Anuário da Justiça Federal

"Priorizar os juizados especiais federais contribui para a justiça social"

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18 de novembro de 2018, 6h00

Paula Carrubba/Anuário da Justiça
Paula Carrubba/Anuário da Justiça

*Esta entrevista foi produzida para o Anuário da Justiça Federal 2019, que será lançado no Superior Tribunal de Justiça na próxima quarta-feira (21/11).

Em tempos de forte contingenciamento financeiro e limites orçamentários impostos pela PEC do Teto de Gastos, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região destina atenção especial aos juizados especiais federais como forma de priorizar a Justiça Social e o atendimento à sociedade. Para o presidente da corte, desembargador Manoel Erhardt, a medida é a mais eficiente de cumprir a função social do Judiciário.

“Entendemos que é uma forma que a Justiça Federal vem apresentando de contribuir para o melhor atendimento à sociedade e também para, dentro do que preconiza o ordenamento jurídico”, afirmou o desembargador, em entrevista para o Anuário da Justiça Federal 2019.

Os juizados especiais federais julgam casos de competência da Justiça Federal com limite de até 60 salários mínimos e foram criadas com o objetivo de acelerar a prestação jurisdicional. As partes não precisam de advogado para entrar com ação e não há cobrança de custos processuais. Há, ainda, uma “segunda instância” específica, a Turma Recursal, o que ajuda a desafogar o TRF-5. 

Na 5ª Região, mais especificamente, julga principalmente causas previdenciárias, matéria de profundo impacto social. Coordenador dos JEFs, o desembargador Élio Siqueira defende a ideia de que seu sucesso contribui para o crescimento da demanda. Em 2017, os juizados bateram a marca de 2 milhões de processos em tramitação, com mais de 1,4 processos julgados.

“A demanda mais acentuada se encontra justamente nos juizados especiais federais. É possível que haja necessidade de maiores investimentos neles para aprimorar a atividade. No entanto, diante das questões orçamentárias eu não vejo como, de imediato, realizar esses investimentos. Pelo menos em grande amplitude”, disse o presidente do TRF-5, que engloba os estados de Pernambuco, Alagoas, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe.

Leia a entrevista:

ConJur — No discurso de posse como presidente do TRF-5, o senhor colocou como prioridade aproximar o Judiciário da sociedade. O objetivo tem sido alcançado? 
Manoel Erhardt —
Devo dizer que existem resultados da concretização desse objetivo. Há uma inserção social do tribunal. Destaco a atenção que tem sido dada aos juizados especiais federais. Temos, dentro das limitações de recursos que se apresenta, priorizado o atendimento aos juizados especiais federais. Também destacamos que o setor de comunicação social tem se prontificado para atender todas as solicitações e que temos preservado um bom relacionamento com todas as instituições que atuam no âmbito judiciário. Ressalto também o bom relacionamento com os demais tribunais, com OAB, com o Ministério Público. Em suma, procuramos criar um clima harmônico que contribua para o bom desenvolvimento da atividade judiciária. 

ConJur — E por que o foco nos juizados especiais federais?
Manoel Erhardt —
Entendemos que os eles trouxeram para a Justiça Federal demandas que, em geral, são postuladas pelas pessoas menos favorecidas economicamente. Entendemos que é uma forma que a Justiça Federal vem apresentando de contribuir para o melhor atendimento à sociedade e também para, dentro do que preconiza o ordenamento jurídico, atender as demandas sociais e dar sua parcela de colaboração para a Justiça Social

ConJur — Qual é a avaliação que o senhor faz da situação da primeira instância da Justiça Federal na 5ª Região?
Manoel Erhardt —
Posso dizer que a primeira instância está em situação boa no que se refere a qualidade e eficiência do trabalho. A corregedoria regional, que neste período é do desembargador Paulo Cordeiro, tem realizado as inspeções ordinárias e constatado uma situação favorável. Parece que a demanda mais acentuada se encontra justamente nos juizados especiais federais. É possível que haja necessidade de maiores investimentos neles para aprimorar a atividade. No entanto, diante das questões orçamentárias eu não vejo como, de imediato, realizar esses investimentos. Pelo menos em grande amplitude.

