Opinião

Responsabilidade civil do agente público por danos ao cidadão

Autor

  • Hugo de Brito Machado

    é professor titular de Direito Tributário da Universidade Federal do Ceará (UFC) desembargador federal aposentado do TRF-5 e membro da Academia Brasileira de Direito Tributário da Associação Brasileira de Direito Financeiro da Academia Internacional de Direito e Economia do Instituto Ibero-Americano de Direito Público e da International Fiscal Association.

9 de abril de 2017, 6h51

A Constituição Federal diz que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público respondem pelos danos que os seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Em outras palavras, podemos dizer que o Estado tem responsabilidade objetiva pelos danos que os seus agentes causem aos particulares. E podemos dizer também que o agente público tem responsabilidade subjetiva, responde pelo dano perante o Estado ao qual serve, se tiver agido dolosa ou culposamente, vale dizer, se tiver agido com o propósito de causar o dano, ou se tiver agido com imprudência, negligência ou imperícia.

A questão essencial que se coloca a respeito do tema e agora está em exame no Supremo Tribunal Federal, que vai decidir com repercussão geral, consiste em saber se quem sofre prejuízo em decorrência de ato estatal pode promover ação cobrando indenização diretamente do agente público causador do dano. E os que sustentam a ilegitimidade passiva do agente público geralmente invocam em apoio dessa tese precedentes da corte maior, que efetivamente já decidiu afirmando a ilegitimidade passiva do agente público.

O tema é, inegavelmente, de grande importância, pois não são raras as situações nas quais alguém se sente prejudicado pelo poder público. Sobre o assunto, já escrevemos diversos artigos e produzimos inclusive um livro que se encontra na editora aguardando publicação. Essa importância do tema, aliás, restou evidente com a decisão do Supremo Tribunal Federal que determinou que seja a questão objeto de decisão com repercussão geral.

O caso que chegou ao Supremo Tribunal Federal, e ensejou sua decisão no sentido de que a questão seja julgada com repercussão geral, merece especial destaque pelo fato de envolver situação peculiar, em que, mesmo sendo o causador do dano um agente político, existe peculiaridade capaz de ensejar a legitimidade passiva da pessoa contra a qual foi promovida a ação cobrando indenização, conforme, aliás, decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo. Seja como for, o importante para justificar o cabimento de ação do prejudicado diretamente contra o agente público é a condição deste como agente administrativo, e não como agente político.

Realmente, como temos destacado em nossos estudos a respeito do tema, o ponto relevante para sabermos se cabe, ou não, ação do prejudicado diretamente contra o agente público depende da distinção, que é fundamental no caso, entre agente político e agente administrativo, que a adiante iremos examinar.

A expressão agente público designa um gênero, do qual são espécies distintas o agente político e o agente administrativo. E a distinção entre essas duas espécies é de fundamental importância quando se trata da questão de saber se aquele que se sente prejudicado por um ato estatal pode, ou não, promover ação cobrando a indenização correspondente diretamente contra o agente público que tenha agido com culpa ou dolo, ou se tal responsabilidade só pode ser cobrada pela entidade pública em ação regressiva. Por isso mesmo vamos explicar em que consiste essa distinção, que infelizmente não tem sido apontada pelos que cogitam da responsabilidade desses agentes, seja para pleitear indenização, seja para julgar esses pleitos, inclusive no Supremo Tribunal Federal.

O agente político é aquele que tem deveres de conteúdo eminentemente político, como o presidente da República, os governadores, senadores, deputados, prefeitos e outros, que exercem atividade política. Tais agentes não dispõem de autoridades superiores às quais estejam subordinados e possam consultar para saber o que devem fazer em face de determinadas situações, e, por isso mesmo, precisam de maior liberdade para agir.

O agente administrativo, diversamente, subordina-se ao princípio da estrita legalidade e não desfruta de liberdade para decidir o que deve e o que não deve fazer. Os agentes administrativos dispõem de autoridades às quais estão subordinados e podem consultar para saber o que devem fazer em certas situações. Por isso mesmo, não precisam e realmente não dispõem de liberdade para agir. E assim, em face de situações nas quais de suas condutas pode decorrer danos a terceiros, podem consultar seus superiores para saber se devem, ou não, agir dessa ou daquela forma.

Ressaltamos que o Supremo Tribunal Federal, embora sem explicitar essa diferença entre agente político e agente administrativo, tem decidido com acerto as questões, não admitindo a propositura de ação pelo prejudicado contra o agente político, e admitindo a propositura de ação pelo prejudicado diretamente contra o agente administrativo. Por isso mesmo espera-se que, ao apreciar a questão, no caso cujo acórdão terá repercussão geral, esclareça definitivamente essa diferença entre o agente político e o agente administrativo.

Finalmente, devemos ressaltar que essa diferença entre agente político e agente administrativo nem sempre autoriza a solução que preconizamos. Como tudo é relativo, também a tese apoiada na distinção entre agente político e agente administrativo comporta exceções, como parece ser a do caso que motivou o julgamento, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, dando lugar ao recurso que será apreciado pelo Supremo Tribunal Federal e motiva o acórdão que será proferido com repercussão geral.

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