Poucas propostas

Audiência do MP-RJ sobre segurança pública tem clima de estádio e ofensas

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2 de agosto de 2017, 20h00

A audiência pública promovida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro nesta segunda-feira (31/7) para debater segurança pública teve apelos pela paz, críticas à violência de traficantes e policiais, relatos do impacto dela na vida dos cariocas e até uma briga envolvendo um promotor que quase descambou para as vias de fato. Propostas, porém, quase não apareceram.

Sérgio Rodas
Na audiência, representantes de favelas pediram o fim da violência policial.
Sérgio Rodas/ConJur

A presidente da sessão, promotora Andréa Amin, afirmou à ConJur ser natural que audiências públicas não apresentem sugestões em um primeiro momento. Isso não significa que elas não virão ou que a reunião foi improdutiva. Ela disse que agora consolidará as informações do encontro e as apresentará semana que vem ao secretário de Segurança do Rio, Roberto Sá. Com base nesses dados e nas próximas audiências, as ideias passarão a ser oferecidas.

Fogo cruzado
Da forma como a plateia se dividiu, o auditório parecia uma arquibancada de estádio de futebol. Do lado esquerdo de quem estava no palco, de frente para o público, havia cerca de 15 moradores de comunidades vestindo uma camiseta amarela com a frase “as favelas pedem paz”, adornada por uma pomba. Também havia membros desse grupo “à paisana”, estudantes e professores.

Já o lado direito foi dominado por policiais militares — cerca de 50 integrantes da corporação, a maioria cadetes em formação, estavam lá. Tal setor ainda agrupava integrantes do MP e da Defensoria Pública. O clima de arena esportiva esteve presente durante toda a audiência.

Sérgio Rodas
Policiais militares solicitaram mais respeito e melhores condições de trabalho.
Sérgio Rodas

Ao abrir a sessão, o procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, fez um discurso conciliador, reconhecendo tanto as dificuldades enfrentadas por moradores de favela quanto as de policiais. Ele citou dados — 920 mortos pela polícia e 38 policiais mortos em serviço em 2016 —, mas ressaltou que “os números não mostram a degradação de nossa vida em sociedade”. Para mudar esse cenário, defendeu uma atuação conjunta de MP, Defensoria Pública, Secretaria de Segurança Pública, Polícia Militar e Polícia Civil.

Em sua vez, a promotora Andrea Amin exibiu um vídeo do jornal Voz das Comunidades sobre a percepção da violência no Rio. Nele, pessoas passando pelo calçadão do Leblon ouvem sons de tiros e são questionadas sobre o local onde esses áudios foram gravados. As respostas indicavam países do Oriente Médio: Afeganistão, Iraque, Síria. Surpresos, os transeuntes descobrem que o barulho dos disparos foi gravado em favelas do Rio.

Para o coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Itamar Silva, o vídeo mostra a desigualdade da percepção da violência na capital fluminense. “Quem mora no asfalto não tem ciência disso. Mas a gente [moradores de favelas] vive essa realidade há muitos anos.”

Segundo Silva, a sociedade não pode mais aceitar que a polícia “cumpra um papel de capataz” perante pobres e negros para oferecer conforto à outra parte dos brasileiros. A segurança tem que ser para todos, disse.

Na mesma linha, a fundadora da Redes da Maré, Eliana Sousa Silva, criticou a forma como o poder público enxerga os moradores de favelas. “Enquanto o Estado achar que as pessoas que moram nas favelas se confundem com os que se envolvem em crimes, dificilmente vamos avançar numa agenda em que o direito à segurança pública seja para todos.”

Os dois foram aplaudidos por representantes das comunidades, mas não receberam o apoio de nenhum policial. Alguns dos oficiais, no entanto, se dobraram ao discurso enérgico da professora da Universidade Federal Fluminense Jaqueline de Oliveira Muniz — que foi ovacionada pelo lado esquerdo do auditório. A antropóloga pediu união no combate à violência e opinou que, enquanto policiais e moradores de favelas morrem diariamente, os senhores da guerra capitalizam em cima dos conflitos.