ConJur — O senhor diria que o TRF-5 está no limite em termos de capacidade processual?
Manoel Erhardt —
Podemos que, realmente, alcançamos o limite no que tange à capacidade de produção dos magistrados, dos servidores do tribunal. Há um acréscimo de demanda e os membros da corte têm se desdobrado para atender. Portanto, realmente, no tribunal, observamos que a capacidade atualmente existente precisa de uma elevação para continuar cumprindo as metas do CNJ.

ConJur — E qual é a explicação para esse aumento contínuo?
Manoel Erhardt —
Observamos que a Justiça Federal tem recebido impacto das intervenções que o poder público ao longo dos anos realiza na sociedade. Elas criam demandas e, diante do sistema constitucional que nós temos, que confere grande abertura de acesso à Justiça, a tendência é a multiplicação dessas demandas. Podemos dizer que é fruto da própria dinâmica da sociedade e da interação muito forte que se dá entre o estado, poder público federal e a sociedade.

ConJur — Para a Justiça Federal, a questão previdenciária é a mais latente?
Manoel Erhardt —
INSS e as questões previdenciárias ocupam grande parte da atividade da Justiça Federal. No nosso caso, se voltarmos à situação dos juizados especiais, podemos dizer que talvez o maior percentual das questões que são submetidas se refere a demandas previdenciárias. Temos um sistema previdenciário gigantesco, centralizado em uma autarquia federal, e as dificuldades surgem na prática e fazem com que as pessoas procurem a Justiça. Então é uma fonte de demandas.

ConJur — A crise econômica recente contribui para esse cenário?
Manoel Erhardt —
Em momentos de crise de um país que tem sistema judiciário cuja constituição assegura o amplo acesso à Justiça, é natural que haja um número acentuado de demandas. As crises levam às mais diversas insatisfações sociais e fazem com que as pessoas encontrem ou pensem no Judiciário como uma solução para os mais diversos problemas. Destacamos aqui a questão previdenciária, mas temos as questões de saúde — muitas demandas que buscam obrigar o estado a atender certas prestações na área de saúde —, e realmente a crise sem dúvida é fator que contribui para acentuar. O CNJ tem estimulado criação de grupos locais, temos inclusive participado do Comitê Estadual de Saúde. 

ConJur — Sobre as dificuldades orçamentárias, existe um rombo no âmbito da Justiça Federal?
Manoel Erhardt —
Não é que há um rombo. Estamos gastando atualmente o que está previsto na legislação. Está rigorosamente de acordo com a Lei Orçamentária. O que se anuncia é que no próximo exercício os recursos seriam ainda mais reduzidos, e se isso acontecer, várias medidas mais drásticas terão de ser tomadas de controle e redução também de custos, e talvez pela amplitude dessas medidas prejuízos possam acontecer efetivamente ao rendimento do trabalho jurisdicional.

ConJur — Uma das estratégias para aumentar a eficiência do tribunal é usar de recursos tecnológicos. O senhor considera que existe um déficit no setor de informática do TRF-5?
Manoel Erhardt —
O tribunal da 5ª região não conseguiu, ao longo dos anos, ser dotado de cargos públicos na área da informática suficientes para atender a demanda. O número é muito pequeno de cargos efetivos no nosso quadro especializado nesta área. Na nossa gestão procuramos, na medida do possível, fazer a conversão de cargos que se destinavam à área judiciária genérica para especialistas em informática. Temos, no entanto, limitações decorrentes das próprias normas orçamentárias para fazermos isso em maior amplitude. É um ponto que também merece ser destacado: a dificuldade de reposição da força de trabalho. 

ConJur — E qual é a dificuldade?
Manoel Erhardt —
Segundo os critérios que estão hoje estabelecidos em razão das limitações orçamentárias, o tribunal somente pode admitir novos servidores se há vaga por decorrente de exoneração do antigo ocupante. Dessa forma, se a vaga decorrer de aposentadoria ou de falecimento, mas com pensionista, o tribunal não pode repor porque haveria acréscimos nos gastos: teria que pagar a aposentadoria e pagar também o novo servidor. De modo que tribunal tem que ficar restrito às situações de exoneração. Por isso, até na área de informática, mesmo com as conversões, o número de novos servidores será bastante reduzido a não ser que se modifique essa regra.

