Opinião

Em respeito à democracia, decisão de juiz suspeito deve ser anulada

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8 de abril de 2017, 7h30

A prova para condenar alguém é aquela produzida em contraditório judicial, isto é, as partes devem conduzir a produção da prova frente a um juiz que assiste a tudo para ser convencido dos fatos, de uma distância que possa se manter imparcial, sem perder a força de manter a regularidade e a ordem do processo.

Pois bem, neste sentido, as testemunhas são inqueridas pelas partes sem a participação do juiz, e o réu ao ser interrogado pelo juiz não será além das perguntas essências previstas pela lei, cabendo às partes explorar o seu depoimento.

No Brasil, a lei prevê que poderá o juiz intervir de forma excepcional durante a produção de uma prova, mas não para tomar uma posição ativa, isto é, não cabe a ele o protagonismo, pois o dever de fazer prova é da parte e não do juiz.

As provas cabem às partes porque são estas que apresentam suas teses para ser julgado, logo, o juiz não faz prova porque ele não tem nenhuma tese a ser julgado, para além, ele ouve as teses em contraditório e se convence de uma delas ou de nenhuma. E, neste caso de dúvida, do não se convencer, não cabe ele fazer prova, mas manter-se distante destas lacunas.

E, para respeitar a distância, a lei diz objetivamente que no caso de dúvida deve absolver, até porque, se ele está em dúvida para condenar e passa a buscar provas, em verdade ele assumiu uma tese (parcialidade) e pretende demonstrar para ele mesmo que a tese (dele, não mais da acusação) é verdadeira.

Então, se o juiz deixa de buscar a prova e permite que ela seja produzida pelas partes para lhe convencer, temos a imparcialidade e o sistema não será o inquisitivo. Observe como é evidente que nestes casos o réu assume um papel de parte no processo (sua tese é tão possível quanto a do acusador). Nos casos em que o juiz assume uma das teses, a outra parte somente é mero objeto investigado.

Mesmo que o juiz não produza as provas, poderá ainda ser suspeito sobre o resultado do processo, isto é, tem um interesse real sobre a causa e irá conduzir o processo para um resultado que para ele é esperado como necessário. Seja esta vontade para condenar ou para absolver alguém.

Frisa-se, não há suspeição quando as provas convencem o juiz, pois é finalidade do processo. A suspeição existe quando o convencimento é pré-existente, e se fez antes da analise ou da produção das provas.

Pois bem, atualmente não seria possível vislumbrar uma sentença penal em que o juiz faz o julgado por meio de seu protagonismo (ativismo) no processo e, ainda assim, não é questionado por atender anseios sociais (?). Como diz Lenio Streck, fica escondido o ovo da serpente. Isto, pois, seria assumir que a acusação somente tem o papel de autorizar a inquisição, mas é a mesma desnecessária para o convencimento do julgador.

A título de exemplo, a hipótese de uma sentença em que o juiz faz menção em seus fundamentos (recortes de depoimentos) a diversos momentos da inquirição de um réu e de testemunhas para mostrar o seu convencimento sobre determinados fatos. Tal situação é normal e necessária, não basta julgar, tem que fundamentar com base no processo. Assim o juiz diz, estou convencido que Caio corrompeu Mateus porque em seus depoimentos quando questionado ele disse que (…).

O inaceitável sobre tal situação é se este juiz fizer referência em suas fundamentações a mais de 150 perguntas ou intervenções que foram por ele mesmo fabricadas e direcionadas ao Réu e as testemunhas para mostrar o seu convencimento sobre os fatos.

Intensificando o exemplo, no interrogatório do réu, no qual o juiz deveria ficar restrito ao Código de Processo Penal (criticas são necessárias sobre esta atuação, mas não neste momento), o juiz toma o protagonismo do ato ao ponto de, em sua sentença, ficar feliz com o resultado alcançado por ele próprio. O julgador se torna a maior referência do julgado. Não se trata mais de um processo das partes, mas do processo do julgador.

Na hipótese se acrescenta que existiram outros documentos e provas e que a condenação devesse ser imposta ao réu. Para não dizer que se negue o “acerto” do julgado. Observe a suspeição que assumimos sobre a hipótese, pois queremos o resultado do nosso exemplo.

Mas, o que deve ser compreendido, é que a condenação deveria se dar por convencimento imparcial. Ora, não será difícil observar nestes processos que várias nulidades e provas suscitadas pelas partes são usualmente negadas pelo julgador, isto, pois, ele entenderá ser a sua posição suficiente para julgar.

Pois bem, se convencido antes de se convencer somente cabe aqueles que são suspeitos, e para manter a distância das partes impõe-se a estas o dever de provar, a melhor técnica processual impõe a nulidade do julgado do nosso caso hipotético, ainda que a sociedade (e até nós) goste(mos) do resultado, pois esta (e, nós) também somos suspeitos por nossas pré-valorações, inclusive é (somos) suspeita(s) de como formou o seu convencimento para apoiar o julgado.

Em melhores palavras, o que se defende é o instituto do processo penal como necessário na sociedade, e não os resultados que se esperam dele. Até porque, o resultado que se espera de um processo é um resultado motivado imparcialmente (pela técnica jurídica). Ora, Aury Lopes há muito explica, não se trata de neutralidade, porque juiz tem opinião, mas de manter uma postura jurídica imparcial para julgar.

Mas por que queremos anular um julgado que, se for julgado novamente, talvez resulte em nova condenação? Para garantir e assegurar regras. Para evitar que sobrevenha um permissivo autoritário na jurisprudência. Para mostrar que existem leis, e aquele que exerce jurisdição não pode estar em outro patamar daquele que é processado por quebrar outras regras sociais. O julgado é anulado para respeitar a democracia. Para respeitar a Justiça. Para respeitar aquele que é réu. Para proibir que condenações sejam dadas por suspeitos. Para evitar que pessoas sejam caçadas ou protegidas no intricado sistema judicial.

Para finalizar, em um caso hipotético destes, não seria demais esperar um nobre ato deste juiz, que sente a necessidade de se enaltecer no seu julgado, e registrar na própria decisão que estava cumprindo com etapas de um projeto maior de combate a um criminoso já conhecido.

Mas dirá ele quando questionado, que o protagonismo é recorte de jornal (só tinha ele a ser recortado) e em nada disso existe pré-convencimento ou interesse, ou suspeição ou ativismo inquisitivo.

Ficaria a sociedade em devaneios, assim como fica aquele juiz de nossa decisão hipotética? Vamos nos deixar levar pela imaginação de que uma sentença que não respeitou regras, ainda assim, é uma sentença boa.

Autores

  • é advogado, mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS, especialista em Direito Empresarial pela FSG, professor de Direito Processual Penal, Direito Penal Econômico e Direito Empresarial. Além disso, é conselheiro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-BA e membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem, bem como membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal.

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