Opinião

Retirar-se de sociedade pode ser melhor do que excluir sócio indesejado

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27 de abril de 2017, 9h00

“Em 2014, a PAS estimou a existência de 1.332.260 empresas cuja atividade principal pertencia ao âmbito de serviços não financeiros, que totalizaram R$ 1,4 trilhão em receita operacional líquida, ocuparam 13 milhões de pessoas e pagaram R$ 289,7 bilhões de reais em salários, retiras e outras remunerações. O setor de serviços despendeu, em 2014, uma proporção de 49,1% do valor adicionado sob a forma de gastos com pessoal, com os encargos representando 30,0% do total destes gastos.[i]”

Com esta frase o site oficial do IBGE resume bem a importância atual do setor de serviços na economia brasileira. Desse grande número de entidades atuantes no setor de serviços boa parte certamente é constituída sob a forma da sociedade limitada[ii].

Como em qualquer setor, os sócios de sociedades destinadas ao desenvolvimento de serviços se desentendem. Apesar de não existirem estatísticas específicas sobre a matéria, por intuição e experiência podemos supor que na verdade neste setor os desentendimentos entre sócios são ainda mais comuns, posto que em muitos casos os negócios no setor de serviços demandam grande pessoalidade dos sócios nas operações e constante interação entre si.

Diante de um desentendimento grave entre os sócios uma solução rápida pode ser crucial para que a conflito não gere grandes perdas para todos os envolvidos. Os sócios envoltos em um conflito, no melhor dos casos, perdem tempo e produtividade, prejudicando os resultados da sociedade, sobretudo se o negócio é puramente de serviço e lhes exige envolvimento pessoal na operação.

Focamos aqui nas sociedades que desenvolvem atividades puramente de serviço, como consultórios, consultorias, agências, corretoras, em que o trabalho é o principal ou único fator de produção, incluindo a figura dos sócios como central na prestação dos serviços ao cliente final.

Nessas sociedades o patrimônio da pessoa jurídica pode ser praticamente nulo, podendo em muitos casos seu ativo ser constituído basicamente de uma marca (por vezes sem grande relevância) e alguns computadores. O negócio gira em torno das pessoas, sejam colaboradores, clientes, parceiros etc. As próprias relações com os clientes muitas vezes são de trato instantâneo, de curtíssimo prazo, sem exclusividade, com contratos que não constituem ativo em razão da possibilidade de rescisão imediata sem qualquer penalidade.

Diante de um conflito entre os sócios a reação comum dos envolvidos é de pretender a exclusão do lado oposto da sociedade. O artigo 1.085 do Código Civil, neste sentido, prevê que “quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.”

A solução pode ser boa, podendo causar a exclusão de sócios minoritários extrajudicialmente, de forma relativamente rápida. Todavia, são vários os casos em que não é aplicável, como por exemplo: a) caso nenhum dos interessados possua mais de 50% do capital social; b) caso, mesmo tendo o interessado mais de 50% do capital social, não haja previsão da exclusão por justa causa no contrato social[iii]; c) caso apesar dos desentendimentos o sócio minoritário não tenha cometido nenhum ato de inegável gravidade[iv]…

Nos dois primeiros casos, desde que realmente cometido um ato de inegável gravidade, resta a via judicial para requerer a exclusão do sócio indesejado, na forma do artigo 1.030 do Código Civil. Mas a via judicial é uma novela sem fim, que certamente não terá solução definitiva em menos de 5 anos, em diversos casos demandando mais de 10 anos[v].

Portanto, a via judicial é totalmente inservível aos sócios e à sociedade, podendo inviabilizar o negócio, posto que os litigantes continuarão sócios entre si enquanto trocam acusações por escrito através de seus advogados e possivelmente algumas ofensas pessoais.

Mesmo nos casos em que seja viável a solução extrajudicial, na prática a providência requer um certo tempo e alguns procedimentos burocráticos tormentosos, demandando o envolvimento dos sócios, gerando instabilidade e podendo importar em perda de clientes, colaboradores, oportunidades.

Nesse cenário, enquanto a reação normal dos sócios é no sentido de querer expulsar o sócio indesejado, o fato é que muitas vezes a exclusão dele não faz qualquer sentido do ponto de vista financeiro, comercial ou jurídico.