ConJur — Então o quadro do tribunal vem encolhendo em virtude de aposentadorias?
Manoel Erhardt —
Quem se aposenta hoje, a regra é que não tenha substituto. Em razão da limitação orçamentárias, principalmente da emeda do chamado Teto de Gastos, não há como criar despesa nova, e aí, na medida em que aposentadoria também é concedida pelo tribunal – não é concedida pelo INSS, é o tribunal que vai pagar aposentadoria -, vai ter acréscimo de despesa, e isso não é permitido. Só em situações excepcionais, a critério do Conselho da Justiça Federal, é que isso pode acontecer, e realmente é um problema porque a cada mês nós temos algumas aposentadorias. Não é uma só, temos quatro, cinco por mês. Cada vez o quadro vai sendo reduzido sem facilidade de reposição. 

ConJur — Que outros efeitos são causados pela restrição orçamentária?
Manoel Erhardt —
Em razão delas, o tribunal não tem condições de realizar grandes investimentos. A gestão tem que priorizar as atividades que não acarretam grandes dispêndios, de modo que vivemos momentos em que a criatividade do gestor tem que estar presente para continuar desenvolvendo atividade de idêntico nível com recursos menores.

ConJur — Como essa criatividade é exercida?
Manoel Erhardt —
Nós temos algumas restrições em relação ao custeio. Redução nas contas de energia, desligando equipamentos de ar-condicionado em determinados horários. Também temos reduzido o número de estagiários. Em algumas unidades judiciárias, a depender dos juízes, temos admitido para um certo percentual dos servidores o chamado teletrabalho, quando se torna viável, compatível com o rendimento. É uma das formas de economizar recursos. Em suma, são várias medidas em várias frentes que o tribunal vem adotando.

ConJur — Dois anos depois da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, ainda sobram reclamações dos desembargadores. Acredita que falta maior adaptação?
Manoel Erhardt —
A corte se adaptou de imediato ao novo CPC e destaco que a nossa comissão de regimento, que é presidida pelo desembargador Paulo Roberto de Oliveira Lima, desenvolveu um papel muito importante. Antes da vigência do código, a comissão já trabalhou no sentido de elaborar um projeto de reforma do regimento para adequá-lo, de modo que tão logo entrou em vigor a corte já aprovou as alterações regimentais que se faziam necessárias, e aí com facilidade conseguiu se adaptar. Não sou processualista, mas o código foi fruto de muita reflexão, de muito estudo, da colaboração de diversos setores e certamente criou novidades que só o tempo vai dizer se realmente vão surtir os efeitos.

ConJur — Uma das novidades é a instituição do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), que é visto com reservas por alguns desembargadores. Acredita que ele tem, de fato, uniformizado a jurisprudência? 
Manoel Erhardt —
Não vejo com reservas. A maioria dos colegas pensa que há necessidade de instrumentos processuais uniformizem, deem mais segurança à prestação jurisdicional. Hoje é uma realidade que intercorre do CPC, das diretrizes que inspiraram o CPC e das exigências da sociedade. Temos demandas que se multiplicam e é importante que, no âmbito pelo menos de uma corte, haja uniformidade. 

ConJur — Uma das reflexões é que, no âmbito da Justiça Federal, as matérias tratadas em IRDR cedo ou tarde serão apreciadas pelo STJ.
Manoel Erhardt —
Acredito que realmente a grande virtude do instituto é uniformizar, embora sabemos que hoje as cortes que realmente têm esse papel de forma mais enfática são STJ e STF. Mas pelo menos no âmbito local regional e enquanto não sobrevier uma decisão das cortes superiores, a matéria passa a ser decidida de uma forma uniforme.

ConJur — Mesmo diante da possibilidade de uma decisão do STF bater de frente com um IRDR de apreciação local? 
Manoel Erhardt —
No nosso caso, como nós realmente lidamos com a lei federal, há essa ressalva de que seria preferível a solução da questão do âmbito do STJ. Mas sendo possível que a questão demore a chegar àquelas cortes, que provisoriamente se dê a solução local que vão ser apreciada em decisões divergentes em matérias de grande repercussão.

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