Hematomas e escoriações

Doze são condenados por torturar internos de unidade da antiga Febem em São Paulo

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10 de agosto de 2017, 20h46

Doze pessoas foram condenadas por agredir física e verbalmente internos da unidade Vila Mariana, na capital paulista, da antiga Febem, destinada ao recolhimento de menores. Os ex-funcionários poderão recorrer da decisão em liberdade. Segundo o juiz Fernando Cesar Carrari, da 26ª Vara Criminal de São Paulo, não há requisitos para custódia cautelar.

Todos os apenados foram reconhecidos pelos internos que sofreram as agressões físicas e psicológicas em janeiro de 2015. Em todos os mais de 100 agredidos foram encontrados hematomas, equimoses e escoriações na região posterior da cabeça, no pescoço, nos ombros, nas costas, nas nádegas, nos braços e nas pernas.

Reprodução/Google Maps
Mais de 100 internos da antiga Febem, atual Fundação Casa, foram agredidos física e verbalmente.
Reprodução/Google Maps

Ao todo, 42 pessoas foram acusadas pelos atos, mas as torturas foram provadas apenas em relação aos dez apenados, que cumprirão 10 anos e 6 meses de prisão em regime fechado.

Outros dois agentes receberam pena de um ano e seis meses de detenção em regime aberto por terem se omitido ao saberem dos atos praticados pelos colegas, mas tiveram sua punibilidade extinta porque o crime prescreveu.

Na ação, a defesa dos acusados argumentou improcedência da ação e pediu a absolvição de seus clientes por falta de provas. Em caso de condenação, pediram que o crime de tortura fosse substituído por lesões corporais leves.

Para Fernando Carrari, o crime de tortura ficou constatado, além dos testemunhos, pelas fotos tiradas dos internos. Também destacou que as agressões não ocorreram de maneira casual, mas partiram de ação planejada depois que menores detidos na unidade e funcionários se desentenderam.

Apesar de considerar que a ação foi planejada, o juiz não acatou a tese de organização criminosa. “Não há nos autos elementos seguros a demonstrar a existência de uma associação permanente e estável para o fim de cometer uma série indeterminada de crimes […] Ainda que haja notícias de envolvimento de alguns dos denunciados em outros episódios envolvendo agressão a internos, evidentemente tal circunstância não é suficiente à comprovação do delito, tendo em vista que se trata de meros indícios”, detalhou.

O juiz também considerou que o crime, apesar de ter sido praticado contra diversas pessoas, se enquadra como continuidade delitiva, pois os agentes, por ação ou omissão, praticaram inúmeros crimes similares. “E considerando-se que se trata de crimes dolosos praticados contra vítimas diferentes mediante violência e grave ameaça contra pessoa, incide na espécie o disposto no art. 71, parágrafo único, do Código Penal.”

Por outro lado, Carrari desconsiderou a hipótese a acusação de lesão grave porque não ficou demonstrada a incapacidade das vítimas para atividades por mais de 30 dias. Disse por fim, com base na perícia feita nos objetos usados nas agressões, que o crime de tortura será computado conjuntamente com os delitos de abuso de autoridade, maus-tratos.

“O laudo pericial dos objetos utilizados nas agressões aos internos […] atesta que as peças examinadas e descritas, nas condições em que se encontram e pelas características que possuem, além das finalidades a que se destinam, podem ser utilizadas com eficácia como instrumentos contundentes para ameaçar, intimidar, agredir e lesionar pessoas”, justificou.

11 de janeiro de 2005
As agressões aos menores ocorreram no dia 11 de janeiro de 2005. Os agentes que trabalhavam na unidade Vila Mariana da Febem aproveitaram as movimentações dentro do estabelecimento prisional por conta de revistas para agredir os menores entre a vistoria em um prédio e outro. As agressões começaram às 10h daquele dia e duraram por volta de três horas.

O caso foi descoberto pela presidente da ONG Amar, depois que ela conversou com dois menores que foram transferidos de unidade após as torturas. A maioria dos jovens foram agredidos enquanto estavam em um regime diferenciado de prisão, conhecido como seguro, onde não podem receber visitas por alguns dias.

A tortura foi feita pelos então agentes da Febem com pedaços de ferro e de madeira. No dia que os ex-funcionários cometeram os crimes, a unidade passava por uma revista, com acompanhamento da Polícia Militar de São Paulo, que dava apoio aos servidores na remoção dos menores das celas para revistas.

A unidade prisional passava pelo procedimento porque seria transformada em estabelecimento especial para receber menores acusados de crimes graves. “Conveniente frisar que aqueles funcionários que ali estavam […] e que já trabalharam na casa e foram afastados, nutriam sentimento de represália em relação aos adolescentes, justamente em decorrência disso, já que estavam sendo investigados e processados pela Corregedoria-Geral da Febem”, destacou o juiz na decisão.

Consta dos autos que, “munidos de barras de ferro, paus e sapatos, mediante golpes, socos e pontapés, retiraram os internos dos quartos, passaram a agredi-los, e os empurraram para o meio de um grupamento de funcionários, lado a lado, compondo o denominado ‘corredor polonês’, no qual foram submetidos a ainda mais agressões, novamente com outros socos, tapas, pontapés e golpes com instrumentos, passando a agredi-los, sucessivamente”.

Depois das agressões, os agentes obrigaram os menores a tomarem banhos frios para reduzir os efeitos da tortura. Ainda no chuveiro, os menores continuaram sendo agredidos. Depois de terminadas as agressões, os ex-funcionários denunciaram os menores à Polícia Civil de São Paulo por agressão.

Clique aqui para ler a decisão.
Processo 0006123-88.2005.8.26.0050

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