Em seguida, o promotor de Justiça Paulo Roberto Mello Cunha Júnior chamou a atenção para a saúde mental dos policiais, ao passo que o secretário municipal de Educação, César Benjamin, contou que as escolas públicas estão combatendo a violência dentro de seus muros por meios de campanhas contra o racismo e a homofobia.

Retomando o vídeo do Voz das Comunidades, o defensor público-geral do Rio de Janeiro, André Luís Machado de Castro, disse ter ficado surpreso por as pessoas não saberem que existe uma guerra urbana em sua cidade. Ele também se mostrou frustrado com a insistência das autoridades em recorrer a medidas que não funcionaram no passado, como o uso das Forças Armadas no patrulhamento das ruas e rodovias do Rio. E sempre “seguindo a mesma política de combate às drogas, que não tem produzido nenhum resultado em nosso país”. Castro recebeu o mesmo padrão de aplausos de Jaqueline Muniz.

O mesmo não ocorreu com o deputado estadual Marcelo Freixo (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio. Depois de dizer que o maior modelo de crime organizado não está em nenhuma favela, e sim no Palácio Laranjeiras — residência oficial do governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB) —, ele foi ovacionado pelo lado esquerdo da plateia. Nenhum policial bateu palmas, mas eles tinham motivos para fazê-lo, lembrou o parlamentar. “Policiais não podem aplaudir [uma vez que o governador é o líder da corporação], embora ainda não tenham recebido o 13º salário de 2016.”

Freixo também afirmou que, ao contrário do que é comumente apregoado, a defesa dos direitos humanos beneficia os policiais. E mais: o deputado declarou que a corporação não é representada por “fascistas de plantão”, fazendo referência ao deputado federal Jair Bolsonaro (PEN-RJ) e seus filhos.

“Os senhores deveriam ser os primeiros a defender a política de direitos humanos, porque os senhores têm que ser os primeiros beneficiados por ela. Não é possível que fascistas de plantão digam que representam vocês. O fascismo é uma ameaça à democracia. Queremos uma política de segurança eficaz porque queremos democracia para todos”, destacou Freixo, sem conquistar o apoio dos PMs.

Já o chefe da Polícia Civil do Rio, Carlos Augusto Leva, pediu investimentos na instituição e reconheceu que ela tem que entregar melhores resultados.

O comandante-geral da PM, Wolney Dias Ferreira, isentou a corporação por atos corruptos e racistas. “Na PM, praticamos os valores que foram naturalizados por essa sociedade. Se a nossa polícia é corrupta, truculenta, ela só pratica valores que estão enraizados na nossa sociedade, porque nós nunca ensinamos isso em nossos bancos escolares”, afirmou. Pela primeira vez, os policiais aplaudiram em peso, enquanto o lado esquerdo ficou mudo.

Sérgio Rodas
Roberto Sá afirmou que a crise econômica do Rio dificulta o combate à criminalidade.
Sérgio Rodas/ConJur

Última autoridade da mesa a falar, o secretário de Segurança do Rio, Roberto Sá, ressaltou estar de mãos atadas com a crise econômica do estado. Esta, conforme ele, impede que 8 mil policiais sejam colocados nas ruas. Sá também criticou o fato de ser bombardeado por “200 milhões de especialistas” com “sugestões mágicas” para a crise de segurança.

Quando voltou a falar, no fim da audiência pública, Sá ainda opinou que se pode discutir a descriminalização das drogas, mas que, enquanto a prática for crime, é preciso reprimi-la. O integrante do governo Pezão também avaliou que a União deve assumir a responsabilidade de fiscalizar áreas federais, como fronteiras, portos e aeroportos.

Ânimos acirrados
O clima da sessão esquentou quando foi aberta a participação do público. O engenheiro e ativista Roberto Motta — um dos palestrantes do polêmico evento do MP-RJ sobre segurança pública que acontecerá em setembro — opinou que o problema não está na polícia, e sim nos criminosos. A seu ver, não há diferença entre as favelas do Rio e o Posto 6 de Copacabana, onde mora, que virou “uma praça de guerra”.

Na visão de Motta, os bandidos possuem direitos demais, como “curtos” períodos de internação para adolescentes, progressão de regime após o cumprimento de menos da metade da pena, que “coloca criminosos perigosos nas ruas”, e audiência de custódia, cujo “único objetivo é ver o bem-estar do preso, não o da vítima”.

