"Rainha das provas"

Discussão sobre delação tira dos bastidores disputa entre polícia e MPF

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9 de agosto de 2017, 7h30

A delação premiada, alçada a nova “rainha das provas” com a operação “lava jato”, virou pivô de uma nova disputa entre Polícia Federal e Ministério Público Federal. Com a ação no Supremo Tribunal Federal na qual a Procuradoria-Geral da República questiona o poder da PF para fechar os acordos, a briga saiu dos bastidores.

Depois de perder para o Ministério Público a exclusividade na condução de investigações criminais, a Polícia Federal se debate para não perder o poder de fazer acordos de delação.

Na discussão sobre a Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), o ministro Marco Aurélio já pediu a Leandro Daiello, diretor-geral da PF, informações quanto ao procedimento adotado pela instituição para formalização do instrumento usado para a obtenção de provas durante uma investigação. Caberá ao Plenário do Supremo Tribunal Federal decidir os limites dos protagonistas do lado do Estado para negociar e fechar acordos com políticos e empresários acusados de corrupção.

“A lei prevê expressamente que a PF tem legitimidade por uma razão simples: o delegado tem mais condições de avaliar se as informações de uma delação são úteis ou não”, diz o delegado Carlos Sobral, presidente da Associação Nacional dos Delegados da PF (ADPF).

O procurador José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) fala o oposto. Diz que como o MP é titular da ação penal, parte no processo e responsável exclusivo para negociar penas e prêmios ao delator, os trechos da lei são claramente inconstitucionais.

“Se a PF faz uma colaboração e o MPF não vê provas, como fica o acusado? Se ninguém pode obrigar o MPF a denunciar, então como a PF pode negociar vantagens?”, questiona Robalinho. 

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Em ação, Janot diz que MPF pode processar investigados sem levar em conta acordos de colaboração fechados com delegados.

Juiz como mensageiro
Na petição de 48 páginas no STF, Janot diz que a permissão à PF fechar acordos, oferecendo vantagens como perdão judicial ou o não oferecimento de denúncia (a concessão de imunidade ao colaborador), revela “usurpação frontal de atribuição privativa do MPF garantida pela Constituição”. Ele chama os delegados de “pessoas estranhas à carreira jurídica” e ameaça ignorar os acordos já encaminhados pela PF à Justiça.

“O Ministério Público poderá processar o colaborador sem levar em conta as vantagens oferecidas pelo delegado. Ou nem denunciar”, provoca o procurador. Ele frisa que o MPF é a única instituição com prerrogativa para agir em nome da lei no processo.

A autonomia dada pela lei à PF, segundo o pedido, permite que a corporação faça ofertas que não poderá honrar. “Tal situação deixa desprotegido o indivíduo interessado no negócio jurídico, uma vez que a polícia não tem capacidade processual para dar curso às propostas e promessas que vincularem em tratativas de acordo”, cutuca.

O procurador diz que ao encaminhar de acordos sem a participação do MPF, que terá, mais cedo ou mais tarde de avaliar os casos, a PF está usando “o juiz como mensageiro” e propondo cláusulas que são atribuições exclusivas de quem acusa. “Como acordo gera efeitos sobre pretensão punitiva, órgão que não a exerce (a polícia) não pode sobre ela dispor”, diz Janot. Pela Constituição, segundo ele, a PF deve atuar para o processo penal, não no processo penal.

Crítica corporativa
A PF, por sua vez, tem ao seu lado o texto da lei em vigência há quatro anos, depois de esta passar pela Casa Civil da Presidência da República, o crivo das duas Casas do Congresso, a Câmara dos Deputados e o Senado até ser sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff, em agosto de 2013, sem questionamentos objetivos quanto à constitucionalidade.

O delegado Carlos Sobral avalia que Janot “errou feio” ao propor a ação, acusa o MPF de tentar alijar a PF das investigações e alerta que, caso o STF aceite a mudança proposta, não só tornará nulas delações como a de Marcos Valério e Duda Mendonça, como também pode atrapalhar as operações em curso na “lava jato”.

Sobral afirma que “o corporativismo do MPF não serve à sociedade” e que os procuradores estão tentando subordinar a PF a seus interesses, quando quem decide o que vale ou não vale, é o Judiciário. “Certamente haverá resistência”, alerta Sobral.

Ele garante que os delegados continuarão negociando acordos e submetendo-os ao Judiciário — e não ao MPF. Um eventual afastamento da PF, afirma o delegado, provocará insegurança jurídica generalizada entre os colaboradores e um retrocesso à ofensiva contra a corrupção no país.

O enfrentamento na seara institucional ficou mais explícito nas últimas duas semanas. Instada a cumprir cotas de investigação, a PF passou a agir como uma espécie de ombudsman, comparando a eficácia das delações com os benefícios concedidos aos delatores pelo MPF.

As críticas são corrosivas em relação aos casos da “lava jato”, entre eles, o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto da Costa, o doleiro Alberto Youssef, o lobista Fernando Baiano e vários outros. Em síntese, os delegados afirmam que os prêmios são vantajosos para os envolvidos, mas de resultados pífios à investigação.

A disputa que se travará no plenário do STF marcará o período mais grave de uma relação de “tapas e beijos” entre as duas instituições, que teve início com a vigência da Constituição de 1988, que deu mais poderes ao MPF. Ainda assim, o procurador Robalinho acha que a polêmica, que considera falsa, não afetará a parceria entre os dois órgãos.

O presidente da ANPR frisa que MPF e PF, assim como ocorreu depois da derrota da PEC 37, que previa a exclusividade de investigações pela polícia, vão se recompor depois que o STF decidir quem tem a prerrogativa de fechar acordos de delação. Robalinho garante que quem apostar no agravamento das divergências ou prejuízos à “lava jato” está enganado.

*Texto editado às 23h52 do dia 10 de agosto para correção de informações. Já houve delações negociadas pela Polícia Federal homologadas pela Justiça, como a da operação acrônimo, que investiga o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT).

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