Olhar Econômico

Normativa ambiental é relativamente nova e indispensável

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

13 de abril de 2017, 8h55

Spacca
João Grandino Rodas [Spacca]O meio ambiente e a preservação da biodiversidade são fundamentais para a  sobrevivência da espécie humana. A preocupação com esse tema, tanto interna, quanto internacionalmente, embora relativamente recente, vem galvanizando os poderes públicos, assim como os mais variados setores da sociedade. Exemplificam isso, no Brasil, a cruzada “Agro é Tech, Agro é Pop, Agro é Tudo”, atualmente veiculada por canal televisivo e a Campanha da Fraternidade da Igreja Católica, que, nesta quaresma, tem por tema “Biomas Brasileiros e a Defesa da Vida”.

Por outro lado, a necessidade de se alimentar a população global, que cresce incessantemente, impõe a necessidade de se produzir alimentos em maior quantidade e qualidade, mas que sejam seguros. A normativa internacional, representada por tratados internacionais, cujo número de ratificações atesta sua ampla aceitação, balizou e influenciou legislações nacionais, inclusive a brasileira.

Dentre as convenções de maior importância do século XX, tanto pelo seu objetivo, quanto por sua larga adesão, figura a Convenção sobre Diversidade Biológica, alinhavada sob a égide das ONU, aberta à assinatura de qualquer Estado ou organização internacional de integração econômica, em 5 de janeiro de 1992, por ocasião da 2ª Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992 (ECO-92) e em vigor desde 29 de dezembro de 1993. Tal convenção, parte da constatação da finitude dos recursos naturais, tendo, conforme seu artigo 1º, três finalidades principais: (i) conservação da diversidade biológica, entendida em seus três níveis, ecossistemas, espécies e recursos genéticos; (ii) utilização sustentável dos componentes dessa diversidade; e (iii) a utilização compartilhada dos recursos genéticos, com justiça e equidade, mormente os usados comercialmente. A Convenção em tela, cujo artigo 37 não permite sejam feitas reservas, possui participação quase universal: 196 Estados e organizações internacionais partes. Entretanto deve ser assinalado que, embora os Estados Unidos da América a tenha assinado, não a ratificou e, por conseguinte, não está vinculado à mesma. No Brasil, a Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo 2 de 1994, ratificada em 28 de fevereiro desse mesmo ano, promulgada pelo Decreto 2.519, de 16 de março de 1998 e publicada  no Diário Oficial da União, de 17 de março do mesmo ano; sendo, portanto, executória no território brasileiro. Ela é um tratado-quadro, que embasou e possibilitou a adoção de documentos internacionais mais específicos, como o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, que entrou em vigor em 2003 e o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura, o Protocolo de Nagoia sobre Acesso a Recursos Genéticos e Repartição de Benefícios Derivados de sua Utilização, vigorante desde 2014; além de várias diretrizes sobre turismo sustentável e biodiversidade, controle de espécies invasoras e gestão da biodiversidade.

Nos consideranda da Convenção, encontramos importantes afirmações: (i) que, embora os Estados tenham “direitos soberanos sobre os seus próprios recursos biológicos” e sejam “responsáveis pela conservação de sua diversidade biológica e pela utilização sustentável de seus recursos biológicos”, a “conservação da diversidade biológica é uma preocupação comum à humanidade” (grifo nosso); e (ii) que  “a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar medidas para evitar ou minimizar … ameaça de sensível redução ou perda de diversidade biológica” (princípio de precaução). No articulado do tratado tais temas são retomados, mormente, nos artigos 2º e 1º. Esse princípio fez, inclusive, parte da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que encerrou a ECO-92[1].

Embora a Convenção em tela não tenha, formalmente, criado uma organização internacional para cuidar de sua implementação, estabeleceu um aparato para tanto, que se transformou em fórum universal, político e jurídico, para a discussão de questões ambientais: (i) Conferência das Partes, de que participam os Estados e as organizações internacionais de integração econômica, que fixa prioridades, estabelece planos de trabalho, pode propor modificações na Convenção, criar órgãos, fazer avaliações etc. (artigo 23); (ii) Secretariado, com sede em Montreal (artigo 24); e (iii) Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico, Técnico e Tecnológico, composto por especialistas (artigo 25).

