Conversa alheia

Obrigar suspeito a usar viva-voz equivale a interceptar ligação sem autorização

Autor

28 de abril de 2017, 7h49

Não é apenas o grampo telefônico que é proibido sem autorização judicial. A polícia também não tem o direito de obrigar um suspeito a falar no telefone usando o viva-voz, para escutar sua conversa. Por isso, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou as provas de um caso e absolveu um homem preso em flagrante com base em telefonema que ele recebeu da mãe.

Policiais militares de Campos dos Goytacazes (RJ) relataram que, durante um patrulhamento, perceberam “nervosismo” em dois homens que trafegavam em uma moto e resolveram abordá-los. Os PMs não encontraram nada na revista, mas, quando tocou o celular de um dos suspeitos, eles mandaram que a conversa fosse colocada no modo viva-voz.

Do outro lado da linha, a mãe de um dos homens pedia que o filho retornasse à casa e entregasse certo “material” para alguém que o aguardava. Os policiais foram então até o local e encontraram 11 gramas de crack em 104 embalagens plásticas.

Reprodução
Qualquer tipo de prova que dependa do réu só vale se obtida de forma voluntária e consciente, diz Joel Ilan Paciornik.
Reprodução

Em primeira instância, o dono do celular foi condenado a sete anos de prisão por tráfico de drogas, em regime fechado. Já o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu absolvê-lo por avaliar que houve interceptação telefônica sem aval judicial, anulando todas as provas colhidas a partir dessa medida.

O TJ-RJ concluiu que o réu foi forçado a atender o celular no viva-voz, pois não teria sentido decidir por vontade própria expor sua conversa comprometedora no momento em que era submetido a uma abordagem policial. A corte fluminense ainda colocou em dúvida se os policiais, desprovidos de mandado judicial, ingressaram na casa mediante convite espontâneo do suspeito e de sua mãe.

O Ministério Público alegou ao STJ que a atuação dos policiais não se assemelharia à quebra ilegal do sigilo telefônico. Para o MP-RJ, a abordagem policial baseou-se em atividade suspeita, e não por causa de investigação já em curso.

Frutos da árvore envenenada
O relator do recurso, ministro Joel Ilan Paciornik, disse em seu voto que a interceptação telefônica é hoje um dos principais instrumentos de colheita de prova contra o crime organizado, especialmente nos casos de tráfico de entorpecentes. Apesar disso, considerou que houve no caso “má conduta policial, gerando uma verdadeira autoincriminação”.

“Não se pode perder de vista que qualquer tipo de prova contra o réu que dependa dele mesmo só vale se o ato for feito de forma voluntária e consciente”, ponderou o relator. Paciornik apontou que houve contaminação da prova, situação ilícita descrita pela teoria dos frutos da árvore envenenada e consagrada no artigo 5º, inciso LVI, da Constituição.

O entendimento foi acompanhado de forma unânime pela 5ª Turma. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1.630.097

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!