O sócio excluído, judicial ou extrajudicialmente, terá direito a receber haveres em razão da dissolução parcial decorrente de sua exclusão, o que no silêncio do contrato social e/ou acordo de sócios, será igual ao seu percentual de participação aplicado sobre o patrimônio líquido da sociedade. Não existindo regra específica estipulada entre os sócios, cabe aos que ficam promover a apuração dos haveres e pagar o excluído em 90 dias, podendo o Judiciário ser acionado para resolver divergências.

Aos que ficam caberá também a gestão dos passivos e obrigações de qualquer natureza[vi]. O sócio excluído tem o direito de receber seus haveres, pode concorrer livremente com a sociedade, pode abordar os clientes, fornecedores, colaboradores e parceiros da sociedade para trabalhar consigo no novo negócio, pode modelar seu novo negócio concorrente com estrutura de custos adequada…[vii]

A ideia natural de excluir o outro sócio é, portanto, em muitos casos, uma péssima ideia. Quem exclui paga haveres, fica com o custo operacional do negócio, não tem garantia de que os clientes, colaboradores, parceiros, fornecedores permanecerão, tem um turbulento procedimento extrajudicial para executar e ainda corre o risco de a justiça anular a exclusão, fazendo retornar o sócio indesejado e lhe garantindo o pagamento de retiradas retroativas.

Nesses casos a saída mais fácil pode ser justamente a contrária, retirar-se da sociedade e deixar os sócios indesejados com o CNPJ. Afinal, devem os envolvidos refletir por qual razão estão dispostos a comprar uma briga por um CNPJ. Destacamos mais uma vez que estamos focando em negócios puramente de serviços, sem ativos relevantes. Uma sociedade nesses casos pode ser apenas um pedaço de papel com vários registros, cadastros, inscrições, contratos sem exclusividade e passíveis de rescisão sem custo… nada que não possa ser feito novamente em poucos dias, com menos riscos, despesas e esforços do que a exclusão.

Para essa outra perspectiva o Código Civil, artigo 1.029, prevê a possibilidade de denúncia da sociedade de prazo indeterminado por qualquer sócio, sem a necessidade de qualquer justificativa, sem que os demais sócios possam se opor, sem que qualquer juiz possa futuramente anular o ato e ainda com direito a receber haveres. A única formalidade necessária é a notificação com aviso prévio de 60 dias.

Entregue a notificação [viii], em regra, nada obsta que durante o aviso prévio os retirantes constituam nova sociedade para concorrer com a antiga, informando todos os clientes, fornecedores, parceiros e colaboradores, ou seja, aquilo que realmente importa para esse tipo de negócio, as pessoas. Podem também requerer todos os cadastros, registros, inscrições e firmar contratos perante terceiros, públicos e privados.

Enquanto os sócios remanescentes gerem o “pepino” de um negócio inchado, com estrutura que pode não ser compatível com o seu tamanho após a rescisão dos contratos dos clientes que preferirem fazer negócio com a nova sociedade, os retirantes modelam uma nova estrutura, totalmente condizente com seu porte e brigam apenas para receber haveres (e não para pagar, como seria se promovessem a exclusão).

Os retirantes, contudo, devem tomar as devidas cautelas para que seus atos de concorrência sejam lícitos, não deixando margem para configuração de crimes de concorrência desleal. Mas é importante notar que a concorrência leal e transparente, com a abordagem de clientes, parceiros, fornecedores e colaboradores, mediante o esclarecimento da retirada, não constitui ilícito algum.

Clientes, parceiros, fornecedores e colaboradores são pessoas e não coisas, e como tal não podem ser de propriedade de ninguém.[ix] [x]. Os contratos com essas pessoas podem, em vários casos, ser facilmente rescindidos dentro do mesmo prazo do aviso do sócio. A concorrência da nova sociedade com a antiga sem que qualquer pessoa seja induzida em erro e sem que sejam violados segredos e ativos, configurar-se-á totalmente lícita, como deve ser a concorrência entre quaisquer outras entidades atuantes no mesmo mercado.[xi]

Com efeito, nessas circunstâncias os sócios devem desapegar do CNPJ e do ego, ilusões que podem não lhes trazer nada mais do que perda de tempo e dinheiro, além de grande abalo emocional em boa parte desnecessário.


i IBGE, disponível em: http://brasilemsintese.ibge.gov.br/servicos.html, acessado em 25 de abril de 2017.

