Ambiente Jurídico

População precisa colaborar com o sistema de coleta e tratamento de esgoto

Autor

  • Eduardo Coral Viegas

    é promotor de Justiça no MP-RS graduado em Direito pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) especialista em Direito Civil mestre em Direito Ambiental palestrante ex-professor de graduação universitária atualmente ministrando cursos e treinamentos e integrante da Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente. Autor dos livros Visão Jurídica da Água e Gestão da Água e Princípios Ambientais.

15 de abril de 2017, 8h00

Spacca
A Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) possui um programa chamado "Se Ligue na Rede", por meio do qual são feitas ações para que a população conecte suas economias ao sistema de coleta e tratamento de esgoto após a conclusão das obras. A finalidade é aumentar o índice de interligações e reduzir os impactos dos lançamentos de esgoto in natura no ambiente.

O início do programa ocorreu há 20 anos, e, nesse período, a Sanepar recebeu alguns prêmios socioambientais pela iniciativa, como o Prêmio Caixa Melhores Práticas em Gestão Local, na categoria "Trabalho Social no PAC" (em 2011), que lhe permitiu participar do Best Pratices and Local Leadrships Programme, em Dubai, no ano seguinte. Em 2015, foi finalista do Prêmio Inovação da Gestão em Saneamento, da Abes.

Assim como a Sanepar, outras companhias de saneamento estimulam as pessoas a se ligarem às novas redes de esgoto. Mas, por incrível que pareça, os esforços são muitos, enquanto os resultados nem sempre aparecem em medida similar. No Rio Grande do Sul, temos exemplos de iniciativas pouco exitosas.

Nossa proposta neste espaço de discussão é analisar duas questões centrais: por que é tão importante a ligação à rede cloacal e como ela é tratada pelo Direito brasileiro?

Na já longínqua década de 1970, o Clube de Roma elaborou o documento chamado Os Limites do Crescimento, que trouxe como conclusão serem incompatíveis a disposição dos recursos naturais com a taxa de crescimento demográfico, os padrões de consumo e a forma de desenvolvimento da atividade industrial. A solução para o problema seria a estabilização econômica, populacional e ecológica[1].

Desde então, porém, a população só cresceu — e muito. O somatório diário dos efluentes domésticos produzidos pelas 7 bilhões de pessoas que habitam o planeta é elevadíssimo. Pior, significativa porção de tais rejeitos é despejada no ambiente sem qualquer espécie de tratamento, enquanto outra parcela conta com tratamento parcial ou deficitário.

Dados da ONU apontam que 2,5 bilhões de pessoas não têm acesso a saneamento básico no mundo, ao passo que 780 milhões carecem de água potável[2]. Os reflexos desses dados são expressos em mais índices quantificáveis: a Unicef divulgou recentemente que a diarreia mata mais crianças no mundo do que a Aids, a malária e o sarampo juntos, sendo que 88% de suas causas são a má qualidade da água, o saneamento inadequado e a falta de higiene[3].

O Instituto Trata Brasil, especializado em saneamento, aponta que apenas 42,67% dos esgotos do país são tratados e que mais de 3,5 milhões de brasileiros, nas 100 maiores cidades do país, despejam irregularmente seus efluentes na natureza, apesar de contarem com redes coletoras à sua disposição[4]. Igualmente lembra que o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) estima serem necessários investimentos na ordem de R$ 270 bilhões para a universalização do saneamento até 2030[5].

Isto é, a demanda por esgoto é significativa tanto no Brasil como no mundo; sua falta acarreta consequências extremamente danosas aos seres humanos e ao ambiente de uma forma geral, destacando-se o aumento de doenças e mortes evitáveis e a violação do princípio da dignidade da pessoa humana, que não pode ser atingido sem acesso à água em quantidade suficiente e qualidade adequada; e a ampliação e/ou universalização do saneamento é bastante onerosa.

Em época de crise econômica, como a que atravessamos no Brasil, os gastos de interesse público devem ser geridos da melhor forma possível, para que sejam maximizados os benefícios sociais. Consequentemente, não é plausível que as companhias de saneamento façam elevados investimentos na implantação de redes de coleta e de tratamento de esgoto, mas estas acabem ociosas porque as pessoas não se comprometem a executar pequenos ajustes estruturais em suas economias.

