Opinião

Julgamento virtual é mais um passo para a "monocratização" dos tribunais

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5 de abril de 2017, 8h52

O direito pode ter a sua própria velocidade. Para muitos, vagarosa. Mas a tecnologia, mesmo no Judiciário, caminha sempre a passos largos. E, de fato, o Judiciário mudou — desde a forma de disponibilizar andamento processual até os próprios autos, que deixaram o papel para existirem apenas em computadores e softwares.

Agora, nova alteração: os julgamentos das turmas colegiadas de nossos tribunais deixam as nobres salas de julgamento e as sessões públicas e litúrgicas. Criou-se e instalou-se, em diversos tribunais, o chamado “julgamento virtual”. As sessões de julgamento também estão se mudando para o mundo dos servidores.

No Supremo Tribunal Federal, a novidade já foi regulamentada e aplicada — ainda que com a discordância do ministro Marco Aurélio, que deixou a presidência da Comissão de Regimento, após a aprovação da Resolução 587, de 29 de julho de 2016. De acordo com esse normativo, agravos regimentais e embargos de declaração poderão ser julgados em plenário virtual, a critério do ministro relator. O funcionamento dos julgamentos virtuais se dá através do acesso, pelos ministros, a um sistema onde o texto do voto do relator é inserido. Lido o voto, cada um concorda ou discorda, de forma silenciosa; com o apertar de um botão.

O Superior Tribunal de Justiça partilha da inovação. Desde o ano passado, agravos regimental e interno e embargos de declaração poderão ser julgados virtualmente de acordo com a discricionariedade do Relator. O funcionamento é o mesmo do STF, silencioso. Outros tribunais também seguem a mesma linha.

Essa nova forma de julgar não representa mera decorrência do processo eletrônico ou do avanço das tecnologias. Suas consequências são muito mais amplas e drásticas.

Não é só que o julgamento passa a ser feito na privacidade dos gabinetes, sem a publicidade das TVs (para o bem e para o mal). Deixa de existir debate real entre os magistrados. O debate se transformou em acesso a um sistema; em leitura de votos; em um sim ou não sem rosto e sem detalhes.

Nesse novo sistema, que já tira muito da saudável publicidade dos julgamentos pelos tribunais, os ministros podem acessar os votos. E podem acompanhar ou discordar do Relator.

Mas os ministros também podem apenas ficar em silêncio: consta da Resolução do STF que “considerar-se-á que acompanhou o relator o ministro que não se pronunciar” no prazo de 7 dias.

Se calarem, é porque concordariam… O debate não é só silencioso; é o próprio silêncio.

Não é mais necessário que o ministro vote, ouça ou discuta. Será mesmo necessário que ele acesse o sistema?

As implicações ao princípio do colegiado parecem evidentes. E não estamos falando apenas de suas implicações mais diretas: ampla defesa e duplo grau de jurisdição. Lembrando Carnelutti, Badaró resume bem as vantagens do julgamento colegiado, no qual “cada um comunica ao outro seu ponto de vista, ‘o que se resolve em um ver não só com os próprios olhos, mas também com os olhos dos outros e, por conseguinte, em uma visão ampliada! ’” É, por isso, “um julgamento menos sujeito a erros”.

Mas, infelizmente, não é esse o caminho que tem sido escolhido pelos tribunais. O julgamento virtual parece ser outro passo, mesmo que mais sutil, à tendência hoje em voga de adotar julgamentos monocráticos.

De fato, o que os advogados já vinham percebendo foi colocado em números pela Folha de S. Paulo: no início deste ano o jornal publicou matéria destacando que em 2016 o Supremo Tribunal Federal teve 18% menos decisões colegiadas (que caíram de 18 para 15 mil).

A “monocratização” dos tribunais (especialmente STF e STJ) é a ponta de um iceberg. Feito o julgamento monocrático, obter a atenção da turma julgadora tornou-se uma tarefa quase impossível, já que os agravos que deveriam impedir esse movimento hoje são julgados virtualmente.

Também não se deve olvidar que, pelo julgamento virtual, o advogado deixa de ter voz na sessão de julgamento, ainda que seja para esclarecer um ponto dos fatos ou levantar questão de ordem. O julgamento em sessão não permite só o debate entre magistrados, mas também a participação do advogado, mesmo em casos sem sustentação oral — o STF inclusive prevê a intervenção do profissional no artigo 124, parágrafo único, do seu Regimento Interno.

Mas sabe-se que a inconstitucionalidade que assombra a inovação. Desta forma, as regras do julgamento virtual incluem a previsão de que, desde que o advogado assim requeira expressamente, os embargos ou agravo voltem ao “julgamento real”. Mas, assim como os ministros, os advogados que se calam também consentem em ter apenas um simulacro de julgamento. Contudo, mais uma petição para avolumar os autos eletrônicos é a opção que temos hoje para tentar fugir do julgamento sem debates e trocas.

E, ainda que seja possível que ocorra algum debate, mas este se dará sem a participação do advogado. No caso dos agravos, mesmo quando retirados do sistema de julgamento virtual, a defesa ainda terá perdido o direito de fazer sustentações orais. Mesmo quando estes forem interpostos em casos que permitiriam a fala dos advogados — este é um dos principais direitos furtados pela tal “monocratização” do julgamento. Mas isso fica como tema para alguma coluna futura.  

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