Essa convenção consagrou a conservação da diversidade biológica como “preocupação comum da humanidade” e como parte do processo de desenvolvimento, propugnando que os esforços de conservação e a utilização econômica dos recursos biológicos, em benefício dos seres humanos, devessem andar juntos.

Como os organismos biologicamente modificados possuem particular importância no âmbito da diversidade biológica, após discussões em sucessivas reuniões internacionais, foi assinado o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, durante a Conferência sobre Diversidade Biológica, realizada em janeiro de 2000, em Montreal, que passou a vigorar internacionalmente, em 11 de setembro de 2003, tendo, atualmente, cento e setenta Estados e organizações internacionais partes. No Brasil, foi aprovado pelo Decreto Legislativo 908, de 21 de novembro de 2003, ratificado em 24 de novembro desse ano, promulgado pelo Decreto 5.705, de 16 de fevereiro de 2006 e publicado no Diário Oficial da União, em 17 de fevereiro do mesmo ano.

O Protocolo, baseado no princípio da precaução, é pioneiro na regulamentação internacional do estudo, manuseio e movimento transfronteiriço, de organismos vivos modificados, decorrentes da biotecnologia moderna, conhecidos como transgênicos.  Seu artigo 1º define, claramente, seu objeto: “contribuir para assegurar um nível adequado de proteção no campo da transferência, da manipulação e do uso seguros dos organismos vivos modificados resultantes da biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando em conta os riscos para a saúde humana, e enfocando especificamente os movimentos transfronteiriços”

Esse instrumento em questão é minudente, dispondo, inter alia, sobre trânsito e uso em contenção (artigo 6º), notificação (artigo 8º); acusação de recebimento de notificação (artigo 9º); procedimento para a tomada de decisão (artigo 10); procedimento para organismos vivos  modificados para uso como alimento ou ao beneficiamento (artigo 11); avaliação e manejo de riscos (artigos 15 e 18); manipulação, transporte, embalagem e identificação (artigo 18); responsabilidade e compensação (artigo 27) e proibição de reservas (artigo 38). Por possibilitar a disseminação das informações substanciais, para que as decisões sobre os organismos em questão possam ser tomadas com segurança, o Protocolo representou grande progresso.

A Constituição vigente do Brasil tem um capítulo sobre meio ambiente, cujo artigo 225 possui três incisos relativos a regras de segurança e fiscalização com relação a organismos geneticamente modificados[2].

As normas infraconstitucionais vigentes sobre o assunto em tela são: (i) a Lei 11.105, de 24 de março de 2005, que regulamentou os incisos constitucionais acima referidos, fixou regras de segurança e fiscalização dos organismos geneticamente modificados, além de criar o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), reestruturar a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e dispor sobre a Política Nacional de Biossegurança (PNB); (ii) o Decreto 5.591, de 22 de novembro de 2005,  que regulamentou dispositivos da Constituição e da lei anteriormente citada; e (iii) Lei 11.460, de 21 de março de  2007, sobre plantio de organismos geneticamente modificados.

A Lei 11.105/2005 introduziu no ordenamento brasileiro o princípio da precaução, conformou a lei de biossegurança com a lei ambiental e de agrotóxicos e reforçou a competência da CTNBio.

A CTNBio, órgão colegiado consultivo e deliberativo, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia é composto por vinte e sete membros, oriundos de ministérios e especialistas em biossegurança e defesa do consumidor, com mandado de dois anos, renováveis uma vez. Compete a ele, em suma, fixar critérios de monitoramento de riscos; identificar atividades passíveis de degradação ambiental ou de perigo à saúde humana; e avaliar, caso por caso, os projetos e atividades relativas aos organismos geneticamente modificados, bem como exarar decisão técnica sobre a respectiva segurança.

O Brasil vem-se consolidando como celeiro alimentar para o mundo. Seu setor do agronegócio emprega cerca de 19 milhões de pessoas e contribui grandemente para balança comercial, prevendo, para 2017, superávit de U$ 51 bilhões. Muitas são as reflexões possíveis à luz do quadro jurídico acima delineado: suficiência e qualidade dos alimentos, a tecnologia para aumento da produtividade agrícola, novas tecnologias e desenvolvimento sustentável na produção de alimentos, que serão, tratadas oportunamente.


[1] “Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.

[2] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

   § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:

   II –  preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

   IV –  exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

   V –  controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

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    é professor titular da Faculdade de Direito da USP, juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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