Opinião

Reforma trabalhista desequilibra negociação coletiva em favor de empregadores

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23 de abril de 2017, 7h30

Os contratos de trabalho são contratos de trato sucessivo, de execução continuada, que tendem a se prolongar no tempo, com duração indeterminada. Aliás, o princípio da continuidade da relação de emprego busca exatamente isso, que os contratos de trabalho tenham duração de vários anos, quiçá até toda a vida profissional do trabalhador. Evidentemente, entretanto, os salários, que são a contraprestação devida em troca do trabalho, não podem ficar “congelados” durante os vários anos de duração da relação de emprego – caso contrário, o valor real dos salários seria corroído pela inflação.

Aliás, em quaisquer contratos de longa duração existe a previsão de reajustes dos preços com base em algum índice de inflação. Nas locações de bens imóveis, por exemplo, é costumeira a utilização do IGP-M como índice de atualização dos aluguéis. Os preços cobrados pelas construtoras nas promessas de compra e venda de imóveis costumam ser reajustadas pelo INCC. As tarifas cobradas pelo fornecimento de energia elétrica ou telecomunicações são reajustadas anualmente por índices determinados pelas agências regulatórias competentes (Aneel e Anatel). Em outros contratos de longa duração, como os contratos de prestação de serviços, pode ser convencionado algum outro índice de inflação para o reajuste dos preços, como o IPC-A ou o INPC. Como visto, o reajuste anual do preço pela inflação é um costume no direito brasileiro (artigo 113 do Código Civil).

Mesmo naqueles contratos de longa duração em que não há a previsão de um índice de reajuste dos preços, o reajuste pode ser obtido judicialmente, com base na teoria da imprevisão, disciplinada pelo artigo 317 do Código Civil. O Enunciado 17, da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, inclusive, esclarece que a expressão “motivos imprevisíveis” constante do artigo 317 do Código Civil abrange causas previsíveis, mas de resultados imprevisíveis, como é o caso da inflação. Nesse contexto, verifica-se claramente que o reajuste anual dos salários, tanto quanto um direito dos trabalhadores, é uma verdadeira necessidade para que seja preservado o equilíbrio entre as prestações do empregado (prestar trabalho) e do empregador (contraprestar salário) no âmbito do contrato de trabalho e se confunde com a própria estrutura ou base objetiva do negócio jurídico em que consiste o contrato de trabalho.

A Política Salarial brasileira transferiu para a negociação coletiva a discussão sobre os acréscimos salariais, por meio do artigo 1º da Lei 8.542/1992, do artigo 26 da Lei 8.880/1994 e do artigo 10 da Lei 10.192/2001. Combinado com a necessidade de “comum acordo” para a instauração de instância em matéria de dissídios coletivos de natureza econômica, determinada pelo artigo 114, parágrafo 2º, da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004, esse cenário normativo restringiu demasiadamente os reajustes salariais, que passaram a depender da negociação de contrapartidas entre as categorias profissional e econômica.

Portanto, é preciso distinguir os meros reajustes salariais, cuja finalidade é a preservação do valor real dos salários frente à desvalorização provocada pela inflação, dos aumentos reais de salários, acima da inflação, que frequentemente acontecem nas negociações coletivas. Os reajustes salariais consistem na mera reposição da inflação, não significam qualquer acréscimo na contraprestação devida aos trabalhadores; já os aumentos reais de salários são conquistas das categorias profissionais, são verdadeiros aumentos do patamar de contraprestação pelo trabalho.

Se, por um lado, faz bastante sentido que os aumentos reais de salários sejam objeto de negociação coletiva, e que sejam estabelecidas contrapartidas para esses aumentos na negociação coletiva, não faz o menor sentido, por outro lado, que os meros reajustes salariais fiquem dependentes da concessão de contrapartidas pelos trabalhadores. No primeiro caso, em que há aumento real da contraprestação, é bastante coerente que alguma vantagem compensatória seja negociada em favor das empresas. No segundo caso, entretanto, não faz o menor sentido que os trabalhadores precisem oferecer quaisquer contrapartidas para a preservação do valor real dos respectivos salários contra os efeitos da inflação, na medida em que se trata de um direito atribuído em quaisquer contratos de longa duração e da própria preservação do equilíbrio inicialmente estabelecido entre os valores do trabalho e do salário.

A reforma trabalhista que está sendo construída no PL 6.787/2016, tanto em sua redação original quanto pelo substitutivo do relator, irá empurrar os trabalhadores para uma negociação coletiva absolutamente desequilibrada, em que os trabalhadores poderão se ver obrigados a fazer grandes concessões para as empresas unicamente em troca da preservação do valor real dos seus salários – ou nem mesmo isso, pois em alguns casos os reajustes salariais são negociados abaixo da inflação do período. Por todas essas razões, parece clara a necessidade de que seja aprimorado o substitutivo apresentado PL 6.787/2016, de modo a ficar claro que os meros reajustes salariais não podem ser considerados cláusulas compensatórias da flexibilização de direitos, assim como que, uma vez frustrada a negociação coletiva, será possível o ajuizamento de dissídios coletivos ou individuais para a preservação do valor real dos salários.

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