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Maioria dos partidos políticos não tem existência legítima

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7 de agosto de 2017, 13h33

Para cumprir o artigo 37 da Constituição Federal, deveria a Justiça Eleitoral acabar com a festa dos partidos políticos sem existência legítima, utilizados como propriedade vitalícia de políticos profissionais e instrumento de corrupção. No centro do turbilhão caótico da política nacional, decorrente do uso criminoso dos partidos, entretanto, o TSE faz de conta que tudo corre bem.

Ora, não é o partido político mero clube fornecedor de fichas de filiação, homologador de candidaturas a cargos públicos ou negociador de legenda para coligações espúrias e propagandas políticas enganosas. Há pressupostos para a existência legítima de um partido político.

Primeiro, deve ele corporificar uma ideologia única, no cotejo com as ideias dos partidos já existentes. A etimologia (partido significa dividido) já aponta para o fato de que se cuida de uma ideia dissidente das demais. A coexistência de ideologias diversas torna efetivo o pluralismo político (CF, artigo 1º, V).  Mas não se admite a pluralidade de partidos com idênticas ideias, sendo vedado o plágio, a começar pela denominação, siglas e símbolos (Lei 9.096/1995, artigo 7º, parágrafo 3º), visto que confunde o eleitor, facilitando o engodo.

Segundo, a ideologia do partido há de constar precisa e claramente em seu estatuto, não podendo ser vaga ou duvidosa. Já foi o tempo em que democracia, república, liberalismo, capitalismo e socialismo ainda eram conceitos distantes das práticas governamentais e até do alcance popular. Desmandos do absolutismo incitaram a defesa da democracia. Como o absolutismo estava muito presente nas monarquias, passou-se a defender a república. As mazelas do capitalismo estimularam campanhas pelo socialismo e vice-versa. O liberalismo, de outro lado, fez o socialismo admitir o livre mercado e o capitalismo, por sua vez, a função social da propriedade. Mais recentemente, o neoliberalismo misturou todos esses conceitos filosóficos num só pacote, substituindo-os pela linguagem puramente econômica.

Democracia e república são princípios hoje consagrados universalmente como direitos da humanidade. E na Constituição brasileira são uma imposição (artigo 1º). Chamar-se hoje, então, um partido de Democrata ou Republicano é o mesmo que nada.

Na verdade, é o partido político uma congregação de pessoas que comungam a mesma ideologia, traduzida, em seu estatuto, por meio de rol de políticas públicas claras e objetivas que promete implementar caso chegue ao poder (orçamento mínimo vinculado para saúde, fixação de determinado currículo básico padrão para educação e segurança pública de tolerância zero, p.ex.), devendo seu programa esclarecer como, quando e onde agirá na realização de tais políticas.

Assim, ao votar num candidato, o eleitor não elegerá uma pessoa, mas uma ideia. Por adesão às cláusulas do estatuto do respectivo partido, estará outorgando poderes especiais ao referido candidato, a fim de que concretize fielmente as políticas públicas que sua agremiação, por meio de seu estatuto, prometeu implementar caso chegasse ao poder.

Daí dar-se à eleição a nobre condição de mandato popular. Terceiro, a ideologia assim lançada no estatuto partidário tem força vinculante. Pessoas sem partido político não têm identidade ideológica. O partido político mal definido também torna o candidato sem identidade e, ao desprezar a existência de qualquer vínculo ideológico, libera-o de qualquer compromisso com o eleitorado, que se torna vítima de estelionatários se dizentes salvadores da pátria, que se apresentam mais por suas características pessoais do que pelas ideias (candidato coronel Fulano, delegado Beltrano, bispo Cicrano).

A maior virtude do partido político, sem dúvida, é identificar o candidato vinculando-o às ideias de políticas públicas que propaga a partir do objeto social estatutário. Daí a obrigatoriedade de filiação partidária aos candidatos a qualquer cargo público eletivo (CF, artigos14, §3ª, V, 77, §2º) e, bem assim, a imposição de fidelidade partidária (CF, artigo 117, §1º), que vincula tanto o eleito frente ao seu partido, como o partido frente ao seu eleitorado, com as responsabilidades decorrentes.

Quarto, a finalidade social do partido há de revelar licitude. Não pode anunciar, por exemplo, uma política cristã ou anticristã num Estado laico. Há de garantir, pois, políticas públicas gerais, destinadas a todos igualmente e não a interesses restritos, de pessoas ou grupos, vedada a discriminação.

Quinto, embora de natureza privada, sendo o partido político ente de finalidade social, incumbido da defesa da democracia, além de ser subsidiado por recursos públicos, incluindo a propaganda gratuita em rádio e televisão, deve obediência aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência (CF, artigo 37).  É inadmissível que seja constituído e mantido como propriedade de coronéis vitalícios, como tem ocorrido.

É inquestionado que a estrutura interna dos partidos políticos deve inspirar-se no regime democrático, com a imposição, em curtos períodos, de alternância no comando e rotatividade dos filiados nas candidaturas.

Sexto, a denominação do partido não pode ser utilizada como mero instrumento de marketing, mas como uma importante e útil informação ideológica a auxiliar a escolha do eleitor. Só assim constituído, pode o partido político cumprir sua função, dando a certeza de ser o resultado da eleição a mais fiel expressão da vontade geral. Aliás, ao atender tais pressupostos, certamente o partido contribuirá para a redução do custo de campanhas eleitorais individuais.

A propósito, de acordo com a lei, destina-se o partido político a “assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na CF” (Lei 9.096/1995, artigo 1º).

Entretanto, os partidos políticos hoje registrados no TSE, em sua quase totalidade, tendo em conta a não observância dos referidos pressupostos de regular existência, não cumprem sua finalidade institucional, servindo mais para confundir do que auxiliar a escolha do eleitor.

Espera-se, pois, que a Justiça Eleitoral cumpra o seu papel, exercendo o poder jurisdicional e regulamentar de que dispõe, impedindo o registro de novos partidos ou anulando o daqueles já constituídos ou, se o caso, determinando sua regularização, sempre que ausentes as condições já referidas em relação à denominação útil, ideologia não plagiada, lícita e clara finalidade social estatutária, fidelidade partidária e, especialmente, à democracia interna.

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