Olhar Econômico

Os BRICS correm o risco de reduzirem-se para IC

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

3 de agosto de 2017, 9h00

Spacca
João Grandino Rodas [Spacca]Os Estados, de um lado, continuam ciosos de sua soberania, apesar de a mesma ter sido relativizada através dos tempos. De outro, eles não cessam de juntar-se em organizações internacionais, de diferentes naturezas. Dentre as de cunho predominantemente econômico-comercial, as mais usuais são as organizações internacionais de integração econômica, vulgarmente conhecidas como blocos econômicos. Há, entretanto, outras formas de aproximação entre Estados, como a que une o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul: os Brics. Chama a atenção a colaboração entre países tão díspares, nem todos geograficamente próximos e distribuídos em quatro continentes. Eles diferem em sua história; poderio militar e político; e em desenvolvimento econômico, industrial e comercial. Mas, em contrapartida, apresentam amplitude territorial, dotadas de vastas riquezas de fácil utilização; sendo emergentes em nível equivalente de mercado.

Pelas razões a serem abaixo deduzidas, os Brics podem ser conceituados como: grupo político-econômico de Estados, tidos como emergentes e similares economicamente, que conformaram mecanismo sem status formal de organização internacional, com objetivo de cooperação mútua.

Esse grupo surgiu primeiramente na teoria, passando após a ter vivência real. Estudos, feitos em fins do passado século, no âmbito de um dos maiores bancos de investimentos do globo, o Goldman Sachs, apontou quatro países emergentes — Brasil, Rússia, Índia e China —, como sendo dotados de potencial econômico capaz de, em cerca de cinquenta anos, vir a alcançar peso idêntico às potências globais de então. Em 2001, o economista do citado banco, Jim O’Neill, cunhou para eles a sigla Bric.

Os quatro países, classificados como altamente promissores, aproveitaram o fato de estarem juntos para a reunião da Assembleia-Geral da ONU, em 2006, para materializar o idealizado pelos economistas, tendo dado início ao incremento de interação recíproca; a ações econômicas combinadas; à cooperação científica, técnica e acadêmica; e a relações bilaterais baseadas nos cânones de não interferência, igualdade e benefício mútuo. Tal foi facilitado por já estarem os países em tela vinculados, bilateral e mesmo trilateral e quadrilateralmente, entre si, por uma malha de tratados; além de já colaborarem no G20.

A África do Sul foi admitida como membro em dezembro de 2010, tendo o S (de South Africa) sido acrescido à sigla original. O convite à África do Sul, obedeceu mais a razões políticas do que comerciais a curto prazo, pois é grande a distância desse país, com referência com aos demais, levando-se em conta as mais diversas variáveis. Comprova tal assertiva seu PIB em comparação com os demais partícipes. É a seguinte a ordem de classificação: China, 2º lugar; Índia 7º; Brasil, 9º; Rússia 13º; e África do Sul, 32º. Contudo a economia sul-africana, por ser a mais pujante de seu continente, é, por consequência, porta natural para a África.

O direcionamento dos Brics é dado nas reuniões de cúpula, realizadas, com periodicidade anual, desde 2009. Como exemplo de matérias tratadas em tais encontros, citem-se: (i) abertura de canais de diálogo entre os partícipes; (ii) reforma do sistema financeiro internacional; (iii) coordenação de ações face a interesses comuns; (iv) utilização de moedas locais para importação e exportação entre os partícipes do grupo; (v) legislação antitruste; e (vi) reiteração da adesão ao sistema comercial multilateral aberto e não discriminatório, nos moldes da OMC.

Entretanto o mais notável fruto das cúpulas, foi a criação de órgãos alternativos ao Banco Mundial e ao FMI, com menos condicionalidades, abertas aos países emergentes: (i) o Novo Banco do Desenvolvimento, com sede em Xangai, para impulsionar o comércio, financiar projetos de infraestrutura, fomentar e desenvolver, tanto os Estados partícipes, quanto os demais países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Fixou-se 50 bilhões de dólares como capital inicial, a ser integralizado pelos partícipes, em partes iguais, no prazo de sete anos; (ii) o Arranjo de Reservas de Contingências, com 100 bilhões de dólares, para assegurar a estabilidade econômica dos países participantes, reparando desequilíbrios eventuais de balanço de pagamentos. A assinatura dos acordos criando esses órgãos ocorreram por ocasião da sexta cúpula dos Brics, realizada em Fortaleza, em 2014; a implantação já vem sendo realizada. Tal criações, à margem da vigente ordem econômica internacional, que tem os Estados Unidos da América e a União Europeia, como líderes, representam inovação e desafio.

Possuindo, atualmente, em termos globais, cerca de 21% do PIB, 43% da população, 45% da força laboral, além do maior poder de consumo, a potencialidades dos Brics é enorme. Entretanto, há uma série de empecilhos a serem ultrapassados, antes de materializar essa virtualidade: (i) disputas entre os partícipes asiáticos do grupo; (ii) diferendos comerciais entre partícipes; (iii) trajetórias econômicas divergentes: crescimento rápido da China (que, hoje possui PIB mais elevando que o dos outros quatro partícipes em conjunto) e da Índia; enquanto Rússia, Brasil e África do Sul ralentam.

No correr de 2017, os Brics patrocinarão dois eventos importantes: (i) sua 9ª Cúpula anual, sob o slogan “Parceria mais forte para um futuro mais brilhante” —, a ter lugar em Xangai e Xiamen, de 31 de setembro a 4 de setembro de 2017, que discutirá cooperação em setores-chave da economia de seus partícipes; e (ii) sua 5ª Conferência sobre Concorrência, a se realizar em Brasília, nos dias 9 e 10 de novembro.

O fato de a questão concorrencial figurar na agenda dos Brics decorre da preocupação antitruste de seus partícipes. Cabe relembrar que o Brasil, desde 1962; a Rússia, desde 1991; a Índia, desde 1969; a China, desde 2007; e a África do Sul, possuem e vem atualizando as respectivas legislações concorrenciais.

A discussão de questões concorrenciais pelos Brics, que se institucionalizou pela continuidade de conferências sobre a matéria é salutar, de vez que pode contribuir para diversificar os temas concorrenciais, geralmente discutidos, com a inserção de assuntos importantes para países em desenvolvimento, como a interação entre concorrência e política industrial, mercados informais e competição em mercados socialmente sensíveis. Sendo a matriz do direito concorrencial originária do Canadá e dos Estados Unidos da América, mais tarde desenvolvida, com o auxílio do Mercado Comum Europeu/União Europeia, esses temas nem sempre são valorizados.

Enquanto esses dois eventos de 2017 demonstram a vitalidade dos Brics, o Brasil, por seu turno, situa-se desconfortavelmente no seio do grupo, em virtude, da falta de crescimento econômico, da grande dependência da venda de commodities e das crises políticas. É o momento de prestar atenção às palavras de Jim O'Neill: “Se Brasil, Rússia e África do Sul não recuperarem seu rumo de desenvolvimento, até o final da presente década, a sigla corre o risco de ser reduzida para ‘IC’ ”. Face às circunstâncias que nosso país atravessa, essa advertência parece ser mais séria para o Brasil.

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    é professor titular da Faculdade de Direito da USP, presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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