“Há um grande número de entidades que acham que o problema é de rico contra pobre, e branco contra negro, mas ele é do bem contra o mal. A resposta é clara: é preciso mudar a lei, acertar a moral e honrar quem nos defende e protege”, analisou Motta.

Policiais aplaudiram sua fala, mas o ativista foi vaiado por alguns espectadores. Foi nessa hora que o promotor Marcus Vinicius da Costa Moraes Leite se levantou e protestou contra a manifestação. “Não tem respeito, só tem índio nessa porra!”, gritou. Indignados, representantes das favelas o confrontaram — e a segurança teve que interferir para evitar que socos fossem desferidos. Procurado pela ConJur, Leite não se manifestou sobre o motivo de usar "índio" como xingamento.

No entanto, as rixas não pararam por aí. O procurador de Justiça do MP-RJ Marcelo Rocha Monteiro — outro que discursará no seminário da instituição que foi criticado por profissionais do Direito — destacou que até hoje o Rio colhe os frutos da “visão ideologizada de segurança pública” do ex-governador Leonel Brizola. Implementada nos anos 1980, ela baniu operações policiais nas favelas e fortaleceu o tráfico, opinou Monteiro.

O procurador defende que é preciso controlar a polícia, mas criticou a suposta falta de pedidos para fiscalizar traficantes. “É claro que todos os órgãos públicos precisam de controle. Mas tem alguém aqui querendo controlar os traficantes? Se a prioridade for controlar a polícia, e não a segurança, daqui a 35 anos teremos o mesmo cenário.”

Mordendo uma isca que não tinha sido lançada para ele, o procurador resolveu rebater a declaração do deputado Marcelo Freixo. “Não há nada mais fascista do que rotular de fascistas aqueles que pensam diferente da gente. Aqui é uma casa de pluralidade. Nós queremos que sejam algemadas as mãos dos criminosos, não as dos policiais que nos defendem.”

Um representante das favelas, porém, não comprou o discurso do procurador, e disse em voz alta: “Algeme então as mãos do Sérgio Cabral”. O ataque ecoou a crítica de que o MP-RJ se omitiu enquanto o então governador implementava um extenso esquema de corrupção no estado, desvendado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal.

Contra-ataque
Porém, as críticas de Roberto Motta e Marcelo Monteiro não passaram batido. O promotor Tiago Joffily convocou o MP-RJ a fazer uma autocrítica de sua atuação, e não apenas apontar o dedo para a polícia.

Aliás, controlar essa corporação não é uma escolha, e sim uma missão constitucional do MP, lembrou. Ele também avaliou que a instituição tem problemas com a política de direitos humanos e que precisa resolvê-los antes de ir a público oferecendo soluções para a violência urbana. “Segurança pública é algo muito mais amplo do que a repressão do crime organizado.”

O MP também falha ao apresentar denúncias por tráfico de drogas baseadas apenas na palavra de policiais, declarou o advogado Djefferson Amadeus, que disse ser “inadmissível para um Estado Democrático de Direito” que alguém seja condenado apenas por causa dessa prova.

O professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Ignacio Cano afirmou ser preciso acabar com a política de confronto. Em sua análise, não é aceitável fazer operações policiais perto de escolas no horário das aulas nem matar moradores do Complexo do Alemão para instalar uma torre da polícia no local. “Os policiais militares não podem se manifestar sobre o assunto, mas se pudessem, veríamos como eles próprios não querem conflitos”, assegurou Cano.

O professor quer que os policiais ajam como o fazem em seus bicos na segurança privada. De acordo com ele, nessa função, nenhum deles sai atirando ou agredindo as pessoas — até porque, se agisse dessa forma, prejudicaria o negócio que foi contratado para proteger, e não voltaria a ser contratado.

O ouvidor da Defensoria Pública do Rio, Pedro Strozenberg, lamentou que o Judiciário não estivesse presente na audiência. Ele avaliou que segurança pública “não é só questão de polícia”. O tema, a seu ver, também envolve educação, saúde e moradia.

Policiais que têm essa visão ainda defenderam a instituição de colégios militares como forma de educar melhor os jovens e afastá-los da criminalidade.

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