ii DREI, disponível em: http://drei.smpe.gov.br/assuntos/estatisticas/pasta-relatorio-estatistico-mensal-nacional-2017/01-relatorio-estatistico-mensal-janeiro2017.pdf, acessado em 25 de abril de 2017. O relatório aponta que cerca de 1/3 dos registros de constituição de empresas perante as Juntas Comerciais em janeiro de 2017 foram de sociedades empresárias do tipo limitada.

iii Nesta hipótese, se o sócio interessado possui mais de 75% do capital social, poderá previamente alterar o contrato social, incluindo a exclusão por justa causa, e posteriormente realizar a exclusão extrajudicial, correndo risco de uma interpretação mais restrita pelo judiciário que aponte pela necessidade de justa causa posterior à previsão do contrato social.

iv Em muitos casos o motivo do desentendimento entre os sócios é o fato de um deles não se empenhar como os outros na atividade, mas essa situação não seria facilmente admitida pelo judiciário como ato de inegável gravidade, sendo recomendável que exista acordo entre os sócios prevendo o envolvimento pessoal para maior segurança neste sentido. A prova dos atos de inegável gravidade é outro entrave que deve ser considerado.

v A arbitragem pode ser uma solução mais rápida, mas é preciso que os sócios acordem essa forma de solução do conflito e os custos não são acessíveis para negócios menores.

vi Obviamente o sócio excluído deve se preocupar com eventuais passivos de natureza trabalhista e, se administrador, tributária, além de eventuais passivos decorrentes de fianças e avais, que poderão ser redirecionadas a ele caso a sociedade não realize os correspondentes pagamentos. Mas, caso a sociedade seja solvente, o custo será da própria sociedade e a preocupação caberá exclusivamente aos que ficam.

vii Desde que não existam acordos válidos de não concorrência, devendo se observar que a validade desses acordos nos casos de sociedades puramente de serviços é discutível, não podendo privar o excluído do próprio sustento e do exercício da sua profissão.

viii O sócio indesejado ao receber a notificação pode apontar que também não possui interesse no negócio, hipótese em que será determinada a dissolução total e o plano de constituição da nova sociedade também pode seguir normalmente.

ix Conforme leciona Ivo Waisberg: “Muito se discute acerca de ser a clientela parte integrante do estabelecimento empresarial. Para que fosse considerada um elemento do estabelecimento, a clientela teria de ser tida como um bem, o que, realmente, ela não é. Trata-se simplesmente de um conjunto de pessoas, os clientes da sociedade empresária. Por isso, não existe titularidade sobre ela, tampouco pode ser objeto de um negócio jurídico autônomo. É por meio do estabelecimento empresarial ou de seus elementos individuais, como a marca, que se contratam negócios jurídicos capazes de, em tese, transferir a clientela. E é por meio das normas de repressão à concorrência desleal e da não concorrência (art. 1.147 do CC) que o empresário tem sua clientela protegida dos concorrentes. Na verdade, a clientela é um elemento do aviamento e, consequentemente, um atributo do estabelecimento. Assim, quanto maior a clientela, maior o potencial valor do aviamento e, portanto, do estabelecimento. A clientela pode ser objetiva, ligada e fatores não pessoais do estabelecimento, como a marca, por exemplo, ou subjetiva, ligada à figura do empresário (…) ” (p. 86, vol. 6. Tratado de Direito Comercial: Estabelecimento Empresarial, Propriedade Intelectual, Direito da Concorrência. Trespasse. Coordenador Fabio Ulhôa Coelho).

x Marcus Elídius Michelli de Almeida leciona neste sentido que “no aliciamento, o que ocorre é a contratação de um empregado, oferecendo alguma vantagem a este e tendo por finalidade o simples fato de prejudicar o concorrente. ” (Abuso do direito e concorrência desleal – atualizado com o Novo Código Civil. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2004. pág. 146). Não basta, portanto, a mera contratação do funcionário, mas sim a finalidade de prejudicar o concorrente.

xi A concorrência desleal pode ser classificada em específica, cujas práticas empresariais estão devidamente tipificadas como crime no artigo 195, da Lei 9.279/96 (LPI), e genérica, cujas práticas empresariais não são tipificadas como crime, gerando apenas e tão somente a indenização por perdas e danos, nos termos do artigo 209 da mesma Lei. Para Fábio Ulhoa Coelho (Curso de Direito Comercial, vol. 1, 12ª ED., 2008, ED. Saraiva), “A concorrência desleal específica se viabiliza, basicamente, através de violação do segredo de empresa ou pela indução do consumidor em erro.” (pág. 193).

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