal, a Constituição estabelece, no artigo 37, que a Administração Pública é regida pela legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, mas só há efetividade desse mandamento republicano quando vigoram, em plenitude, a transparência e o controle social.

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