Opinião

Estado deve indenizar danos tributários sofridos pelo contribuinte

Autor

  • Andreia Scapin

    é advogada doutora em Direito Tributário pela USP professora convidada da pós-graduação da Universidade Mackenzie e pesquisadora do Centro Didático Euro-Americano sobre Políticas Constitucionais da Università del Salento Itália/Furb (Brasil).

17 de abril de 2017, 6h20

O traço marcante das relações tributárias é a bipolaridade, já que há dois valores em constante tensão: a autoridade do poder público e a liberdade individual do contribuinte, pois a imposição de tributos consente obter recursos financeiros destinados à manutenção do aparelho estatal, porém permite que o direito fundamental à propriedade do contribuinte seja legitimamente atingido com a absorção compulsória de parcela de seu patrimônio.

Os atos praticados pelo Fisco que se dirigem à cobrança de tributo se inserem na categoria dos atos administrativos, sendo dotados de fatores de eficácia, tais como presunção de legitimidade e exigibilidade, de modo que, por mais absurda que se apresente a pretensão tributária, o ato se sustenta e produz efeitos, esperando a decisão da própria autoridade fiscal, ou de hierarquia superior, para que seja desconstituído.     

Logo, se o contribuinte não satisfizer a prestação tributária dentro das condições impostas, a entidade tributante poderá utilizar os instrumentos previstos em lei voltados para o cumprimento forçado da obrigação fiscal, quais sejam: inscrição do débito em dívida ativa, ajuizamento da execução fiscal, penhora de bens e do faturamento da empresa, cadastro do nome no Cadin, indeferimento de certidão negativa de débito fiscal ou positiva com efeitos de negativa e restrição à alienação de bens, entre outros.

Em consequência, o contribuinte poderá defrontar-se com situações complicadas que inviabilizam a movimentação de seu negócio, ensejando até mesmo o encerramento das atividades da empresa, como a negativa de acesso ao crédito junto às instituições financeiras, a restrição do suprimento de matéria-prima por fornecedores, a impossibilidade de participar de procedimentos licitatórios e de concluir um vantajoso negócio por constar irregularidades em relação ao pagamento de tributos etc.

Para evitar tais embaraços, após ser notificado do ato de lançamento de tributo ou de imposição de multa, compete ao contribuinte adotar as medidas destinadas a suspender a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do artigo 151 do CTN, tais como: promover a impugnação administrativa com a suspensão automática do ato de cobrança ou ajuizar ação judicial anulatória do débito acompanhada do depósito do valor do montante integral caso a suspensão não seja obtida liminarmente com a demonstração de periculum in mora e fumus boni iuris.

Nesse contexto, são inúmeros os danos em razão das despesas com a contratação de profissionais habilitados, perícias, assistentes técnicos, depósitos judiciais etc. — além da possibilidade do contribuinte ser surpreendido diretamente com o ajuizamento da execução fiscal sem qualquer notificação prévia a respeito do débito, sendo os prejuízos ainda maiores —, pois os recursos financeiros que poderiam ser investidos para proporcionar o crescimento do negócio permanecem indisponíveis, situação cuja tendência é se agravar com a vagarosa solução de conflitos no Brasil.

Nas hipóteses em que, em processos administrativos ou judiciais, reconhecer-se que o tributo é indevido dada a presença de vício no ato que o torna ilegítimo, como no caso em que o fato gerador não foi praticado pelo alegado devedor, mas por homônimo, a ablação do patrimônio e as medidas destinadas à execução forçada dos bens caracterizam a violação de direitos subjetivos, o que requer, além da anulação do ato e da restituição de valores pagos ou depositados, a responsabilização do Estado pelos danos causados.

Há vários casos em que o cidadão foi submetido aos ônus da cobrança de tributos indevidamente, ensejando a responsabilização do Estado pelos danos suportados, tais como: ajuizamento de execução fiscal em relação a crédito tributário com exigibilidade suspensa apesar do regular pagamento pelo contribuinte das parcelas do débito incluído no Refis; de IPTU de imóvel que foi objeto de desapropriação pelo município há mais de 10 anos; por dívidas tributárias já adimplidas dada a falta de regularização dos cadastros do Fisco etc.

No julgamento do REsp 773.470/PR, 2ª Turma, em 2/3/2007, de relatoria da ministra Eliana Calmon, reconheceu-se que, nas execuções fiscais indevidas, o dano moral é presumido, ou seja, é considerado in re ipsa. Esse posicionamento foi mantido por ocasião do julgamento do AgRg no Ag. 1.163.561/RJ, em 20/4/2010, sendo reproduzido em casos semelhantes, desde então, não apenas pelo STJ, mas por tribunais regionais brasileiros.

São igualmente indenizáveis os danos sofridos pelo contribuinte em razão do ato de lançamento tributário ou imposição de multa e do ajuizamento de execução fiscal quando versem sobre a mesma questão jurídica, mas são contrários aos entendimentos consolidados do STF favoráveis ao contribuinte em controle concentrado de constitucionalidade, recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida e súmulas vinculantes; e do STJ em recursos especiais obedecendo à sistemática dos artigos 543-B e 543-C do CPC/73, os quais correspondem aos artigos 1.036 e 1.041 do novo CPC.

A responsabilidade do Estado por dano tributário resulta da existência, na ordem jurídica, de princípios que regulam o modus operandi da administração tributária limitando o poder de tributar (artigo 150 da CF e 97 do CTN), por meio dos quais o legislador reconheceu o alto potencial destrutivo da imposição tributária, deixando implícita a submissão do Estado à norma neminem laedere (não causar dano a ninguém), como também da previsão expressa contida no parágrafo 6º do artigo 37 da CF, que prescreve o dever jurídico de indenizar os danos causados por seus agentes públicos, nessa qualidade, inclusive no exercício da função fiscal.

Autores

  • Brave

    é advogada, pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Professora-convidada da pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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