Princípio da correlação

MP erra verbo e acusado é absolvido de receptação de celular roubado

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30 de abril de 2017, 7h52

Os verbos “receber” e “adquirir” têm natureza mista na tipificação do crime de receptação de bem que é produto de crime, como mostra a redação do artigo 180 do Código Penal. Assim, se a denúncia descreve “recebimento” e a instrução processual revela “aquisição” do bem, o réu não pode ser condenado por outra ação. Logo, deve ser absolvido por insuficiência probatória com relação ao fato narrado na inicial, com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Com esta fundamentação, a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reverteu  a condenação  de um homem flagrado pela polícia com um aparelho celular — posteriormente, devolvido às vitimas, que não o reconheceram como o autor do roubo. À polícia e à Justiça, ele afirmou que comprou o aparelho por R$ 150 numa lan house de Porto Alegre, mas ignorava sua procedência ilegal.

O relator da Apelação Criminal, desembargador Ícaro Carvalho de Bem Osório, observou que a escolha exclusiva do verbo "receber", pelo Ministério Público, não está de acordo com os elementos do processo nem ampara a prova judicial produzida. Para o magistrado, incide na seara penal o princípio da correlação. Assim, a formação de culpa deve estar atrelada aos fatos narrados na inicial. Ou seja, o juiz não pode condenar alguém por "contornos estranhos" aos dados fornecidos na peça de acusação.

"A equivocada escolha verbal ministerial se perpetuou ao longo do processo ante o não aditamento à denúncia e sendo vedada a figura da mutatio libelli [modificar a descrição do fato] neste grau de jurisdição, torna-se imperiosa a reforma da sentença de primeiro grau a fim de absolver [o réu], frente à ausência de provas acerca do fato (receptação, na modalidade receber)", escreveu Osório no acórdão, lavrado na sessão de 23 de março.

A denúncia do Ministério Público diz que, entre os dias 28 e 30 de abril de 2013, o denunciado recebeu, em proveito próprio, um telefone celular avaliado em R$ 400, sabendo se tratar de produto de roubo — ocorrido dois dias antes. Na peça inicial, ele foi incurso nas sanções do artigo 180, caput, do Código Penal ("adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime").

No primeiro grau, o juiz João Luís Pires Tedesco, da 1ª Vara Criminal do Foro Regional do Partenon, em Porto Alegre, julgou procedente a denúncia. Para ele, a materialidade do crime ficou demonstrada pelo boletim de ocorrência, pelo auto-de-restituição do aparelho celular e pela prova oral colhida no processo. Já a autoria foi demonstrada pela prisão em flagrante do denunciado, que estava de posse do celular, bem como pelo contexto probatório anexado aos autos. Ambos na forma dolosa.

"Não é razoável que uma pessoa de conhecimento mediano venha a adquirir um telefone celular em uma ‘lojinha’, a qual, segundo a testemunha, é conhecida por vender objetos de origem ilícita adquiridos de ‘viciados em drogas’, sem qualquer documento a  emprestar algum cunho de legitimidade a sua origem, notadamente por um preço correspondente a, no mínimo,  metade do valor de avaliação do bem (…), sem que tivesse ciência de que o objeto somente poderia  ser mesmo de procedência ilícita", registrou na sentença.

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