Dever de motivação

Preventiva deve dizer por que outras cautelares são insuficientes, decide Gilmar

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5 de abril de 2017, 21h32

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, cassou, nesta quarta-feira (5/4), a prisão preventiva do ex-vice-presidente do Flamengo Flávio Godinho, investigado nos desdobramentos da operação “lava jato” no Rio de Janeiro. Segundo o ministro, o despacho de prisão não demonstrou que outras medidas cautelares seriam insuficientes para impedir que Godinho atrapalhasse as investigações, conforme alega o Ministério Público Federal.

Carlos Moura/SCO/STF
Como réu é acusado de corrupção ativa, a única comprovação necessária é do repasse de dinheiro, diz Gilmar Mendes.
Carlos Moura/SCO/STF

Na liminar, o ministro Gilmar afirma que, como Godinho é acusado de corrupção ativa, a única comprovação necessária é do repasse de dinheiro. Isso seria, como foi, resolvido por meio da quebra de sigilos fiscais e bancário, sem “produção de ulteriores provas”.

O fato de ele ser acusado de corrupção ativa também depõe contra a preventiva, diz o ministro. Se ele era quem financiava o esquema, não há risco de ele esconder dinheiro de origem criminosa – essa preocupação caberia a quem recebe a verba, e não a quem paga. “Não se indica razão concreta e suficiente para crer no risco de que o paciente venha a praticar crimes semelhantes na atualidade.”

“Indo além, o paciente não estaria na liderança da alegada organização criminosa. Nesse quadro, mesmo que imbuído do propósito de embaraçar a instrução criminal, não está evidente o potencial do investigado de por em marcha plano para tanto”, afirma o ministro, na liminar.

Questão aberta
A prisão de Godinho, considerado “braço direito” do empresário Eike Batista, foi decretada pelo juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, com base em depoimentos prestados em delação premiada. Os delatores Renato e Marcelo Hasson Chebar, operadores do mercado financeiro, disseram que Godinho combinou com outros investigados as versões que deveriam contar à Justiça sobre uma operação financeira.

O advogado de Godinho, o criminalista Celso Vilardi, afirma que, na verdade, seu cliente estava conversando com os advogados do ex-governador do Rio Sérgio Cabral e com os dois delatores sobre como contariam a história da operação para os investigadores. Villardi afirma que a jurisprudência do Supremo autoriza o encontro de investigados com seus advogados para combinar versões, já que a proibição seria um cerceamento ao direito de defesa.

Gilmar, no entanto, afirma que a questão ainda não está definida. O decreto de prisão afirma que a combinação de versões a ser contadas à Justiça pode ser enquadrada no parágrafo 1º do artigo 2º da Lei das Organizações Criminosas.

O dispositivo diz que as penas aplicáveis a integrantes de organizações  criminosas também podem ser imputadas a quem “impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”.

A defesa de Godinho afirma que enquadrar conversas com advogados nesse dispositivo contraria o entendimento firmado pelo Supremo no Habeas Corpus 86.864. Mas, segundo Gilmar, a tese foi lançada pelo ministro Carlos Velloso e acompanhada por outros quatro ministros, sendo que três deles não estavam presentes e outros três dos votos proferidos no Plenário naquele julgamento não discutiram a questão.

Para Gilmar, isso significa que o tribunal ainda não afirmou que o encontro com advogados para “concertar versões” decorre do direito fundamental à ampla defesa. “Os limites da aplicação desse tipo penal a casos de interação entre imputados ainda estão por ser traçados”, afirmou, na liminar desta quarta. “Mas parece que se desenha uma posição favorável à aplicabilidade, ao menos em casos de coação ou de tentativa de embaraçar uma postura colaborativa.”

Concerto de versões
A reunião apontada pelo MPF como prova de que Godinho tentou atrapalhar as investigações aconteceu em 2015. Nela, ele orientou Cabral e os delatores a procurar o advogado Ary Bergher para que se orientassem. E o advogado, ainda segundo o MPF, teria dito qual seria a “versão correta” dos fatos para que contassem às investigações.

Essa operação, segundo as investigações, foi a criação de uma empresa pelo grupo EBX, de Eike Batista, que veio a se chamar Arcadia, para que assinasse um contrato fictício com outra companhia pra justificar o repasse de US$ 18 milhões por Eike a Cabral. No fim das contas, o valor repassado foi de US$ 16,5 milhões.

De acordo com a defesa, não se tratou de tentativa de obstruir as investigações, mas de explicar o que aconteceu para que as versões não se conflitassem na Justiça. Mas, para Gilmar, no caso da prisão do ex-senador Delcídio do Amaral, a 2ª Turma entendeu que a tentativa de convencer um delator a não colaborar com as investigações pode ser entendida como uma forma de obstrução à Justiça.

“Tratava-se de decisão cautelar, mas que serve como indicativo de que o prerrogativa de influenciar outros investigados não é ilimitada. A resposta sobre a existência, ou não, de um direito de investigados soltos a se reunirem para combinarem versões ainda está por ser dada”, resumiu o ministro.

HC 141.478
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