Sob o enfoque jurídico, o artigo 45 da Lei 11.445/2007, que é a Lei da Política Nacional do Saneamento, dispõe:

Ressalvadas as disposições em contrário das normas do titular, da entidade de regulação e de meio ambiente, toda edificação permanente urbana será conectada às redes públicas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário disponíveis e sujeita ao pagamento das tarifas e de outros preços públicos decorrentes da conexão e do uso desses serviços.

 A Lei do Saneamento não estabelece sanção para o descumprimento dessa regra; porém, a Lei das Águas (Lei 9.433/97) contempla a imposição de penas administrativas para quem praticar diversas condutas, dentre as quais pode ser enquadrada a omissão à ordem de ligação da economia à rede geral de esgotamento sanitário. Nesse sentido:

Art. 50. Por infração de qualquer disposição legal ou regulamentar referentes à execução de obras e serviços hidráulicos, derivação ou utilização de recursos hídricos de domínio ou administração da União, ou pelo não atendimento das solicitações feitas, o infrator, a critério da autoridade competente, ficará sujeito às seguintes penalidades, independentemente de sua ordem de enumeração:

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul apreciou a matéria em agravo de instrumento interposto pelo município de Gravataí contra decisão que havia indeferido medida liminar em ação cominatória movida contra pessoas notificadas para fazerem as devidas ligações e que se mantiveram inertes. Na ocasião, deu provimento ao recurso, reconhecendo a obrigação dos particulares, consoante trecho da ementa:

No caso, os agravados foram notificados há mais de um ano, para tomarem as devidas providências a fim de efetuarem a ligação de esgoto domiciliar a rede coletora pública com o fito de evitar o dano ambiental, restando, contudo, inertes. Agravo provido. Unânime[6].

É plausível o questionamento se seria necessária lei municipal estabelecendo medidas administrativas sancionatórias para aqueles notificados e que se omitem. A questão é controversa, já que nosso sistema é federalista. Para que não haja nulidade das autuações municipais, é prudente a transposição da norma administrativa sancionadora via o estabelecimento de lei local.

É digno de nota que tramita na Câmara dos Deputados o PL 7.915/2010, tratando da criminalização de condutas envolvendo recursos hídricos, que inclui o artigo 50-A à Lei 9.433/97, cujo inciso VI contempla o objeto deste trabalho, verbis:

Deixar o proprietário de edificação permanente urbana de conectar seu imóvel às redes de abastecimento de água e de esgotamento sanitário disponíveis, após esgotado o prazo concedido pela autoridade competente. Pena – detenção, de 6 meses a 2 anos, e multa.

A aprovação desse projeto de lei reforçaria os mecanismos de comando e controle sobre aqueles que, apesar de notificados para atender ao comando legal e administrativo de regularizarem seus imóveis à rede de esgotamento sanitário, mantêm-se omissos, contribuindo diariamente, com isso, para o aumento da poluição ambiental.

Enfim, quanto mais ferramentas o administrador público e o operador do Direito tiverem para agir em prol da saúde, do meio ambiente e da vida, mais fácil será a implementação efetiva de tais direitos fundamentais. Contudo, não podemos perder de vista a responsabilidade das pessoas em cooperar para que, de forma espontânea, sem a necessidade de imposição de qualquer penalidade, o maior número possível de imóveis se ligue às redes disponíveis, as quais, conforme visto, são privilégio de poucos.


[1] WEDY, Gabriel. Disponível em:<http://www.conjur.com.br/2017-fev-25/ambiente-juridico-direito-desenvolvimento-existe-sustentavel-ambientalmente>. Acesso em 6 de abril de 2017.
[2] Disponível em: <https://nacoesunidas.org/25-bilhoes-de-pessoas-nao-tem-acesso-a-saneamento-basico-em-todo-o-mundo-alerta-onu/>. Acesso em 6 de abril de 2017.
[3] Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/pt/media_16165.html>. Acesso em 6 de abril de 2017.
[4] Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/saneamento-no-brasil>. Acesso em 6 de abril de 2017.
[5] Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/universalizacao-do-saneamento-basico-terra-da-gente-online-internet-noticias-2>. Acesso em 6 de abril de 2017.
[6] AI 70048791107, julgado em 29 de agosto de 2012. 

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    é promotor de Justiça no MP-RS, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Civil e mestre em Direito Ambiental. Foi professor de graduação universitária e atualmente ministra aulas em cursos de pós-graduação e extensão. Integra a Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente. É autor dos livros Visão Jurídica da Água e Gestão da Água e Princípios Ambientais.

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